Acórdão nº 1335/06.4BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 18 de Junho de 2020

Magistrado ResponsávelDORA LUCAS NETO
Data da Resolução18 de Junho de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. Relatório F.., ora Recorrente, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que julgou improcedente a ação para efetivação de responsabilidade civil por si deduzida contra a Ordem dos Médicos, Hospital Santa Maria e Estado português, visando a sua condenação nos pedidos seguintes: i) Pagamento ao A., a título de indemnização, de uma quantia de montante não inferior a €1.463.080,00, sendo €1.156.000,00 correspondentes a danos patrimoniais e €300.000 a danos não patrimoniais, acrescidos de juros legais, desde a data da citação até integral cumprimento; ii) Publicitar através de circular, jornais e internet, a notícia do arquivamento dos processos disciplinares em que o A., ora Recorrente, foi arguido, nos termos do artigo 89.° da réplica de fls. 567/581.

Nas alegações de recurso que apresentou o Recorrente F..

concluiu nos seguintes termos (cfr. fls. 2057 e ss. do SITAF, após convite do Relator para sintetizá-las): «(…) 1.ª A decisão recorrida enferma de erro de julgamento e viola por errada interpretação e aplicação os artigos 498, n.° 1 e 306°, n° 1, do Código Civil ao julgar prescrito o direito indemnizatório que o Autor fundou na delonga dos seus processos disciplinares, fazendo-o mediante a consideração de que "desde o decurso do 'prazo razoável' de três anos sobre a data da instauração do processo disciplinar que o A. teve conhecimento dos invocados pressupostos da responsabilidade civil extra-contratual", contando o prazo prescricional a partir do terceiro ano do curso desses processos e não da sua conclusão, já que a delonga processual é um facto ilícito que só pode apreender-se quando consumado (cfr. Ac. do STA, de 21-03-85, no Processo n° 019963, in www.dasi.pt e Ac. STA de 05/14/91, no Proc. n° 019273, in www.dasi.ptj.

  1. Ao decidir pela prescrição do direito de indemnização peticionado nos autos por referência ao fundamento da morosidade dos processos disciplinares, a sentença recorrida não pode subsistir à luz do Direito e da Justiça, já que a acção deu entrada em juízo (19.05.2006) no respeito pelo prazo de prescrição previsto na lei, contado da data do desfecho (decisão) dos processos (um em 26.12.2003, outro em 15.12.2004), ou seja, da data em que o Autor tomou conhecimento do ilícito e dos demais pressupostos constitutivos do direito de indemnização por si peticionado.

  2. Mesmo que se acolhesse a perspectiva adoptada na sentença recorrida segundo a qual o ilícito da delonga processual se consumaria de três em três anos, nunca poderia ter-se como prescrito o direito do Autor a uma indemnização pela delonga dos processos nos últimos anos anteriores ao seu desfecho, pelo que a decisão recorrida sempre enferma de erro de julgamento.

  3. Ao julgar prescrito o direito de indemnização peticionado por referencia ao 'erro de julgamento' em que incorreram as Rés ao não arquivarem os processos logo ao momento da sua instauração, ante a falta de indícios e o facto das infracções já então se encontrarem prescritas e amnistiadas, a sentença sub judice enferma de erro de julgamento e viola por errada interpretação e aplicação os artigos 498, n.°l e 306°, n° 1, do Código Civil, pois só com o arquivamento dos processos ficou o Recorrente em posição de exercer o seu direito.

  4. Ao julgar prescrito o direito de indemnização peticionado por referência às quebras de sigilo imputáveis às Rés em violação do disposto nos artigos 8o, 3°/3/f) e 9 do Estatuto Disciplinar e dos artigos 195° e 196° do Código Penal, a sentença recorrida enferma de erro e viola por errada interpretação e aplicação os artigos 498, n.°l e 306°, n° 1, do Código Civil, sendo certo que tais factos ocorreram durante todo o processo e até Dezembro de 2003 e só com o arquivamento dos processos ficou o Recorrente em posição de exercer o seu direito.

  5. Ao contrário do que se afirma na decisão recorrida, resultam provados e foram dados por assentes factos que consubstanciam danos morais e patrimoniais na esfera jurídica do Autor, o que é evidenciado nos factos assentes sob as alíneas WWWWW, XXXXX, YYYYY e ZZZZZ, CCCCCC, DDDDDD, GGGGGG, HHHHHH e EEEEEE, sem prejuízo das presunções judiciais que desses factos (e de outros assentes) podem e devem ser extraídos nos termos do art. 349° do Código Civil (presunções judiciais) - cfr. ponto 94. do acórdão n° 62361, de 29 de Março de 2006 (caso D...C. Itália e Ac. STA de 12/17/2008, no Proc. N° 0973/08, in www.dasi.pt.

  6. Ao considerar que "não se apurou a existência de qualquer dilação indevida" no processo disciplinar instaurado e conduzido pela Ordem dos Médicos, a decisão recorrida enferma de erro de julgamento e viola as garantias fundamentais previstas nos artigos 20° da Constituição e 6°/l da CEDH, já que o processo disciplinar instaurado pela Ordem dos Médicos foi instaurado pela Ordem dos Médicos em 20 de Janeiro de 1996 (cfr. alínea S dos factos assentes), só tendo vindo a ser arquivado em 14 de Dezembro de 2004 (cfr. alínea SSSSS dos factos assentes), duração que está muito para além dos limites da razoabilidade.

  7. Ao considerar que "não se apurou a existência de qualquer dilação indevida" nos processos disciplinares instaurados e conduzidos pela Inspecção Geral de Saúde (Réu Estado), a decisão recorrida enferma de erro de julgamento e viola as garantias fundamentais previstas nos artigos 20° da Constituição e 6°/1 da CEDH, já que os processos disciplinares em causa foram instaurados em Fevereiro de 1999, já na sequência de anterior inquérito iniciado Setembro de 1997, e só vindo a ser decididos (pelo arquivamento) em Dezembro de 2004, duração que está muito para além dos limites da razoabilidade.

  8. Ao contrário do pressuposto pelo Tribunal a quo na decisão recorrida, o segundo pedido formulado pelo Autor aqui Recorrente (publicação da notícia do arquivamento dos processos disciplinares - v. pedido e artigo 89° da réplica de fls. 567 e segts.), não traduz o exercício de um direito de indemnização mas antes um pedido de prestação de facto, fundado em razões de justiça ligadas à defesa do bom nome e reputação profissionais do Recorrente e à sua Dignidade, pedido que deveria ter sido julgado procedente ante a matéria de facto assente.

  9. A sentença recorrida enferma de erro de julgamento ao absolver os Réus do segundo pedido formulado na acção (publicação da notícia do arquivamento), já que, mesmo que se entendesse tal pedido como uma pretensão indemnizatória, a acção foi proposta dentro dos três anos subsequentes aos arquivamentos em causa, pelo que não estaria prescrito tal direito contrariamente ao decidido.

  10. A matéria do quesito 34°, elencada na decisão recorrida como facto provado sob a alínea LLLLLL do probatório, de acordo com o qual "aquando da instauração do processo disciplinar, quer no seu decurso, quer no seu termo, as pessoas da OM que conduziram o mesmo actuaram segundo as regras das legis artis e com isenção", traduz uma questão de direito que deveria ter sido dada por não escrita pelo Tribunal nos termos do art. 646°/4 do CPC em vez de ter sido elencada como "facto assente" e servido de base à decisão de direito que desse modo enferma de erro.

  11. Ainda que a resposta ao quesito 34° consubstanciasse uma questão de facto, nunca tal matéria poderia ter sido considerada provada pelo Tribunal a quo, na medida em que a conclusão aí vertida está em clara contradição com a restante matéria de facto dada como assente nos autos, bastando atentar à cronologia do processo disciplinar constante do probatório e à sua duração de cerca de dez anos.

  12. O quesito 2.º deveria ter sido dado como provado sem a restrição temporal que consta da resposta dada pelo Tribunal a quo, restrição que não resulta de qualquer meio de prova produzido nos autos, sendo certo que foi produzida prova atestando que a credibilidade profissional do Autor foi afectada desde o início dos processos disciplinares e também depois do ofício de 31.05.2000, o que resulta dos depoimentos do Prof. Doutor G.., na Cassete 1. Lado A, 080 a 089. do Dr. C.., na Cassete 2, Lado B, 415 a 428. do Prof. Doutor G.., na Cassete 3, Lado A, 330 a 346. da Dr.a D.., na Cassete 3, Lado A, 502 a 506.

  13. A resposta negativa dada pelo Tribunal a quo ao quesito 3.º enferma de erro ao não esclarecer que desde a data em causa (instauração do primeiro processo disciplinar) houve redução da actividade médica cirúrgica, facto que se compreende no quesito e que ficou provado em julgamento através dos depoimentos do Prof. Doutor G.., Cassete 1. Lado A, 173 a 182, do Dr. J.., Cassete 1, lado B, 067 a 074. Prof. Doutor D.., Cassete 2, lado A 089 a 095 e da Dr.a D.., Cassete 3, Lado 462 a 465.

  14. A resposta dada pelo Tribunal a quo ao quesito 4.º enferma de erro ao não esclarecer que desde a data em causa (instauração do primeiro processo disciplinar) houve redução das actividades científicas descritas embora não a sua paragem total, facto que se compreende no quesito e que ficou provado em julgamento pelos depoimentos de todas as testemunhas e que resulta de presunções a extrair dos demais factos assentes.

  15. A resposta negativa dada pelo Tribunal a quo ao quesito 5.º, destinada a apurar se o Autor perdeu a confiança dos doentes, enferma de erro na apreciação da prova, devendo tal quesito considerar-se provado ante os depoimentos prestados em audiência de julgamento (v. depoimento do Prof. Doutor G.., Cassete 1. Lado A, 191 a 197) e as presunções judiciais a extrair da demais factualidade assente, sendo a perda da confiança dos doentes nas condições descritas e provadas nos autos uma realidade que a Vida impõe ao Direito.

  16. A resposta negativa dada pelo Tribunal a quo aos quesitos 11° e 19°, destinada a apurar se o Autor sofreu depressão e quebra de auto-estima, enferma de erro, devendo tais quesitos considerar-se provados ante os depoimentos prestados em audiência de julgamento, ante os pareceres médicos...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT