Acórdão nº 428/17.7BELRA de Tribunal Central Administrativo Sul, 28 de Maio de 2020
Magistrado Responsável | JORGE PELICANO |
Data da Resolução | 28 de Maio de 2020 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: M...
, Recorrente no âmbito da presente acção administrativa intentada contra o ESTADO PORTUGUÊS, em que pede a condenação deste a indemnizá-la dos danos que diz ter sofrido em resultado do atraso registado na decisão do processo n.º 154/04.7TBTNV, interposto no Tribunal Judicial de Torres Novas em 16/02/2004, vem intentar recurso da sentença que julgou parcialmente procedente a presente acção e em consequência, condenou o Recorrido: “a) a pagar à Autora a quantia de € 2.000,00 (dois mil euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos em virtude da duração excessiva do Proc. n.º 154/04.7TBTNV, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação e até efetivo e integral pagamento; b) no pagamento à Autora dos honorários do advogado nos presentes autos, na parte em que comprovadamente sejam superiores às despesas ressarcidas através da aplicação da legislação de custas; c) no pagamento de todas as quantias devidas a título de imposto sobre os montantes pagos à Autora e d) absolveu o Recorrido do demais peticionado pela Autora.
Apresentou as seguintes conclusões com as alegações do recurso: “1 – Em relação ao facto não provado da alínea A), deve o mesmo ser alterado para provado, na medida em que do depoimento da Testemunha M... resultou a 00.04.43 que “Sei que ela anda muito…andava muito nervosa, porque tinha metido…tinha metido um processo no Tribunal e nunca mais era resolvido, (impercetível), e que lá iam muitos anos e que não tinha sido resolvido ainda.”.
2 – Ao contrário da valoração realizada pela Meritíssima Juíza do Tribunal “a quo”, esta Testemunha logrou concretizar, contextualizar e descrever as consequências que a morosidade do processo 154/01.7TBTNV provocou no estado emocional da Recorrente.
3 – Nomeadamente, a 00:05:18 da sua inquirição mencionou que “Ela disse-me…diz que tinha sido em 2003 ou 2004, portanto já lá vão para aí uns 11 anos.”, bem como mencionou a 00:05:42 que “Ela coitada, chorava e dizia que queria isto resolvido o mais depressa possível, porque não sabia a situação dela, a vida dela”.
4 - Referindo em vários trechos das suas declarações o estado de nervosismo, irritação e transtorno emocional que o protelamento da acção provocou na Recorrente, nomeadamente a testemunha a 00:06:24 mencionou que “Sim, sim, ela andava muito nervosa e continua a andar, ela está…muito psicologicamente, agente fala para ela, ela não entende aquilo que a gente está a dizer”, e a 00:07:06 disse “Porque ela fica nervosa, ficou apanhada psicologicamente e a vida dela não tem sido fácil” e a 00:07:25 concretizou “Sim, porque ela andava irritada, sempre a falar da mesma coisa, sempre a falar da mesma coisa.
” 5 - E ainda, a testemunha também referiu que a Recorrente quando a visitava em Tramagal, aproveitava para se deslocar ao escritório do seu advogado, bem como fazia telefonemas, referindo a 00:07:53 “Sim, sim ia a Tramagal, e vinha a Abrantes, ao Dr. que a estava a acompanhar neste processo, muita vez mesmo, ou telefonava.” 6 – Afirmando, de forma credível e convicta que a demora na resolução do processo “mexeu” com a Recorrente, descrevendo situações concretas em que o assunto surgiu em conversa, referindo a 00:08:17 que “Mexeu sim, muito…e anda irritada, não se pode falar para ela, muitas vezes a gente fala para ela e diz ou M… acalma-te, tem paciência, e ela diz que estou deserta que isto esteja resolvido.
” 7 – Assim a matéria dada como não provada em A). deve passar a provada.
8 – Por outro lado, ficou provado nos presentes autos que é imputável ao Estado Português, enquanto juiz, toda a duração da tramitação do processo nº 154/04.7TBTNV desde a instauração do processo até ser proferida decisão, ou seja, desde 14/02/2004 até 26/11/2014.
9 – O Tribunal “ a quo” determinou que o processo esteve pendente durante 10 anos, 9 meses e 12 dias, sendo que apenas relevou a duração de 5 anos, 5 meses e 13 dias, isto é, a partir do momento em que ocorreu a habilitação da Recorrente.
10 – Condenando o Estado Português a pagar uma indemnização de 2000,00€ à Recorrente pelos danos não patrimoniais comuns resultantes do atraso injustificado.
11 – De acordo com entendimento jurisprudencial aceite sem reservas, as normas de Direito interno respeitantes à responsabilidade civil do Estado Juiz, devem ser objecto de interpretação conforme à Convenção Europeia dos Direitos do Homem e devem ser aplicados tomando em consideração a jurisprudência do TEDH; 12 – Segundo a Jurisprudência do TEDH, existe um núcleo de processos em que a indemnização por cada ano de demora do processo pode subir do patamar de € 1.000,00 a € 1.500,00 para € 2.000,00; 13 – Aliás, o Acórdão Apicella C. Italie de 10/11/2004, considerando nº --, “O montante global será aumentado até 2.000€ se o que estiver em causa for importante, nomeadamente em matéria de direito do trabalho, estado e capacidade das pessoas, pensões, processos particularmente importantes relativamente à saúde ou à vida das pessoas.
”; 14 – No caso concreto, a Recorrente foi habilitada para figurar como Ré numa acção de despejo, o que nunca teria ocorrido se o processo não tivesse ultrapassado o prazo razoável, sendo a indemnização por danos morais pela morosidade da mesma fixada no valor de 2000,00€, cuja fixação não encontra eco na Jurisprudência do TEDH ou Nacional, sendo o montante inaceitável e desfasado dos parâmetros daquelas duas Jurisprudências; 15 – No processo 154/04.74TBTNV inexistiu recurso, não foram deduzidos incidentes complexos, não se tendo verificado comportamento das partes, nem dificuldade da causa ou da tramitação justificação para tamanha demora, desde a data de entrada da Petição Inicial até à prolação da decisão de final, a não ser a falha do sistema judicial; 16 – O Tribunal a quo também se distanciou dos critérios de determinação da razoabilidade da duração processual, porquanto não se pode considerar aceitável que a duração do um processo se contabilize apenas a parir da habilitação da Recorrente, porquanto nesse data já este contava com mais de cinco anos, para apenas uma instância.
17 – A apreciação e integração do conceito obtenção de decisão em “prazo razoável” constitui um processo de avaliação a ter de ser aferido “in concreto.
18 – Pelo que, analisando o caso concreto, o processo 154/04.7TBTNV nunca devia ter ultrapassado a duração de três anos desde a entrada da petição inicial, pelo que quando a Recorrente foi habilitada já se encontrava o processo com um atraso de dois anos.
19 – De modo que, face à duração global imputável ao Tribunal onde correu o processo moroso, foi excedido o prazo razoável em 8 anos, 9 meses.
20 – E, considerando a qualidade de cônjuge sobreviva, e legítima herdeira, o prazo de duração global do processo para efeitos de violação do artigo 6º da CEDH e 20º, nº 4 da CRP, deve contabilizar-se desde o início dos autos, uma vez que a resolução daquele litigio teve reflexos na vida do casal, e podia ter graves consequências no património em comum!!! 21 – Devendo ser o esse o excedente que deve ser contabilizado para efeitos de fixação da justa indemnização, ou, no mínimo, deve ter-se como além do razoável a duração global do processo desde o momento em que a Recorrente foi habilitada, porquanto já nessa época o processo estava extremamente atrasado, caso contrário, a Recorrente nem sequer tinha participado naquele litígio.
22 – Ora, o Tribunal a quo afastou-se, de forma escandalosa, dos critérios indemnizatórios da jurisprudência do TEDH e Nacional, dado que o caso sub judice possui todos os requisitos para que lhe seja fixado. por cada ano de duração do processo, uma indemnização não inferior a € 2000,00, num total de €15.000,00 euros; 23 – A ser de outro modo, o Recorrido teria um imerecido prémio, dado que este tipo de decisões tem e deve assumir um carácter penalizador no sentido de se evitar a repetição de práticas que levem a que, um processo desta natureza, demore a mais de cinco anos a ser resolvido.
24 – Inclusive, face à alteração da matéria de facto propugnada, entende a Recorrente, que além do dano comum, ficou demonstrada e provada a ocorrência de perturbações emocionais graves na sua esfera, suscetíveis de preencher o conceito de dano moral especial, que pela sua gravidade mereça a aplicação do artigo 496º do Código Civil.
25 - Sendo também relevante a circunstância de, não fosse o facto ilícito imputável ao Recorrido, a Recorrente nunca teria sofrido qualquer nervosismo, angústia ou preocupação directos com um processo judicial, pois não chegaria a ser parte.
26 – Não sendo justo e equitativo fixar a indemnização com base nos valores em causa na acção que atrasou, porquanto a Recorrente apenas foi parte em virtude da falha da Justiça na celeridade processual, devendo o Tribunal socorrer-se doutros critérios, neste caso, optando pela fixação de uma indemnização por cada ano de duração do processo, que não deve ser inferior a €2.000,00.
27– As exigências do artigo 6º do TEDH, do artigo 20º, nº 2 da CRP e 2º do CPC, foram completamente demovidas do caso concreto, em benefício do infractor, atendendo a que a indemnização fixada consiste numa indemnização miserabilista, violadora do direito à justiça em prazo razoável e que tem que ser acolhida pelos nossos Tribunais, sob pena do Estado acabar por ser condenado no TEDH, esgotadas que sejam todas as etapas recursivas possíveis nos Tribunais Nacionais; 28 – Mostram-se violados os artigos 20º CRP, 6º CEDH, 496º do Código Civil e 615º, 1, c) do CPC;” O Estado Português, apresentou contra-alegações, em que concluiu: “ 1.
Contrariamente ao defendido pela Recorrente, não “ficou provado, nos presentes autos, que é imputável ao Estado Português, enquanto juiz, toda a duração da tramitação do processo nº 154/04.7 TBTNV, desde a instauração do processo até ser proferida decisão, ou seja, desde 14.02.2004 até 26.11.2014”.
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