Acórdão nº 467/08.9BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 18 de Junho de 2020

Magistrado ResponsávelSOFIA DAVID
Data da Resolução18 de Junho de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul I - RELATÓRIO O Ministério Público (MP) intentou no Tribunal Administrativo de Círculo (TAC) de Lisboa a presente acção de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa contra J................, melhor identificada nos autos, peticionando que a oposição fosse julgada procedente e se ordenasse o arquivamento do processo conducente ao registo pendente na Conservatória dos Registos Centrais (CRC).

Por Acórdão do TAC de Lisboa foi julgada procedente a acção e, em consequência, ordenou-se o arquivamento do processo conducente ao registo de J................ como cidadã de nacionalidade portuguesa, pendente na CRC.

Inconformada com a decisão a Recorrente, J................, apresentou as suas alegações, onde formulou as seguintes conclusões: “I. Nada na lei diz que seja requisito para aquisição de nacionalidade portuguesa que o interessado resida ou tenha residido permanentemente em Portugal.

II. No caso sub judice ficou provada pelas duas testemunhas ouvidas por carta rogatória que a Ré tem comprovada e efetiva ligação à comunidade portuguesa, ficando aqui apenas respigados alguns factos mais relevantes ou significativos.

III. A Ré foi aluna do ensino primário e liceal, durante 12 anos, no Colégio particular "Elisângela Filomena", muito frequentado por crianças e jovens discentes da comunidade portuguesa (talvez mais do que por discentes lusófonos de outros quadrantes).

IV. Foi provado, que, no plano social, familiar e escolar, a vivência da Ré foi também de imersão total na comunidade e círculos portugueses de Luanda.

V. Ficou provado que a Ré tem sete primos e tios com nacionalidade portuguesa, um número quase igual em Portugal e um número superior na comunidade portuguesa na Austrália (cidades de Sidney e Darwin - com mais de dez familiares nesta cidade). Além disso, tem 3 irmãos com nacionalidade portuguesa VI. Ficou, também, provado que a Ré tem em sua casa uma biblioteca não pequena de livros de História, cultura e literatura portuguesa, além de dicionários bilingues (em que uma das línguas é o português) e de gramáticas avançadas (para Português de alto nível), bem como tem ainda a Ré uma grande coleção de música portuguesa (CD's) que abrange fados de Lisboa e de Coimbra, música popular e folclórica e música moderna portuguesa interpretada por cantores portugueses.

VII. O Mº Pº, Autor nos autos, não conseguiu fazer contraprova da ligação efetiva da Ré à comunidade portuguesa, nem prova da falta dessa ligação.

VIII. A Ré é filha adotiva de J................, nacional português por sentença estrangeira revista em 2007 pelo Tribunal da Relação de Lisboa e, por ordem deste, oficiosamente averbada na Conservatória dos Registos Centrais, tendo no mesmo ano sido instruído o procedimento de aquisição da nacionalidade portuguesa pela Ré ora Recorrente.

IX. A Ré cumpre com os requisitos objetivos e subjetivos para aquisição da nacionalidade portuguesa, tendo domínio gramatical, semântico e retórico da língua portuguesa (locução correta, escrita e oral, na variedade diatópica, inclusive fonética, do Português falado em Portugal, comunhão intelectual e afetiva com a cultura e língua portuguesa e interação social com a comunidade portuguesa em Luanda e fora de Angola e familiares com nacionalidade portuguesa (pai adotivo, esposa deste, 2 irmãos e 3 sobrinhos são os familiares mais próximos portugueses).

X. Está provada, por manifesta, a ligação efetiva da Ré à comunidade portuguesa em plúrimas vertentes.

XI. O facto de a Ré ter frequentado a Faculdade de Arquitetura da Universidade de Sidney - uma das mais conceituadas da Austrália e especialmente apreciada nos círculos da Arquitetura do planeta -, nos últimos 2 anos do Curso (os 3 primeiros frequentados em Luanda), não toma a Ré, obviamente mais australiana do que portuguesa. As Faculdades de Arquitetura das Universidades angolanas são, consabidamente, de nível cientifico e discente muito inferior e por isso valorizam curricularmente muito menos um licenciado destas do que a Faculdade de Arquitetura da Universidade de Sidney valoriza um seu licenciado. Afinal, se um português frequenta uma Universidade inglesa, norte-americana ou suíça, certamente o faz por uma questão de escolha qualitativa ou qualificativa. Não se "desportugaliza" por isso. Além disso, a Ré tem familiares em Timor Leste, que, a partir da Austrália visita mais facilmente, com menos dispêndio de tempo e de dinheiro.

XII. Ajuizou doutamente o Acórdão do STA de 03.03.2016 (Relatora: Juiz- Conselheira Dra. Maria Benedita Urbano), consultável no sítio www.dgsi.pt, nos termos seguintes: " A jurisprudência e a doutrina vêm afirmando, e bem, que as apontadas normas visaram, por um lado, promover o valor da unidade familiar e proteger essa unidade e, por outro, dotar o Estado português de mecanismos legais destinados a evitar que cidadãos estrangeiros sem nenhuma ligação afectiva, cultural ou económica a Portugal ou cidadãos tidos por indesejáveis pudessem adquirir a nacionalidade portuguesa. E também vem dizendo que a ligação efectiva à comunidade nacional se revela por um sentimento de pertença à cultura portuguesa, manifestada no conhecimento e domínio da sua língua, na aceitação e prática dos seus costumes, na partilha de bens culturais, no interesse pela sua história, pela realidade do país ou pela forma como ele é governado e pelos laços familiares, relações de amizade ou de convívio com os cidadãos nacionais. E que a «jurisdicionalização da oposição à aquisição derivada da nacionalidade teve, por sua vez, e igualmente, em vista permitir uma melhor e mais isenta ponderação dos interesses em jogo e a consequente salvaguarda dos interesses do pretendente à aquisição da nacionalidade, desde que legítimos, por não colidentes com os interesses do Estado». E foi o convencimento do M P de que a Requerida não tinha a referida ligação à comunidade nacional que o levou a propor esta ação, a qual foi julgada de forma diferente nas instâncias. Daí que a primeira dificuldade a resolver seja a de saber se é ao MP que cabe provar que a Requerida não tem ligações efetivas à comunidade nacional e, por essa razão...

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