Acórdão nº 00373/14.8BEVIS de Tribunal Central Administrativo Norte, 15 de Maio de 2020

Magistrado ResponsávelRog
Data da Resolução15 de Maio de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

EM NOME DO POVO Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: H.

veio interpor o presente recurso jurisdicional da sentença, de 27.11.2015, pela qual foi julgada improcedente a presente acção administrativa especial que o Recorrente move contra o Ministério da Educação e Ciência e, em consequência, foi este absolvido dos pedidos formulados pelo Autor de condenação da Entidade Demandada a anular o despacho exarado a 14.03.2014, da autoria da Senhora Directora do Agrupamento de Escolas de (...), (…), notificado ao Autor em 17 de Março de 2014, que determinou o reposicionamento do Autor no índice 188, 2º escalão, da tabela anexa ao Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário, inferior ao que se encontrava, nos termos do artigo 141º do Código de Procedimento Administrativo, em conjugação com o artigo 58º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, e que seja a Entidade Demandada condenada a manter o requerente no índice 218, 4º escalão, da tabela anexa ao Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário, em que se encontrava, com todas as consequências e efeitos legais, desde 14.03.2014.

Invocou, para tanto e em síntese, que a decisão recorrida violou o disposto no artigo 141º do Código de Procedimento Administrativo (de 1991) e que o acto impugnado enferma de falta absoluta de fundamentação.

O Recorrido apresentou contra-alegações, em que pugna pela manutenção do decidido.

O Ministério Público junto deste Tribunal não emitiu parecer.

*Cumpre decidir já que nada a tal obsta.

* I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional: I. O Tribunal a quo, na sentença recorrida, decidiu absolver o Réu dos pedidos formulados pelo Autor.

  1. Entendeu o Tribunal a quo e em síntese, que: o acto relativamente ao qual o Autor peticiona a respectiva anulação, foi praticado em tempo pelo que está a coberto da legalidade e do entendimento que o STA faz sobre essa mesma legalidade; o acto revogatório é plenamente válido, legal e eficaz, porquanto anulou os anteriores (ilegais) e foi proferido em tempo — dentro do prazo de 5 anos, conforme legislação e jurisprudência; para que o Amor pudesse atacar o acto revogatório, que determinou a descida de escalão, teria obrigatoriamente de demonstrar a validade e legalidade dos actos revogados, que determinaram a subida de escalão, o que não resulta.

  2. Para o efeito estriba-se o Tribunal a quo no artigo 40º do Decreto-Lei n.0 155/92, de 28 de julho (Regime da Administração Financeira do Estado- RAFE) e no artigo 77º da Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro (orçamento de Estado para 2005) que introduziu o n.º 3 do artigo 40º do RAFE e que reza o seguinte: "O disposto no n.º 1 não é prejudicado pelo estatuído pelo artigo 141.º do diploma aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442/91, de 15 de Novembro.

  3. Pensa-se que, ao fazê-lo, salvo o devido respeito, incorre em erro.

    Senão, vejamos: V. Analisando o objecto da causa em função do pedido deduzido o ora Recorrente pretende a condenação do ora Réu, ora Recorrido a: a) anular o acto administrativo que determina o reposicionamento do A. no índice 188, 2 0 escalão, da tabela anexa ao Estatuto da Cameira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário, inferior ao que se encontrava, nos termos do artigo141.º do Código de Procedimento Administrativo em conjugação com o artigo 58.º , n. º 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos; b) a Entidade Demandada ser condenada a manter o Autor no índice 218, 4 0 escalão, da tabela anexa ao Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário, em que se encontrava, com todas as consequências e efeitos legais, desde 14 de Março de 2014.

  4. Efectivamente, na tese do Autor, ora Recorrente, o direito que se arroga concretiza-se na anulação de acto que trata, em suma, de uma revogação de actos administrativos anteriores e, como consequência de tal revogação, determina a diminuição drástica da remuneração salarial do Autor.

  5. Tal revogação é ilegal por intempestiva. Senão vejamos, VIII. Dispõe o artigo 141º do Código de Procedimento Administrativo que os actos administrativos que sejam inválidos só podem ser revogados com fundamento na sua ilegalidade e dentro do prazo do respectivo recurso contencioso.

  6. O Tribunal a quo aderiu à tese da Ré de que nas disposições conjugadas dos artigos 40º do RAFE e 77º da Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro (Orçamento de Estado para 2005) - que introduziu o n.º 3 do mesmo artigo 40º do RAFE - a Entidade Recorrida poderia revogar e ver repostas as quantias que o docente, ora Recorrente, auferiu desde que progrediu em 01.10.2009 e novamente em 01.01.2011 de escalão e índice remuneratório.

  7. Ora, salvo o devido respeito, aderiu mal.

  8. Com efeito, conquanto o princípio da legalidade administrativa imponha que sejam revistos os actos inválidos, não pode esta exigência deixar de ser harmonizada com os demais princípios jurídicos fundamentais que o problema convoca, designadamente com os princípios da boa-fé, da proteção da confiança e da segurança jurídica.

  9. O mesmo é dizer que uma decisão que Injustamente imponha a reposição de montantes indevidos não pode ser adotada em nome do princípio da legalidade, quando ofende os direitos e interesses dignos de tutela dos particulares visados e os princípios jurídicos constitucionalmente consagrados.

  10. Pelo contrário, a devida ponderação de tais princípios é uma exigência que igualmente decorre do princípio da legalidade.

  11. No que diz respeito aos actos constitutivos de direitos de conteúdo pecuniário, coube à jurisprudência administrativa elaborar propostas que lograssem um equilíbrio entre a salvaguarda das posições subjetivas dos particulares e o interesse público na recuperação de montantes indevidamente despendidos.

  12. E uma das questões que se revelou mais problemática foi, precisamente, a da conciliação do rcgl.me de reposição de quantias indevidamente recebidas pelos então designados funcionários e agentes da Administração Pública, com o regime de anulação dos actos administrativos com fundamento em invalidade: o primeiro prevendo um prazo de prescrição de cinco anos para as dívidas resultantes do recebimento indevido de quantias; o segundo proibindo a revogação (anulatória) de actos administrativos, após o decurso do prazo mais longo fixado na lei para impugnação contenciosa, ou seja, o prazo de um ano.

  13. A montante deste conflito normativo devem colocar-se, porém, duas questões: a do tipo de "erro" que está na origem do pagamento dos montantes a restituir; e a da natureza dos actos de processamento de remunerações.

  14. Quanto à primeira questão, sempre se procurou distinguir se o pagamento indevido resulta de erro material ou contabilístico (e.g., mero lapso no processamento ou liquidação, erro de cálculo ou erro informático); ou se resulta de erro quanto aos pressupostos de facto ou de direito, caso em que os vícios geradores de invalidade deveriam determinar a anulabilidade do acto.

  15. Esta questão divide ainda a doutrina e a jurisprudência, salvo no que diz respeito ao acto que primeiramente define a posição jurídica de um trabalhador quanto ao seu estatuto remuneratório, consensualmente qualificado como um acto constitutivo de direitos: é esse o momento em que se verifica se estão reunidos os pressupostos para que ao trabalhador seja devido um certo montante retributivo (v.g., se pode ser integrado numa determinada posição remuneratória ou se exerce as suas funções em condições tais que justifiquem a atribuição de determinado suplemento), formando-se a estatuição jurídico-administrativa, que deve poder estabilizar-se com o decurso do tempo.

  16. No entanto, a corrente jurisprudencial maioritária vai no sentido de assumir que "Cada acto de processamento de vencimentos constitui, em princípio, um verdadeiro acto administrativo, e não uma simples operação material, já que, como acto jurídico individual e concreto, define a situação do funcionário abonado perante a Administração e que, por isso, se vai sucessivamente firmando na ordem jurídica, se não for objecto de oportuna impugnação ou revogação.

  17. A posição contrária, também frequentemente adotada pelo Supremo Tribunal, procurou sustentar que o acto de processamento de remunerações "ainda que constitutivo de direitos", poderia ser revogado para além do prazo de um ano.

  18. Esta divergência foi subsequentemente ultrapassada, consolidando-se a orientação segundo a qual o prazo previsto pelo CPA deveria prevalecer, sempre que as decisões de reposição de remunerações implicassem uma decisão tácita quanto à validade do acto que previamente definiu o montante remuneratório.

  19. A sujeição ao prazo mais curto de um ano era, aliás, a mais consonante com o que se entendia ser uma ponderação razoável dos princípios da legalidade, da segurança jurídica e da proteção da confiança cm matéria de anulação dos actos administrativos constitutivos de direitos, quando os interessados se encontram de boa-fé, como é manifestamente o caso.

  20. Todavia, a entrada em vigor da Lei do Orçamento de Estado para 2005 (Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro), que introduziu o n.º 3 do artigo 40.º do RAFE, veio novamente confundir o âmbito dos dois regimes. E acabou por impor uma ruptura com a orientação anteriormente adotada pelo STA, que no acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 4/2009 determinou que "O despacho que ordena a reposição nos cofres do Estado de quantias indevidamente recebidas...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT