Acórdão nº 1878/19.0BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 18 de Junho de 2020

Magistrado ResponsávelDORA LUCAS NETO
Data da Resolução18 de Junho de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. Relatório E... e B..., naturais da Angola, interpuseram recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa que julgou improcedente a ação que intentaram contra o Ministério da Administração Interna [Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF)], e manteve na ordem jurídica o ato administrativo que negou o pedido que E...

havia apresentado junto do SEF para concessão de asilo ou de autorização de residência por proteção subsidiária, extensível à sua irmã, menor, B....

As alegações de recurso que apresentou culminam com as seguintes conclusões: «(…) I. Tendo em conta que a recorrente B... é menor e alegou - a sua irmã e co-recorrente E... - ter sido vítima de violação, deveria o SEF ter avaliado, de acordo com a Lei, a necessidade de promoção de garantias especiais para a recorrente cuja capacidade de exercer direitos e cumprir obrigações se encontre limitada pela força das circunstâncias pessoais, designadamente em virtude da sua idade por ter sido vitima de violação. Assim, não se cura de uma decisão discricionária, mas de um verdadeiro poder-dever, como se afere do vocábulo "deve". Desta sorte, teria de pelo menos constar do Relatório do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras a avaliação a que alude o preceito, e não constando dos autos a referida avaliação é forçoso concluir que não foi feita. necessariamente teria de constar dos autos que tal avaliação foi efectuada e considerada desnecessária a promoção de garantias especiais, por forma a dar como cumprido o ditame legal. Omitindo os autos referência à avaliação - como refere a sentença do Tribunal a quo - a ilação a retirar é que a mesma não foi efectuada tendo sido preterida formalidade essencial, pelo que ao decidir como decidiu, a sentença laborou em erro de julgamento.

  1. Por outro lado, a douta sentença recorrida refere que nada na Lei determina que não é aplicável a tramitação acelerada a requerentes de asilo menores. E tem razão. Contudo, o n.° 3, do artigo 17.°-A da Lei do Asilo refere que "podem ser dilatados os prazos ". Assim, e na aplicação do mesmo número, revela-se a incompatibilidade entre a possibilidade de dilatação dos prazos e da tramitação acelerada.

  2. À recorrente B... não forma tomadas declarações, não obstante ter sido a mesma a vítima de tentativa de violação. A tomada de declarações é pessoal, refere o n.° 2, do artigo 16.° da lei do Asilo. Assim, labora a sentença do Tribunal a quo em contradição: se o pedido de asilo era extensível à irmã menor, então a mesma era igualmente requerente de asilo, pelo que, necessariamente deveria ter prestado declarações, porquanto, era, reitera-se, requerente de asilo. Assim, a sentença recorrida deveria ter decidido a preterição da formalidade essencial da não tomada da declarações à recorrente B....

  3. A descrição efectuada pela recorrente E..., é, crê-se e salvo o devido respeito, pormenorizada e os factos detalhados, pelo que deveriam levar á aplicação do princípio do benefício da dúvida. Todavia, a sentença recorrida expendeu que "das declarações da Autora, não resulta com caracter de credibilidade que aquela e a sua irmã estiveram, ou possam vir a estar expostas a uma situação de violação grave e sistemática dos seus direitos fundamentais: ou sequer que se encontrem numa situação de risco de vir a sofrer ofensa grave, que torne a sua permanência em Angola intolerável". Todavia, a sentença recorrida, olvida, salvo o devido respeito, que as declarações prestadas o não foram pela co-recorrente B... que, ela sim, viveu a experiência e poderia ter efectuado relato mais circunstanciado. Mais, se a recorrente E... não se sentia ameaçada por voltar a Angola, à B... não foi colocada a questão. Desta sorte, a sentença recorrida padece de matéria de facto para a decisão tomada.

  4. Alegaram as aqui recorrentes que a entidade administrativa não cumprira com o ditame legal de obter informação actualizada sobre o seu país de origem a República Popular de Angola. A aliás douta sentença recorrida entendeu que, por seu turno, que o SEF cumpriu tal dever. Todavia, o SEF não obteve informação actualizada e pertinente sobre a situação em Angola sobre violações de mulheres. Com efeito, este era o fundamento do pedido de asilo de ambas as recorrentes. Assim, reiteram as recorrentes que o SEF não cumpriu com a obrigação de obtger informação actualizada e pertinente sobre o país de origem das recorrentes, preterindo formalidade prevista na Lei do Asilo pelo que a sentença do tribunal a quo deveria ter anulado a decisão do SEF.» O Recorrido, notificado para o efeito, não apresentou contra-alegações.

    Neste Tribunal Central Administrativo, o DMMP pronunciou-se no sentido do não provimento do recurso.

    Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, mas com entrega prévia do texto do acórdão aos Mmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.

  5. 1. Questões a apreciar e decidir: As questões suscitadas pelas Recorrentes, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar: a) Da preterição de formalidade essencial, invocando que o tribunal a quo errou ao ter sancionado positivamente a atuação do SEF no procedimento acelerado em apreço, tendo em conta que a Recorrente [B...] B...

    é menor, em face do que a sua irmã e ora Recorrente E... alegou, de que aquela havia sido vítima de violação, devendo aquela entidade ter avaliado, de acordo com o art. 17.º-A, da Lei do Asilo, a necessidade de promoção de garantias especiais, não sendo aplicável, por contraditório a tramitação acelerada prevista no art. 19.º do mesmo diploma legal – cfr. conclusões de recurso I e II; b) Da preterição da formalidade essencial, invocando que o tribunal a quo errou ao ter sancionado positivamente a atuação do SEF no procedimento em apreço, ao não ter tomado declarações à Recorrente [B...] B..., irmã, menor, da Recorrente E... – cfr. conclusão de recurso III; d) Do erro de julgamento por não ter aplicado o princípio da dúvida, na medida em que a descrição efetuada pela Recorrente E... é suficientemente pormenorizada e detalhada, e, na parte em que eventualmente não o é, fica a dever-se ao facto de se tratar de depoimento indireto, de factos sofridos pela irmã B..., razão pela qual deveriam ter sido tomadas declarações a esta antes de ter sido decidido pelo carácter infundado do pedido, incorrendo, assim, a sentença recorrida em insuficiência da matéria de facto - cfr. conclusão de recurso IV; e) Do erro de julgamento por ter sancionado positivamente a atuação do SEF no procedimento em apreço, em que não foi obtida informação atualizada e pertinente sobre a situação em Angola sobre violações de mulheres, sendo este o fundamento dos pedidos de proteção internacional em apreço – cfr. conclusão de recurso V.

  6. Fundamentação II.1.

    De facto A decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, foi a seguinte, que se reproduz na parte que releva para o conhecimento do recurso, considerando-se toda a demais aqui integralmente reproduzida, nos termos do art. 663.º, n.º 6, do CPC, ex vi art. 140.º CPTA: «(…) A) E... e B... são nacionais de Angola, nascidas a 17/12/2000 e 21/12/2001 respectivamente - cfr. ficha dactiloscópica a fls. 1 dos PA's juntos aos presentes autos a páginas 65 e 139 do SITAF, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; B) As Autoras chegaram a Portugal no dia 08 de Agosto de 2019 no voo TP288 proveniente de Luanda e com destina a Casablanca - cfr. fls. 3 dos PA's juntos aos presentes autos a páginas 65 e 139 do SITAF, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; C) Nesse mesmo dia foi recusada a sua entrada em território nacional, com o fundamento “Falta de visto ou título de residência válido” - cfr. fls. 10 e 11 dos PA's juntos aos autos a páginas 65 e 139 do SITAF, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; D) A 8 de Agosto de 2019 a Autora E... apresentou pedido de protecção internacional, extensível à sua irmã menor, a Autora B...

    - cfr. pedido e comprovativo de apresentação do pedido a fls. 13 do PA de páginas 65 do SITAF e fls. 13 do PA junto a páginas 139 do SITAF, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; E) A 12 de Agosto de 2019 a Autora E..., perante o inspector do Serviço de Estrangeiros e Fronteira, prestou declarações, das quais se extrai o seguinte: Entrevista/Transcrição (…) Pergunta (P). Relativamente a informação prestada compreendeu tudo? Resposta(R). Sim.

    P. Tem alguma questão que queira colocar relativamente ao procedimento? R. Não.

    Pergunta (P). Que língua(s) fala? Resposta (R). Eu falo só Português.

    P. Em que língua pretende efetuar esta entrevista? R. Em Língua Portuguesa.

    P. Tem advogado? R. Não.

    P. Podemos prosseguir com a entrevista? R. Sim. Pode continuar.

    P. Em Portugal é-lhe concedido apoio por uma Organização Não Governamental designada por Conselho Português para os Refugiados (CPR) durante todo o procedimento de proteção internacional. Autoriza que seja comunicado ao Conselho Português para os Refugiados, de acordo com o previsto no n.º 5, do artigo 24.º, da Lei n.º 27/08 de 30.06, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 26/14 de 05.05, as decisões que vierem a ser proferidas no seu processo? R. Sim.

    P. Tem algum problema de saúde? R. Tenho um problema de visão. Doí-me as duas vistas.

    P. Mas já teve acompanhamento médico neste EECIT? R. Sim. Eu fui observada pelos Médicos do Mundo. Mas eu não expliquei isso a ele.

    P. Mas então porque é que não referiu isso ao médico? R. Naquele momento não doía.

    P. E esta a ser medicamentada para o efeito? R. Não.

    P. Neste momento, sente-se capaz e em condições de realizar esta entrevista? R. Sim.

    P. Esta primeira parte da entrevista serve para conhecermos melhor a sua pessoa, os seus antecedentes, a traçar o seu perfil. Pode...

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