Acórdão nº 02622/12.8BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 15 de Maio de 2020
Magistrado Responsável | Helena Canelas |
Data da Resolução | 15 de Maio de 2020 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I. RELATÓRIO T., LDA.
(devidamente identificada nos autos), autora na ação administrativa especial que instaurou no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto contra o MUNICÍPIO (...), sendo contra-interessados I.
e F.
(todos devidamente identificados nos autos) – na qual impugnou o despacho de 14/09/2012 que ordenou a posse administrativa com vista à cessação coerciva de utilização e selagem do imóvel sito na Rua (...), no (…), peticionando a declaração da sua nulidade ou a sua anulação – inconformada com o acórdão de 29/05/2015 (fls. 284 SITAF) pelo qual o coletivo de juízes do Tribunal a quo julgou a ação improcedente absolvendo o réu do pedido, dele interpôs o presente recurso de apelação (fls. 325 SITAF), pugnando pela sua revogação, com procedência da ação e do pedido, formulando as seguintes conclusões nos seguintes termos: 1. Impugna-se a douta sentença recorrida por ter errado na determinação de norma aplicável na questão principal e por ter interpretado e aplicado erradamente normas na questão subsidiária.
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A questão principal prende-se com a existência de diferimento tácito quanto ao pedido de legalização das obras construídas sem prévio licenciamento, e da validação de um ato nulo.
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A questão subsidiária compreende-se na validação de um ato anulável, uma vez que o douto despacho de posse administrativa com vista à cessação da utilização dessas obras clandestinas ofendeu o princípio constitucional da proporcionalidade.
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Como se defendeu na douta sentença recorrida, ao deferimento tácito quanto a obras realizadas sem licenciamento, não se aplicam as normas constantes do RJEU, pelo que fica excluída a aplicação dos artºs 111º e 112º desse texto legal.
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O regime jurídico relativo a essas obras clandestinas estava consagrado nos artºs 165º a 168º do RGEU até à revogação operada pelo DL 177/2001, de 4 de julho.
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Atualmente, aplica-se às obras clandestinas o DL 804/76, de 6 de novembro.
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No regime do DL 804/76 não existe qualquer disposição que limite a aplicação do artº 108º do CPA em vigor à época.
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Face aos factos dados como provados, a recorrente apresentou um pedido de legalização das aludidas obras “clandestinas” em 21 de março de 2012, não tendo o recorrido proferido qualquer despacho sobre a matéria.
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O recorrido apenas em 12 de setembro de 2012 proferiu despacho de onde se extrai que não considera essas obras legalizadas uma vez que nessa data ordenou a posse administrativa e a cessação coerciva de utilização e a selagem dessas obras.
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Assim sendo, o recorrido não se pronunciou sobre o pedido de licenciamento de obras durante um período superior a 90 dias, a contar da data em que ele foi formulado.
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Esta omissão determinou que o pedido de legalização das obras se tenha por deferido tacitamente.
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Ao não validar este deferimento tácito na douta sentença recorrida aplicaram-se erradamente os artºs 161º a 168º do RGEU, e não se aplicou, embora se devesse ter aplicado, o DL 804/76, de 6 de novembro e o artigo 108º do CPA.
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Face àquele deferimento tácito, o despacho recorrido que ordenou a posse administrativa com vista à cessação coerciva de utilização e selagem do imóvel dos autos é nulo, ao abrigo do disposto na alínea d) do n.º 2 do artº 133º do CPA, em vigor à época.
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Ao não julgar nulo esse despacho conforme se peticiona na ação administrativa dos autos, na douta sentença recorrida violou-se essa disposição do CPA, concretamente a da alínea d) do n.º 2 do artº 133º.
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Para além dessa nulidade, e subsidiariamente, o despacho ora recorrido de posse administrativa em vista à cessação da utilização e à selagem das obras realizadas pela recorrente sem licenciamento prévio, ofende o princípio da proporcionalidade.
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Extrai-se dos factos dados como provados que as obras não licenciadas foram embargadas pelo recorrido em 1992, mas só em 27 de dezembro de 2011 este entendeu que deveria cessar a utilização dos locais existentes nessas construções clandestinas e que o recorrido não deu resposta ao pedido de legalização das obras feitas pela recorrente em 21 de março de 2012, tendo ordenado a posse administrativa com vista à cessação daquela utilização em 12 de setembro de 2012.
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Desses factos, essencialmente os de ter determinado a posse administrativa e acabar com a utilização das construções, depois da recorrente se ter prontificado a legalizar as obras e, principalmente, depois de ter permitido essa utilização no decurso de pelo menos 9 anos (1992 até 2011) o despacho da posse administrativa para cessação da aludida atividade é tudo menos proporcional.
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Daí que ofenda o disposto nos artºs 18º-2 e 266º-2 da Constituição da República Portuguesa e no artº 5º do CPA, uma vez que não esperando pela decisão sobre a legalização das obras pedidas pela recorrente, depois de 9 anos de inércia, se está a infligir um sacrifício à recorrente que o interessa público não justifica.
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Com efeito, se não justificou durante 9 anos (1992 até 2011) sem qualquer pedido de legalização, muito menos o justificará em 2012, após a recorrente se ter disponibilizado a proceder à legalização dessas obras.
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Daí que, nesta questão subsidiária, a sentença recorrida tenha validado erradamente um ato anulável, violando o artº 135º do CPA em vigor à época.
O réu MUNICÍPIO (...) contra-alegou (fls. 356 SITAF), pugnando pela improcedência do recurso, com manutenção da decisão recorrida, formulando a final o seguinte quadro conclusivo, nos seguintes termos: A. O douto Acórdão proferido pelo tribunal a quo é justo, bem fundamentado e inatacável, demonstrando uma aplicação exemplar das normas jurídicas em vigor aos factos dados como provados, pelo que não merece qualquer reparo.
B. Para fundamentar o presente recurso, propugna a Recorrente que a decisão judicial proferida pelo tribunal a quo fez uma errada interpretação e aplicação da lei. Sem razão! C. Com a presente acção administrativa especial pretende a ora Recorrente a declaração de nulidade ou a anulação do acto administrativo datado de 14 de Setembro de 2012, praticado pelo Senhor Vereador do Pelouro da Protecção Civil, Fiscalização e Juventude, que ordena a posse administrativa com vista à cessação de utilização e selagem do imóvel sito na Rua (...), nesta cidade (…).
D. Contudo, a Recorrente não só não afasta a falta de alvará de utilização adequado à actividade que exerce no local e a existência de obras ilegais, como as confirma.
E. E tal foi igualmente asseverado pelos próprios serviços municipais em 26 de Julho de 2012, numa inspecção ao local – cfr. fls. 38 do PA.
F. O imóvel em causa é utilizado pela Recorrente como escritório e estaleiro com oficina de manutenção do seu equipamento, estando contudo munido de uma alvará de utilização para habitação.
G. A Recorrente apresentou em 21/03/2012 um pedido de legalização das obras, no qual inclui a alteração de utilização (Requerimento nº 21740/12/CMP).
H. Note-se que este pedido não tem efeitos suspensivos nem legitima a utilização do imóvel para fins diferentes daquele a que está destinado.
I. É apodíctico que, como bem refere a informação que sustenta o despacho que ordenou a posse administrativa – cfr. verso de fls. 38 do PA – “a laboração de qualquer estabelecimento, para um fim diferente do licenciado, apenas pode ocorrer após a emissão da alteração de alvará de utilização, para o fim agora previsto”.
J. E o recurso a que ora se responde incide basicamente sobre o alegado deferimento tácito deste pedido de legalização de obras ilegais e de alteração de utilização do imóvel.
K. E a decisão judicial da 1ª instância, à qual se adere sem reservas, responde a esta questão de forma clara e devidamente fundamentada.
L. Com efeito, a ora Recorrente, “invocando um seu pedido de legalização de obras ilegais e de alteração de utilização do imóvel para serviços e o decurso do prazo legal sem que houvesse decisão sobre o mesmo, considera que ocorreu deferimento tácito nos termos do disposto no nº 2 do artigo 108º do C.P.A. Ora, decorre do supra expendido que, aos pedidos de legalização de obra realizada sem licença não é disciplinado pelas normas do actual RJUE, porquanto se trata de pedido que tem de ser enquadrado e disciplinado pelas pertinentes normas do RGEU”.
M. E prossegue o Acórdão recorrido: “Efectivamente, a legalização de obras construídas sem licença é uma realidade diversa do licenciamento prévio de obras a edificar e que, por via dessa diferente natureza, a situação não é enquadrável no regime especial de deferimento tácito consagrado nos RJUE, sendo aplicável a disciplina legal dos arts. 165 a 268 do RGEU e do art. 109 do CPA (…)”.
N. Para se concluir: “Quer isto significar que, contrariamente ao sustentado pela Autora, não se formou acto de deferimento tácito do visado pedido de legalização de obras porquanto tratando-se de obras clandestinas e, portanto, já executadas sem a devida licença, presume-se o indeferimento tácito (artigo 109º do CPA)”.
O. Ora, cai assim por terra o principal fundamento do recurso da Recorrente.
P. Pelo exposto, verifica-se que a decisão judicial do tribunal a quo não merece qualquer reparo, devendo ser confirmada por V. Exas.
* Remetidos os autos a este Tribunal em recurso, neste notificado, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146º e 147º do CPTA, o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu Parecer (fls. 1522 SITAF) no sentido de o recurso não dever merecer provimento, com os seguintes fundamentos, que se passam a transcrever: «T., Lda, vem interpor recurso da sentença que julgou improcedente a acção intentada contra o MUNICÍPIO (...).
Com a presente acção administrativa especial pretende a ora Recorrente a declaração de nulidade ou a anulação do acto administrativo datado de 14 de Setembro de 2012, praticado pelo Senhor Vereador do Pelouro da Protecção Civil, Fiscalização e Juventude, que ordena a posse administrativa com vista à cessação de...
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