Acórdão nº 2782/14.3BELRS de Tribunal Central Administrativo Sul, 21 de Maio de 2020

Magistrado ResponsávelVITAL LOPES
Data da Resolução21 de Maio de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL 1 – RELATÓRIO P………………………….., S.A., recorre da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação da Taxa de Segurança Alimentar Mais (TSAM), referente ao ano de 2014, no valor de 2.532.621,68 Euros.

Recebido o recurso, a Recorrente juntou alegações, que termina com as seguintes e doutas conclusões: « A. Ao contrário do que resulta da Sentença recorrida, podemos actualmente concluir que a TSAM não pode ser qualificada dogmaticamente como uma contribuição financeira: os sujeitos passivos do tributo não são beneficiários nem causadores efectivos da actividade estadual a cujo financiamento o tributo se destina, pelo que, mesmo se da letra da lei se pudesse extrair em abstracto que aqueles sujeitos passivos são presumíveis causadores ou beneficiários da actividade em causa, sempre se tem de concluir, actualmente, que tal presunção se encontra ilidida.

  1. Considerando apenas a razão de ser da medida, tal como se encontra formalmente inscrita na lei - constituir receita de um Fundo dedicado ao financiamento de políticas de protecção da segurança alimentar e da saúde do consumidor, verificamos que o Estado já exige às empresas sujeitas à TSAM o cumprimento de todas as obrigações de cuidado que considera indispensáveis, obrigações essas que, no caso da Recorrente, são objecto de cumprimento integral e escrupuloso, por si custeado - e, para além disso, acrescentado de controlos que a Recorrente promove por sua iniciativa. Quer isto dizer que o risco de saúde pública que se pretende neutralizar já é perfeitamente controlado nos termos que o próprio Estado entende ser necessário exigir à Recorrente (e empresas congéneres).

  2. Uma vez que já exigia às empresas de distribuição tudo o que lhes era exigível, o Estado resolveu criar um tributo adicional (que até "mais" no nome) para, sobre a capa da participação daquelas no esforço público de garantia da qualidade e segurança alimentares, constituir um fundo de financiamento paralelo do sistema de recolha de cadáveres de animais mortos nas explorações ("SIRCA"), financiamento esse que está legalmente proibido por outra via que não um outro tributo próprio - a taxa do SIRCA.

  3. Portanto, à luz do que hoje se sabe acerca da forma como a TSAM funciona - desde logo, aquilo que serve sobretudo para financiar -, temos de concluir que ela não foi criada para que os respectivos sujeitos passivos sejam dela efectivos beneficiários ou por serem efectivos causadores da actividade estadual financiada.

  4. Assim, a única conclusão possível é a de que a TSAM é um imposto (um imposto especial sobre o rendimento das empresas de grande distribuição, conforme defendido pelo Prof. Casalta Nabais no seu Parecer junto aos autos): ela constitui o financiamento de uma actividade do Estado vocacionada para a satisfação de necessidades públicas, assente mais na dimensão de solidariedade própria da figura dos impostos do que em qualquer vínculo de correspectividade específica, característico das taxas, ou presumida, típica das contribuições financeiras, os quais, como se disse, não são neste caso suficientemente discerníveis.

  5. Sendo um imposto, dúvidas não restam de que, antes de mais, a TSAM é organicamente inconstitucional porque viola o princípio da legalidade tributária. De facto, em desrespeito pelo estipulado na alínea i) do artigo 165º da Constituição, o tributo não foi aprovado por lei parlamentar ou por decreto-lei autorizado (e, nessa medida, ao abrigo da primeira parte do referido n.0 3 do artigo 103º da Constituição, inexigível).

  6. Mais: no caso vertente a violação do princípio da legalidade revela-se até com um elevadíssimo grau de intensidade, na medida em que não só o tributo foi criado por decreto-lei não autorizado como uma boa parte dos seus elementos essenciais se encontra vertida apenas em portarias (quer a Portaria n.º 215/2012 quer a Portaria n.º 200/2013).

  7. A inconstitucionalidade da TSAM verifica-se também for via material, em face da violação do princípio da capacidade contributiva (concretização do princípio da Igualdade - artigo 13º da Constituição).

    1. Assim é, em primeiro lugar, porque a sua base de incidência subjectiva não atinge todos os contribuintes que com a receita da contribuição criada pelo Governo o Estado alegadamente se propõe beneficiar.

  8. Desde logo, se, de acordo com o Governo, interessa que todos os agentes económicos do sector alimentar contribuam para o financiamento da actividade de segurança alimentar, que a todos beneficia, e se a TSAM, cm concreto, foi criada para incluir nesse esforço (todos) os operadores do sub-sector da distribuição, então não existe qualquer justificação para que dela estejam isentos os estabelecimentos com uma área inferior a 2000m2 ou pertencentes a microempresas desde que não pertençam a uma empresa que utilize uma ou mais insígnias, ou a um grupo, que disponham, a nível nacional, de uma área de venda acumulada igual ou superior a 6000m2. Não é legítimo tamanho afunilamento da base subjectiva: só é possível configurar uma participação equitativa neste concreto encargo público se todos os operadores da cadeia do sector alimentar - e não só os distribuidores retalhistas de grande dimensão - forem enquadrados nessa obrigação de participação.

  9. Por outro lado, para além da discriminação inexplicada entre os operadores da distribuição retalhista e os restantes, o regime da TSAM viola ainda o princípio da capacidade contributiva, na dimensão da escolha da base de incidência subjectiva, quando estatui que aquela se aplica apenas a algumas empresas de comércio alimentar a retalho: por exemplo, a natureza proporcional do tributo não implica que uma empresa com área de venda acumulada de 5500m2, um super-mercado de média dimensão ou um pequeno talho não possam a ele estar também sujeitos.

    L. Assim sendo, para cabal cumprimento dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva, exigir-se-ia que o imposto (ou a contribuição) em questão dispusesse de uma base tributável subjectiva bem mais ampla do que a que foi estatuída.

  10. No seu Parecer, o Prof. Casalta Nabais é bastante claro quanto a este aspecto, criticando as discriminações presentes nas regras de incidência da TSAM, em termos tais que elas significam mesmo que o que o legislador quis foi, tão-só, a pura arrecadação de receita, tendo em conta a especial capacidade contributiva dos grandes operadores do sector da distribuição, e nunca, verdadeiramente, a criação de um tributo pensado exclusivamente como a contraprestação de um serviço público.

  11. Por outro lado, na sua pretensão de capturar a capacidade contributiva dos sujeitos passivos a que dirigiu a TSAM, o Governo escolheu como base de incidência do tributo a capacidade instalada dos operadores em causa, isto é, a medida em que os estabelecimentos de cada um deles, em função das respectivas áreas, podem gerar vendas de bens alimentares. A intenção que prevaleceu foi, pois, a de criar um imposto sobre o rendimento, exigível consoante o lucro de cada um dos operadores do sector da distribuição abrangidos.

  12. Não se trata, contudo, de um imposto apurado através de uma aproximação direta ao lucro real das empresas, mas sin mediante uma aproximação indireta ou p1rs11mida: a área de venda é, na lógica do legislador, um dado suficiente para a aferição da susceptibilidade de gerar lucros. Trata-se de uma aproximação ou presunção fantasiosa, puramente conjecturada do rendimento real, que facilmente conduzirá a resultados arbitrários: é que o facto de uma empresa dispor de capacidade de gerar um rendimento não significa que o gere efectivamente, nem muito menos que gere um rendimento líquido (um lucro) - conforme é exigido que ocorra para se poder falar de uma tributação conforme ao princípio da capacidade contributiva.

  13. Do que vem dito resulta que a TSAM tem um efeito de sobreposição ao IRC que é inaceitável, até porque potencia também, em benefício do Estado, um efeito de "fraude" à tributação em sede do referido imposto: o Estado pode apurar uma colecta sobre lucros ainda que nenhuma capacidade contributiva se revele efectivamente nessa forma.

  14. Finalmente, ao constituir um mecanismo de tributação de lucros (apurados de forma presuntiva), que funciona paralela e simultaneamente com o IRC, acaba por representar a consagração sistemática da dupla tributação jurídica: os sujeitos passivos da TSAM serão tributados duas vezes sobre o mesmo rendimento (os lucros), em IRC e neste novo imposto ou contribuição especial.

  15. Por fim, os actos impugnados devem ainda ser anulados, por falta de fundamentação, uma vez que a DGAV nunca respondeu ao pedido de esclarecimento da Recorrente, efectuado ao abrigo do artigo 37º do CPPT, relativo à informação sobre as áreas consideradas para o efeito da liquidação.

  16. De resto, não tem qualquer razão de ser o argumento da Sentença recorrida segundo o qual os actos impugnados se encontram devidamente fundamentados por a Fazenda Pública ter recorrido, não aos dados relativos à área global dos estabelecimentos da Recorrente comunicados por esta à DGAV, nos termos do n.º 4 do artigo 5º da Portaria n.º 215/2012, mas dos dados que foram comunicados à DGAV pela Direcção-Geral das Actividades Económicas (DGAE), ao abrigo do n.º 2 do artigo 9º da referida Portaria: é que, assim sendo, não há como não concluir que as liquidações impugnadas se encontram feridas de ilegalidade, porque o recurso à informação colhida junto da DGAE desemboca seguramente na consideração de valores de áreas errados: as áreas comunicadas à DGAE são sempre distintas das comunicadas à DGAV no âmbito do procedimento de liquidação da TSAM porque as primeiras incluem as áreas ocupadas pelas caixas de saída dos estabelecimentos e as que lhes são adjacentes (após as ditas caixas), as áreas que no interior dos estabelecimentos correspondem a "estabelecimentos...

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