Acórdão nº 00705/19.2BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 15 de Maio de 2020

Magistrado ResponsávelRog
Data da Resolução15 de Maio de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

EM NOME DO POVO Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: A O., S.A.

veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL do saneador-sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, de 24.01.2020, pelo qual foi julgada totalmente improcedente a acção intentada contra o Município de (...) e em que foi indicada como Contrainteressada a G., S.A.

, para anulação do acto, de 20.11.2018, praticado pelo Município Réu, ora Recorrido, de exclusão da proposta apresentada pela Autora, ora Recorrente, no concurso público para aquisição de gás propano a granel para as piscinas, pavilhão gimnodesportivo e espaço cardio-fitness municipais, bem como para anulação de todos actos consequentes, incluindo o contrato celebrado ou a celebrar, e para condenação do Município Demandado a readmitir a Autora, ora Recorrente, e a adjudicar-lhe o concurso ou, em alternativa, a anular-se o concurso por ilegalidade do conteúdo do seu programa, tendo, nessa improcedência, sido o Réu absolvido de tudo o que foi pedido.

Invocou, para tanto, em síntese que a decisão recorrida violou, por errada interpretação e aplicação ao caso concreto, o disposto nos artigos 57.º, n.º 1, 70.º, n.º 2, 72.º, n.º 3, 132.º, n.º 4, e 146.º, n.º 2, em particular a alínea n), do Código de Contratos Públicos, e, bem assim, os princípios da proporcionalidade e do favor concorrente, pedindo a sua revogação.

Apenas a Contrainteressada apresentou contra-alegações, defendendo a manutenção da decisão recorrida.

O Ministério Público não emitiu parecer.

*Cumpre decidir já que nada a tal obsta.

* I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional: 1. O Tribunal a quo entendeu ser legal o acto que excluiu a proposta da O., S.A., tomado pelo Município de (...) no âmbito do Concurso Público n.º 3/2018 aberto para aquisição de gás propano a granel para as Piscinas Municipais, Pavilhão Gimnodesportivo e Espaço Cardio-Fitness.

  1. A O., S.A. não pode concordar com esta sentença, por esta incorrer em erro na interpretação dos factos e na aplicação do Direito em vigor, em particular o constante nos artigos 57.º, n.º 1, 70.º, n.º 2, 72.º, n.º 3, 132.º, n.º 4, e 146.º, n.º 2, em particular a alínea n), do CCP.

  2. Quanto aos factos relevantes, e dados por assentes na sentença recorrida, nada se tem a apontar, para os mesmos se remetendo como base da decisão de apelação que se requer venha a ser tomada por este Venerando Tribunal Central Administrativo Norte.

  3. Do que se recorre é da sua valoração – designadamente da interpretação que o Tribunal a quo faz das regras do Programa do Procedimento (adiante PP) de Concurso e do teor e respectivos pressupostos da decisão de exclusão – e, depois, consequentemente, da aplicação do Direito aos factos que em concreto e na realidade se verificam.

  4. Aponte-se que a proposta da O., S.A. é mais vantajosa para o Município de (...) do que a da G., concorrente a quem o Contrato acabou por ser adjudicado por força da ilegal e incorrecta decisão de exclusão da proposta da O., S.A., tomada com o seguinte fundamento: O., S.A.- o concorrente não apresentou os documentos solicitados na cláusula 12.ª do programa de procedimentos, propondo-se assim a sua exclusão, nos termos do disposto na al. n) do n.º 2 do artigo 146.º do CCP, bem como do disposto na al. M) da cláusula 14.ª do Programa do Procedimento.

  5. Ora, lendo o Programa de alto a baixo resulta insofismável que os documentos exigidos naquela Cláusula 12.ª, se destinavam a ser apresentados não com a proposta, mas sim em fase de habilitação, apenas e só, pelo adjudicatário, resultando incorrecta a epígrafe desta cláusula e o texto do seu n.º 1, onde se devia ler, respectivamente, “Documentos de Habilitação” e “1 – Após a notificação da adjudicação, o adjudicatário deverá entregar: (…)”.

  6. Na verdade, se bem se olhar à documentação que é pedida na alínea b), do n.º 1, desta Cláusula 12.ª, verifica-se que a mesma corresponde exactamente àquela que está elencada no artigo 81.º do CCP, que trata, precisamente, dos documentos de habilitação que devem ser apresentados pelo adjudicatário.

  7. Deve, contudo, fazer-se a ressalva que o que é pedido na alínea a) anterior remete, também por lapso, para o Anexo I do PP – e Anexo I do CCP – quando resulta manifesto que se quereria dizer Anexo II do PP – e Anexo II do CCP.

  8. Demonstrativo de quanto afirmado é o facto deste Anexo I já estar pedido, e bem, na referida Cláusula 11.ª, n.º 2, alínea a), do PP, resultando totalmente desconexo que se viesse a elencar, em cláusulas diferentes, a documentação que deveria instruir a proposta, seja repetindo documentação já pedida, seja acrescentando outra que, nos termos da Lei, não deve nem pode ser exigida na fase de apresentação das propostas aos concorrentes.

  9. Tanto assim é que no elenco das causas de exclusão fixadas na Cláusula 14.ª do PP, não se encontra referência à Cláusula 12.ª.

  10. Por fim, prova determinante desta interpretação é o facto de no clausulado do PP não se encontrar nenhuma norma expressa referente aos documentos de habilitação que o adjudicatário deve apresentar na devida fase, o que bem demonstra o lapso de redacção da referida Cláusula 12.ª, o que seria obrigatório que se verificasse, nos termos do artigo 132.º, n.º 1, alínea f), do CCP, que determina que “o programa do concurso público deve indicar: (…) f) os documentos de habilitação, diretamente relacionados com o objeto do contrato a celebrar, a apresentar nos termos do artigo 81.º”.

  11. Acrescenta-se ainda que, nos termos da alínea h), desta mesma norma legal, “o programa do concurso público deve indicar: (…) h) os documentos referidos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 57.º”, que são, precisamente, os documentos que única e obrigatoriamente devem ser apresentados com a proposta pelos concorrentes, o que foi cumprido pela O., S.A.

    .

  12. Sendo manifesto o lapso de redacção da Cláusula 12.ª do PP, esta deve ser reintegrada de acordo com o previsto no artigo 51.º do CCP que determina que “as normas constantes do presente Código relativas às fases de formação e de execução do contrato prevalecem sobre quaisquer disposições das peças do procedimento com elas desconformes”, impondo-se uma leitura correctiva do disposto na Cláusula 12.ª do PP no sentido de ali ver elencada a documentação que, apenas e só, em fase de habilitação, deveria ser apresentada pelo adjudicatário, para além de se ler as normas de exclusão expostas no PP também de acordo com o que prevê, imperativamente, o CCP.

  13. E, também neste passo, a sustentação jurídica da decisão tomada que resultou na exclusão da proposta da O., S.A. não colhe, porquanto a falta daquela documentação não seria, nunca por nunca, integrante da previsão da alínea n), do n.º 2, do artigo 146.º, do CCP.

  14. Determina esta norma que, no relatório preliminar, o júri do procedimento deve excluir as propostas “n) que sejam apresentadas por concorrentes em violação das regras referidas no n.º 4 do artigo 132.º, desde que o programa do concurso assim o preveja expressamente”, que refere que “o programa do concurso pode ainda conter quaisquer regras específicas sobre o procedimento de concurso público consideradas convenientes pela entidade adjudicante, desde que não tenham por efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência”.

  15. Tal nada tem que ver com a não apresentação de documentação, a qual, nos termos do próprio PP e do CCP, a O., S.A. apresentou integralmente, embora se saiba que esta norma tem sido lida muitas vezes como nela se integrando documentação adicional que a Entidade Adjudicante exija para além daquela que expressamente está listada no artigo 57.º do CCP.

  16. Em todo o caso, sempre se entendeu que tais exigências adicionais não poderiam dar azo a uma exclusão de uma proposta quando tais exigências em nada relevam para a sua avaliação, o que no caso acontece.

  17. Dos documentos que se diz faltarem na proposta da O., S.A., nenhum deles contribui ou tem qualquer relevância para a avaliação dos seus atributos e a verificação da sua correcta e suficiente apresentação, nem mesmo quanto aos termos e condições da proposta a que a Entidade Adjudicante pretenda que a concorrente se vincule no que toca a aspectos não submetidos à concorrência pelas peças do concurso.

  18. Em segundo lugar, seria obrigatório que o PP previsse, expressamente, que o não cumprimento daquela exigência fosse cominado com exclusão da proposta, o que também não acontece, pelo que a proposta da O., S.A. nunca poderia ser excluída por este motivo, resultando evidente que, se o procedimento pré-contratual tivesse prosseguido, a intenção de exclusão expressa no Relatório Preliminar haveria de ser, a dado passo, alterada, mais que não fosse por força de uma decisão judicial.

  19. Aliás, como se disse já, mesmo que se entendesse que a Entidade Adjudicante poderia exigir estes documentos com a proposta, a sua falta não poderia degenerar em motivo de exclusão sem que à O., S.A. fosse dada a oportunidade, ao abrigo do artigo 72.º, n.º 3, do CCP, de vir a apresentar “documentos que se limitem a comprovar factos ou qualidades anteriores à data de apresentação da proposta”, como é o caso de todos os documentos que se dizem estar em falta na proposta da O., S.A.

    .

  20. No entanto, outro foi o entendimento do Tribunal a quo, que, em lugar de fazer uma interpretação as normas do Programa nos termos do CCP, apenas as leu no sentido que mais prejudicasse a O., S.A. e favorecesse a G., por razões que se não vislumbram, violando assim o disposto nos artigo s 57.º, n.º 1, 70.º, n.º 2, 72.º, n.º 3, 132.º, n.º 4, e 146.º, n.º 2, em particular a alínea n), do CCP, e, bem assim, os princípios da proporcionalidade e do favor concorrente, pelo que se requer respeitosamente a sua revogação.

  21. Em consequência, deve ser anulado o acto de exclusão da proposta da O., S.A. – e por reflexo o acto de adjudicação tomado em favor da proposta da contra-interessada G. –...

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