Acórdão nº 00629/11.1BEPNF de Tribunal Central Administrativo Norte, 15 de Maio de 2020

Magistrado ResponsávelFrederico Macedo Branco
Data da Resolução15 de Maio de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I Relatório M., J.

e R.

, no âmbito da Ação Administrativa Comum que intentaram contra o Hospital de (...) – Centro Hospitalar de Médio Ave EPE, tendente, em síntese, à atribuição de uma indemnização de 240.773€ em decorrência da morte de M-.

, de quem são herdeiros, no seguimento complicações clinicas que se sucederam a acidente ocorrido no seu local de trabalho, entendendo que lhe terá sido ministrada incorreta terapêutica, determinante da verificada trombo embolia pulmonar maciça e enfarte hemorrágico pulmonar (TEP), inconformados com a Sentença proferida em 29.09.2014 no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, que julgou a ação improcedente, por não provada, e em consequência, absolveu o Réu do pedido, vieram interpor recurso jurisdicional da mesma para esta instância.

No referido Recurso, cujas conclusões foram corrigidas em 28 de janeiro de 2019, no seguimento de Despacho proferido já nesta instância em 16 de janeiro de 2019, no sentido das mesmas serem corrigidas, refere-se seguinte: “1ª A sentença recorrida enferma de nulidade porquanto não deu como provada a matéria assente na al. a) do despacho saneador e que corresponde à factualidade vertida nos artigos 11º e 12º da petição inicial – nulidade que aqui expressamente se invoca; 2ª A triste dinâmica que conduziu à morte do M. teve início com um vulgaríssimo acidente de trabalho de que resultou fratura de calcâneo.

3ª Foi operado, teve alta e, alguns dias depois, regressou ao Réu, apresentando dificuldades em respirar (“falta de ar” ou dispneia), tendo-lhe sido diagnosticada pneumonia, ficando internado, acamado e com o membro inferior engessado durante 12 dias; 4ª Decorrido esse período, no dia 2 de maio teve alta e regressou ao Réu 2 dias depois (04/05), apresentando dispneia súbita, com síncope, sem queda (…), apresenta taquicardia, mau aspeto geral (…) há franca suspeita de TEP”; 5ª Em face da franca suspeita de TEP, o Réu medicou o M-. com aspirina 250mg e, decorridas cerca de 10 horas, transferiu-o para o Hospital (...), no (…), onde, poucas horas depois, faleceu devido à TEP.

6ª Tendo em conta a lesão que o conduziu ao Hospital Réu e os sintomas que apresentava, considerando o tempo de internamento durante o qual ficou acamado e com o membro engessado (12 dias), ainda que se admitisse o diagnóstico de pneumonia, teria necessariamente que considerar-se como muito provável a ocorrência de “TEP”; 7ª Por isso, ainda que o diagnóstico de pneumonia estivesse correto (não foi o caso), tendo em conta que se encontrava acamado a recuperar de uma cirurgia ortopédica, deveria ter-lhe sido ministrada medicação adequada ao prevenir da formação de trombos (heparina).

8ª O M-. teve alta no dia 02/05, após 12 dias de internamento, tendo regressado ao Hospital no dia 04/05, altura em que lhe foi diagnosticada TEP; ora, o diagnóstico de TEP, para além de tardio, foi também objeto de tratamento desadequado. Em vez de heparina o Réu ministrou aspirina - cfr. depoimentos da Dr.ª A. (sessão do dia 24/09 - 01:09:09 a 01:10:26; 01:15:07 a 01:15:13; 01:19:02 a 01:19:24); Professor A. (dia 11/10 - 01:21:51 a 01:24:33, 01:24:51 a 01:26:08 e 01:26:10 a 01:28:00), Dr. F. (dia 11-10 - 02:06:23 a 02:06:42); 9ª Ficou provado que o M-. entrou na urgência às 18h59, que às 00 horas e 30 minutos foi medicado com aspirina, que às 06h31 deu entrada no Hospital de (...) e que às 10h20 faleceu, o que significa que entre o momento em que deu entrada no Hospital com “franca suspeita de TEP” e o momento da sua entrada no Hospital de (...), decorreram 11 horas! 10ª Para evitar a sua condenação, o Réu teria que explicar por que razão, face ao período em que o M-. esteve internado, acamado e com o membro imobilizado, não ministrou terapêutica adequada ao prevenir a formação de trombos, deixando por explicar, também, por que razão tratou a TEP com aspirina quando podia e devia tê-lo feito com heparina e, em assim, a circunstância de ter demorado cerca de 11 horas a transferi-lo para o Hospital de (...).

11ª Uma assertiva ponderação da prova - registos clínicos, Parecer do Professor A. e os depoimentos dos três médicos indicados pelo Réu, a que, no essencial, respeitam designadamente os artigos 15º a 19º da PI, devia ter levado o Tribunal a concluir que o Hospital Réu não fez pela vítima aquilo que podia e devia ter feito.

12ª Apurou-se com a autópsia, e ao apurar-se com esta, tinha que se ter concluído, por ser de La Palice, que se o M-. tivesse sido medicado em consonância com a franca suspeita de TEP podia estar vivo - cfr. depoimento do Professor A., sessão do dia 11/10/2013 – 01:24:51 a 01:26:08.

13ª Na douta sentença recorrida, em sede de motivação quanto à matéria de facto, pode ler-se (ponto 22) que o Dr. P. e a Dr.ª A. acompanharam e observaram o falecido, que a suspeita de TEP carecia de ser confirmada; que … Tribunal convenceu-se que os sintomas de embolia pulmonar desenvolvem-se de forma brusca… (ponto 38); e, …e no dizer dos Drs. P. e F., à data, quando ocorresse suspeita de TEP era necessário proceder à sua confirmação do modo mais preciso para posterior medicação/terapêutica, o que teria de ser feito no Hospital de (...) para onde o falecido foi transferido “horas após” ter dado entrada no Hospital Réu”; a hipótese de TEP foi colocada no serviço de urgência do Réu que, de imediato, procedeu à transferência do doente para o Hospital de (...) - Hospital com meios para avaliar de uma forma mais precisa o diagnóstico apontado (ponto 45).

14ª As conclusões retiradas (supra descritas) estão em desacordo com o que foi dito pelas testemunhas e, por outro lado, não merece credibilidade o argumento de que havia que confirmar a franca suspeita de TEP para medicar com heparina, desde logo porque a mesma é necessária e obrigatoriamente ministrada em doses profiláticas para prevenir o risco de TEP - logo, de La Palice, sem que exista TEP! 15ª Por outro lado, não só ninguém disse que logo após confirmada a franca suspeita de TEP, o M-. foi de imediato transferido (até porque nenhum dos médicos arrolados pelo Réu esteve com o M-. nos dias 04 e 05 de maio), como também, e até, apesar de ser de concluir que foi à entrada (do M-.), não consta dos registos clínicos a hora em que a franca suspeita foi diagnosticada.

16ª A atividade do Hospital Réu integra o elenco das atividades perigosas, reguladas pelo art. 492º, nº 3, do CC, havendo, por isso, presunção legal de culpa, não afastada, e que foi, indevidamente, ignorada na douta sentença e, por outro lado, tendo ocorrido deficiente prestação dos cuidados de saúde, é de aplicar a presunção de culpa a que alude o artigo 799º, n.º1, do C.C.

17ª Todavia, a entender-se que a situação em crise deve ser decidida com base na responsabilidade extracontratual, então que se aplique a presunção de culpa estabelecida no n.º 2 do art. 493º do C.C.

18ª A atuação dos “funcionários” do Réu foi ilícita, por omissão, ou seja, por nunca terem medicado em conformidade, apesar das evidências – cfr. Acórdão do TCAN, de 30/11/2012 – Proc. 01425/04.8BEBR, em que é Relator o Desembargador Rogério Martins – disponível em www.dgsi.pt.

19ª O comportamento omissivo do Réu deu causa à morte do M-. na medida em que se este tivesse sido tratado com observância das leges artis, com elevadíssima probabilidade, não teria falecido – cfr. depoimento do Professor Doutor Agostinho Santos (ver concretas passagens 01:21:51 a 01:24:33 e 01:24:51 a 01:26:08); 20ª O comportamento omissivo do Réu foi ilícito e culposo e, também, causa adequada da morte do M-. ou, no mínimo e pelo menos, da redução drástica das suas possibilidades de ter sobrevivido; 21ª Segundo a teoria da perda de chance, o doente terá, obrigatoriamente, que provar que o comportamento do médico foi condição sine qua non para a perda da possibilidade que detinha de obter uma vantagem ou de evitar um prejuízo.

22ª Da prova produzida resultou inequívoco que se o M-. tivesse sido tratado com heparina, tal medicação teria, com toda a probabilidade e conforme explicado pelo Professor Doutor A., aumentado as suas hipóteses de sobrevivência; ou seja, a não administração daquele medicamento implicou a “perda de chance” de o M-. sobreviver – circunstância que, só por si, implica responsabilidade do Hospital Réu.

Face ao exposto, ao absolver o Réu, a M.ma violou, nomeadamente, o disposto nas als. c) e d) do art. 615º do C.P.C. e 492º, nº 3 e 493º, nº 2, do C.C. – devendo a sentença ser alterada no sentido da condenação do Réu, conforme peticionado pelos AA./Recorrentes, como é de JUSTIÇA”.

O presente Recurso foi admitido por Despacho de 18 de dezembro de 2014.

Nas contra-alegações apresentadas pelo Centro Hospitalar de Médio Ave EPE, concluiu-se do seguinte modo: “1. Da apreciação dos factos em discussão nos presentes autos, a Lei não prevê qualquer regra especial de inversão do ónus da prova, tendo plena aplicação aos autos a regra geral definida no n.º 1, do art.º 342.º do Código Civil. Assim, cabia aos AA., ora recorrentes, a prova dos factos que alegaram nos presentes autos, o que não lograram fazer.

  1. Da prova produzida em Audiência de Julgamento integralmente analisada e avaliada pelo tribunal não existem quaisquer dúvidas que a assistência médica prestada foi exemplar inexistindo a prática de qualquer ato ilícito e culposo praticado pela equipe médica ao serviço do doente.

  2. É certo que o paciente M-. faleceu vítima de um tromboembolismo, mas essa conclusão não determina que os atos praticados tenham sido ilícitos ou culposos, pelo que bem andou o tribunal a quo quando julgou improcedente a ação por não se verificarem tais requisitos.

  3. Na verdade o paciente M-. recorreu, no dia 22 de Abril de 2005, aos serviços médicos do recorrido por infeção respiratória, mais concretamente por quadro de pneumonia bacteriana, conforme demonstraram os valores analíticos, exames médicos efetuados e a clínica do doente.

  4. ...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT