Acórdão nº 1807/19.0BELRS de Tribunal Central Administrativo Sul, 21 de Maio de 2020

Magistrado ResponsávelPATRÍCIA MANUEL PIRES
Data da Resolução21 de Maio de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

I-RELATÓRIO A…..

, com os demais sinais dos autos, veio interpor recurso dirigido a este Tribunal tendo por objeto o despacho de indeferimento liminar proferido pela Mmª. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, através do qual rejeitou liminarmente a p.i. de impugnação judicial de ato inválido e para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo contra o Instituto da Segurança Social, IP-Núcleo de Investigação Criminal, deduzida na sequência da notificação para pagamento de valor em dívida, nos termos do artigo 105.º, nº4, do RGIT.

O Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem: “ A) A douta sentença que aqui se recorre, julgou incorretamente, que à presente “Impugnação” ou acção”, falta objeto, já que os vícios apontados à notificação que constitui o objeto da mesma, concretizada no âmbito de um processo-crime, na fase do inquérito, carecem sempre de ser apreciados nesse contexto, não cabendo a este tribunal discorrer sobre tais questões, por não se inserirem, inclusive, no âmbito da sua jurisdição.” B) Afirmou assim, o Tribunal a quo, que os presentes autos, eram manifestamente improcedentes, por inadmissível e por falta de objeto, e como tal rejeito liminarmente a mesma.

  1. Ora, não pode o RECORRENTE conformar-se com tal sentença.

  2. O RECORRENTE foi notificado em 30/05/2019, nos termos e apara os efeitos do disposto no artigo 105.° n° 4 alínea b) do RGIT, e consequentemente constituído Arguido no âmbito do processo de inquérito n° 2585/19.9T9LSB, na qualidade de responsável solidário e subsidiário da sociedade por quotas, denominada, F….., Lda.

  3. Na notificação aqui em causa, é solicitado ao Autor o pagamento voluntário e no prazo de 30 dias do montante de €585.701,53 (quinhentos e oitenta e cinco mil, setecentos e um euros e cinquenta e três cêntimos).

  4. Acresce que, a notificação aqui em escrutínio, estabelece o prazo de trinta dias para pagamento do montante total constante da mesma, acrescido dos respetivos juros moratórios e custas processuais, sob pena de prosseguimento do procedimento criminal.

  5. Sucede que, a notificação aqui em causa, enferma de várias irregularidades, pelo que a mesma não pode produzir quaisquer efeitos jurídicos.

  6. Ora, antes de mais urge esclarecer que, os montantes constantes da notificação, ora em análise, se encontram totalmente errados. Até porque, veja-se o total de remunerações correspondentes aos meses de setembro e outubro, em que o valor das remunerações em Setembro é muito superior ao de outubro e o valor correspondente às cotizações é muito inferior. O que não pode corresponder à verdade factual.

    Desta forma, a notificação efetuada não reflete a verdade material dos valores concretamente em divida, razão pela qual, e só por si, a fere de invalidade, sendo como tal, e consequentemente, totalmente ineficaz.

  7. Pois que, a errada ou incorreta notificação prevista no artigo 105.° n° 4 alínea b) do RGIT, constitui irregularidade de conhecimento oficioso que afeta o valor do ato praticado.

  8. Ora, no caso aqui em apreço, e após consulta da segurança social direta, documento já junto aos presentes autos, constatamos que os montantes efetivamente em dívida, são os seguintes: (ix) Março de 2014, €0,00 a título de cotizações; (x) Abrii de 2014. €0,00 a titulo de cotizações, restando apenas o valor de €21,93 (vinte e um euros e noventa e três cêntimos), a titulo de juros de mora; (xi) Maio de 2014, €0,00 a título de cotizações, restando apenas o valor de €2 905,52 (dois mil novecentos e cinco euros e cinquenta e dois cêntimos), a titulo de juros de mora (xii) Junho de 2014, €59.885,43 (cinquenta e nove mil, oitocentos e oitenta e cinco euros e quarenta e três cêntimos); (xiii) Julho de 2014, €68 272.08 (sessenta e oito mil, duzentos e setenta e dois euros e oito cêntimos); (xiv) Agosto de 2014, €69.068,93 (sessenta e nove mil e sessenta e oito euros e noventa e três cêntimos); (xv) Setembro de 2014, €100.073,20 (cem mil e setenta e três euros e vinte cêntimos); (xvi) Outubro de 2014 €61 779.70 (sessenta e um mil, setecentos e setenta e nove euros e setenta cêntimos).

  9. Assim, fica aqui inequivocamente provado que o RECORRENTE apenas poderia ser notificado nos termos do disposto no artigo 105° n° 4 alínea b) do RGIT, e relativamente aos períodos em causa, para proceder ao pagamento voluntário no montante €359.079,34 (trezentos e cinquenta e nove mil e setenta e nove euros e trinta e quatro cêntimos).

  10. Ao invés, foi o aqui RECORRENTE notificado para proceder ao pagamento do montante de €585.701,53 (quinhentos e oitenta e cinco mil, setecentos e um euros e cinquenta e três cêntimos).

  11. Assim, a divergência de valores entre a notificação rececionada e o montante concretamente em dívida, não pode ser ignorado e considerado o ato praticado como válido e eficaz. Tanto mais, que estamos a falar de uma diferença de €226.622,19 (duzentos e vinte e seis mil, seiscentos e vinte e dois euros e dezanove cêntimos).

  12. Esta notificação foi efetuada ao abrigo do artigo 105° n° 4 alínea b) do RGIT. Com efeito, nos termos do artigo 105° n° 1 da Lei 15/2001, prevê- se expressamente que “Quem não entregar à administração tributária, total ou parcialmente, prestação tributária deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa até 360 dias.” P) Sobre este tipo de crime, é manifesto que atenta a sua natureza omissiva, o mesmo se concretiza no momento da não entrega da prestação tributária, Porém, o n° 4 do referido artigo 105° prevê duas condições objetivas de punibilidade da conduta descrita no n° 1: (i)Os factos apenas são puníveis, se tiverem decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal para a entrega da prestação (artigo 105° n° 4 alínea a)); (ii) Os factos descritos apenas constituem crime se a prestação comunicada à Autoridade Tributária/Segurança Social através da correspondente declaração não for paga, acrescida dos juros respetivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito (artigo 105° n° 4 alínea b)); Q) Assim, esta segunda notificação, destina-se a dar ao arguido uma faculdade excecional em face da regra geral do direito e do processo penal de extinção da responsabilidade criminal. Acresce que, essa notificação terá de ser rigorosa, inteligível e corresponder à realidade fiscal do devedor, ou seja, a notificação deverá conter (i) o prazo e consequências de pagamento; (ii) o montante total das prestações em dívida e juros correspondentes devidamente individualizados; (iii) o montante da coima aplicável.

  13. Neste sentido, Acórdão 06/06/2012, relatado por Pedro Vaz Pato, “no ato de notificação, devem ser indicados, além do prazo e consequências do pagamento, o montante total das prestações não entregues, os juros respetivos e o montante da coima aplicável.” S) O que como fica aqui indubitavelmente provado, não se verificou no caso aqui em apreço.

  14. Como bem se alcança de tudo o que acima ficou dito, a notificação efetuada nos termos da alínea b) do número 4 do artigo 105° do RGIT, foi feita de forma irregular (se não abusiva), pois o aqui RECORRENTE foi notificado para pagar €585.701,53 (quinhentos e oitenta e cinco mil, setecentos e um euros e cinquenta e três cêntimos), montante que nunca esteve em dívida. Dado que o valor em dívida na data da prática do ato era de €359.079,34 (trezentos e cinquenta e nove mil e setenta e nove euros e trinta e quatro cêntimos).

  15. Assim, no caso concreto, não estamos perante uma omissão total da notificação, mas antes perante uma irregularidade muito peculiar, que manda pagar o que nunca se deveu e que engloba uma quantia substancial que nunca existiu, e outra que já teria sido paga à muito tempo. Facto que, era do conhecimento da Segurança Social. Pelo que, houve erro grosseiro por parte da entidade emitente da Notificação, aqui posta em crise.

  16. É de admitir, à luz das regras de experiência comum que o destinatário que recebe uma notificação daquele teor, depois de constatar que os montantes estavam grosseiramente erradas, a não levasse a sério e admitisse estar perante um erro.

  17. Consequentemente, entende-se que o aqui RECORRENTE não foi devidamente notificado, nos termos e para os efeitos da apontada alínea b) do n° 4 do artigo 105° do RGIT, e ao não o ser, não lhe foi dada a possibilidade de poder optar, de forma esclarecida, livre e consciente, pelo cumprimento ou não, daquela notificação.

  18. Acresce ainda que, a Segurança Social, jamais notificou o aqui RECORRENTE de uma eventual correção. De facto, o Instituto da Segurança Social manteve o...

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