Acórdão nº 00804/19.0BEALM de Tribunal Central Administrativo Norte, 15 de Maio de 2020

Magistrado ResponsávelMaria Fernanda Antunes Apar
Data da Resolução15 de Maio de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO E., S.A., com sede na Recta (…), (…), (…), instaurou acção de contencioso pré-contratual contra a Infra-Estruturas de Portugal, S.A., com sede na Praça (…), (…), destinada a impugnar o acto administrativo de adjudicação, e da subsequente decisão de contratar, constante da deliberação do Conselho de Administração da Ré datada de 05/09/2019, e referente ao concurso público para a empreitada designada de “Sistema de Mobilidade do (...) – Empreitada de Adaptação a uma Solução BRT – Metrobus, do Troço (...) – (...)”.

Indicou como contrainteressada: C., SA/F., S.A.”, com sede na Avenida (…), Edifício (…), (…).

Pediu a anulação do acto de adjudicação da empreitada identificada à Contrainteressada, bem como a condenação da Ré à prática de acto devido, consubstanciado na exclusão da proposta apresentada por esta e a consequente adjudicação da empreitada a si Autora.

Por decisão proferida pelo TAF de Viseu foi julgada improcedente a acção.

Desta vem interposto recurso.

Alegando, a Autora formulou as seguintes conclusões: I.

Discorda-se da sentença em matéria de direito, por padecer de um conjunto de violações da lei e de erros de interpretação e de aplicação de normas legais.

II.

Desde logo, a fixação oficiosa do valor da causa consubstancia uma decisão surpresa.

III.

Pois foi tomada sem que às partes tenha sido concedido o necessário contraditório, o que constitui uma violação do artº. 3° do CPC, aplicável ao caso por força do disposto no artº. 1º do CPTA.

IV.

Ademais entende-se que na fixação do valor da acção se deverão atender aos critérios previstos no artº. 34° do CPTA.

V.

Num processo de contencioso pré-contratual a utilidade da causa não pode corresponder ao valor da proposta sobre a qual incidiu a decisão de adjudicação ou ao valor da proposta não adjudicada (no caso a da Apelante).

VI.

Essa utilidade corresponde, sim, à anulação de uma decisão ou acto de não adjudicação da proposta apresentada pela recorrente.

VII.

Acto de não adjudicação esse cujo valor é indeterminável.

VIII.

Pelo que, sendo a utilidade económica do pedido impossível de determinar, dever-se-á recorrer ao critério supletivo plasmado nos nºs 1 e 2 artº. 34º do CPTA.

IX.

Devendo, portanto, o valor da acção ser o indicado da Petição Inicial (30.000,01€).

X.

E, assim, a sentença recorrida ser revogada porque, ao atribuir à acção o valor de 23.765.000,00€, errou na aplicação do disposto no nº 2 do artº. 32º e no artº. 34º, ambos do CPTA.

Sem prescindir, XI.

Ainda que se atendesse ao critério valor económico do acto, o valor da acção nunca poderia ser totalidade do preço contratual proposto pela Contra-interessada.

XII.

Desde logo, nos presentes autos não se discute a existência, validade, cumprimento, modificação ou resolução de um contrato e, portanto, não pode o valor da acção ser o preço daquele negócio jurídico, tal como decorre da aplicação do nº 3 do artº. 32º do CPTA.

XIII.

De acordo com o disposto no nº 2 do artº. 32º do mesmo CPTA, “Quando pela acção se pretenda obter um benefício diverso do pagamento de uma quantia, o valor da causa é a quantia equivalente a esse benefício”.

XIV.

O benefício que a Apelante retirará de uma eventual adjudicação do contrato no âmbito do procedimento concursal sub-judice não é a totalidade do preço contratual, mas sim o lucro que deste resulta.

XV.

Lucro esse que não se encontra determinado, pois a Meritíssima Juíza a quo não procedeu à instrução do processo nem concedeu o contraditório às partes, quando alterou oficiosamente o valor da acção.

XVI.

Infringindo, deste modo, a sentença recorrida os artºs. 3º e 590°, ambos do CPC, aplicáveis por força do artº. 1° do CPTA.

XVII.

A sentença recorrida dá como provado que “K) A todos os documentos que compunham a proposta apresentada pela CI foi aposta a assinatura electrónica qualificada do referido C., excepto no documento designado como “Nota Técnica sobre o Sistema de Gestão de Qualidade da Obra”.

XVIII.

Ao dar tal facto como provado está a considerar que a proposta da Contra-interessada deveria ter cumprido, mas não cumpriu, o disposto no n° 4 do artº. 68° da Lei n° 96/2015.

XIX.

Em concreto, a sentença recorrida está a considerar que a proposta da Contra-interessada nos presentes autos contém um documento/ficheiro no qual não foi colocada a assinatura electrónica qualificada até ao momento do seu carregamento, como é exigência de tal preceito.

XX.

Assim, errou a Meritíssima Juíza a quo ao entender sanável e sanada aquela manifesta falta de assinatura electrónica qualificada no documento a que se reporta a alínea k) dos factos provados por força da aplicação do disposto no nº 5 do artº. 68º, da Lei nº 96/2015.

XXI.

E errou por entender ser suficiente a encriptação e assinatura de tal documento no momento da submissão da proposta na plataforma electrónica.

XXII.

O que constitui uma violação directa do já referido n° 4 do artº. 68° da Lei n° 96/2015 XXIII.

E uma constitui uma errada interpretação e aplicação da norma do nº 5 do artº. 68º, da Lei nº 96/2015 ao caso sub-judice.

XXIV.

No cotejo das normas do nº 4 do artº. 68º da Lei nº 96/2015 e do nº 2 do artº. 54º da mesma citada lei, resultam à saciedade várias exigências.

XXV.

Designadamente que a aposição de assinatura electrónica qualificada em cada um dos documentos deve ser prévia ao carregamento dos mesmos na plataforma electrónica.

XXVI.

Tais exigências constituem formalidades essenciais de um procedimento adjudicatório e não podem “degradar-se em meras irregularidades (…)” (ver, neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 30.01.2013, Proc. 1123/12 e o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 28.06.2018, Proc. 278/17, in www.dgsi.pt).

XXVII.

O nº 5 do artº. 68º da supracitada lei constitui um regime excepcional de assinatura e submissão dos documentos.

XXVIII.

Sendo apenas aplicável aos casos em que uma plataforma electrónica permite a permanente alteração e edição dos documentos até ao momento da submissão da proposta.

XXIX.

Da análise da letra e da ratio dos nºs 4 e 5 do artº. 68º da Lei nº 96/2015 é evidente que estamos perante diferentes situações de aposição de assinatura em documentos XXX.

A primeira situação – e que se refere ao nº 4 do citado artigo – é a que se refere aos casos em que não existe a possibilidade de edição de documentos na plataforma (sublinhado nosso), tendo o legislador determinado que estes deverão ser assinados antes de serem carregados em tal plataforma (sublinhado nosso) mediante a aposição de certificado electrónico qualificado.

XXXI.

A segunda situação – e que se refere ao nº 5 do mesmo artigo – é a que se refere aos casos em que existe a possibilidade de edição de documentos na plataforma (sublinhado nosso), tendo o legislador determinado que a assinatura electrónica qualificada seja aposta no momento da submissão da proposta (sublinhados nossos), ou seja, já depois desses documentos terem sido carregados em tal plataforma.

XXXII.

Se a lei estabeleceu esta destrinça de casos e momentos relativos à aposição de assinatura electrónica qualificada em documentos, não cabe ao intérprete e/ou ao julgador ignorar e desconsiderar tal distinção.

XXXIII.

Pelo que nos casos em que não existe a possibilidade de edição de documentos, tendo o legislador determinado que estes devam ser previamente assinados e carregados como definitivos na plataforma (aplicando-se o nº 4 do artº. 68º), não pode a sentença recorrida considerar que o não cumprimento deste preceituado seja sanado pela mera aposição da assinatura electrónica qualificada no momento da submissão da proposta (aplicando, portanto, o nº 5 do mesmo artº. 68º).

XXXIV.

A exigência constante do nº 4 do artº. 68º visa proteger os objectivos e valores de segurança, fidedignidade, credibilização e certeza do procedimento desmaterializado (ver, neste sentido, a subalínea xii), da alínea b) do nº 2 do artº. 11º da já citada Lei nº 96/2015).

XXXV.

Cumpre realçar igualmente que no caso dos autos em recurso não ficou provado que a plataforma electrónica utilizada pelos concorrentes concedia a estes a possibilidade prevista no nº 5 do artº. 68º da Lei nº 96/2015.

XXXVI.

Ficou provado tão somente que a plataforma usada pelos concorrentes e partes nos presentes autos emitiu “automaticamente um recibo electrónico da entrega, com o registo da identificação da entidade adjudicante, do procedimento, do concorrente, da proposta, bem como da data e hora da respectiva submissão” (ver, neste sentido, a alínea M) dos factos provados).

XXXVII.

Da interpretação conjugada dos nºs 4 e 15, do artº. 68º com a do nº 5 do mesmo artigo, resulta que este último preceito legal (o nº 5) estabelece um regime excepcional e só aplicável aos casos em que a plataforma electrónica permite a permanente alteração e edição dos documentos até ao momento da submissão da proposta.

XXXVIII.

O que não sucedeu no caso sub-judice por inexistir prova nesse sentido.

XXXIX.

Pelo que a sentença recorrida e o aresto em que estriba o seu entendimento, aplicam indevidamente o citado nº 5 do artº. 68º da Lei nº 96/2015.

XL.

Verifica-se, pois, o incumprimento das formalidades exigidas da conjugação do referido nº 4 do artº. 68º da supracitada lei, com o nº 1 do artº. 54º da mesma lei e com o nº 1 do artº. 62º do CCP.

XLI.

Inexistindo, assim, fundamento legal para deixar de aplicar a causa de exclusão da proposta da Contra-interessada prevista na alínea l) do nº 2 do artº. 146° do CCP em conjugação com o nº 5 do artº. 54º da Lei nº 96/2015.

XLII.

Pelo que a sentença recorrida deveria ter determinado que a Ré procedesse à exclusão da proposta da Contra-interessada e, em consequência, promovido à adjudicação da proposta à ora recorrente.

TERMOS EM QUE DEVE SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, EM CONSEQUÊNCIA, SER REVOGADA A SENTENÇA RECORRIDA.

ASSIM DECIDINDO FARÃO J U S T I Ç A.

A Ré juntou contra-alegações, concluindo: 1. De...

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