Acórdão nº 00095/20.0BEPNF de Tribunal Central Administrativo Norte, 15 de Maio de 2020

Magistrado ResponsávelRicardo de Oliveira e Sousa
Data da Resolução15 de Maio de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:* *I – RELATÓRIO C., devidamente identificado nos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, datada de 12.03.2020, promanada no âmbito da presente Providência Cautelar de Suspensão de Eficácia de Ato Administrativo por si intentada contra o SERVIÇO DE ESTRANGEIROS E FRONTEIRAS - SEF -, igualmente identificado nos autos, que julgou “(…) o presente processo cautelar integralmente improcedente, e, em consequência, recusou o decretamento da providência cautelar requerida (…)”.

Alegando, o Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…) 1- No período de permanência na Guiné, o Recorrente com cerca de 15 anos, foi aliciado por uma rede de traficantes para o mundo do crime, que residiam no mesmo Bairro onde residia o Recorrente.

2- O Recorrente sabe que se regressar ao seu país de origem será perseguido e ameaçado novamente por esta rede de traficantes, uma vez que se deslumbraria como única hipótese de residência o regresso ao mesmo Bairro onde residiam.

3- Não obstante não possuir qualquer ligação com o seu País de origem, o Recorrente sabe que esta rede de traficantes é perigosa e encontra-se no mesmo Bairro para onde o Recorrente iria, onde residem os seus tios maternos, caso seja expulso para a Guiné.

4- A casa para onde teria de ir, por não ter mais ninguém na Guiné, seria a dos seus tios maternos, que poderá não possuir as necessárias condições habitacionais para o receber.

5- O perigo de vida não é uma suposição, mas antes uma certeza, vários são os que têm vindo a morrer nas mãos destas redes de traficantes e o Recorrente será certamente um deles, aliás, assim o alegou quando referiu a morte de dois amigos por ajuste de contas.

6- Por uma questão de dignidade humana, nem na Guiné, nem em qualquer outro país atualmente, o Recorrente teria condições para sobreviver.

7- Em Portugal conta com o apoio monetário, habitacional e emocional do seu importante elo familiar, a sua mãe.

8- O Recorrente pretende, em meio livre, adotar comportamentos de grande respeito pela segurança interna e pela ordem pública, sem qualquer perturbação da mesma, encontrando-se a laborar na faxina no Estabelecimento Prisional, com respeito de regras sem incidentes, e com registos negativos de consumo de estupefacientes.

9- Os cidadãos que têm em Portugal todas as suas raízes familiares devem ser julgados e punidos em Portugal pelos crimes que cometam, não fazendo sentido que, com a invocação discricionária de razões securitárias, o Estado Português se arrogue o direito de expulsar cidadãos para países com que estes não têm qualquer outra relação que não seja um vínculo formal de nacionalidade que não corresponde à realidade da vida.

10- O Recorrente encontra-se recluso e não teve, nem lhe foi possibilitada a sua regularização em território nacional, para além do facto da sua progenitora ter tentado a mesma situação e não ter conseguido.

11- O Recorrente sempre pretendeu a sua regularização, entrou de forma regular em Portugal, encontra-se plenamente arrependido dos crimes que cometeu e tem plena consciência da ilicitude dos mesmos.

12- Pelo que se justifica o fundado receio da constituição de uma situação de facto ou produção de prejuízos de difícil reparação para o Recorrente, face ao sério risco de perseguição do requerente e perigo de vida.

13- A execução do referido ato administrativo é perturbadora da vida familiar do aqui recorrente e não foram os mesmos invocados na referida Decisão Administrativa.

14- Assim, a decisão de afastamento do recorrente de território nacional é uma medida coercitiva demasiado severa.

15- Nessa medida, o recorrente ao invocar expressamente a nulidade da decisão em crise por afrontar o disposto no artigo 161.°, n.° 1,alínea d) e no artigo 162.° do C.P.A.: “ São nulos....os atos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental.”, sendo que a nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado.”, de acordo com o n.°1 do art.58.°do CPTA.

16- A sentença proferida pelo tribunal a quo não relevou os factos expostos pelo recorrente de perigo para a sua própria vida, considerando que a decisão de afastamento não violaria os referidos direitos fundamentais, sobretudo o seu direito à vida e dignidade da pessoa humana.

17- O Despacho do Exmo. Senhor Diretor Nacional do SEF - DR Norte - DRIF Afastamentos, é nulo, nos termos do artigo 161.°, n.° 1,alínea d) e no artigo 162.° do C.P.A., por ofensa ao conteúdo essencial de direitos fundamentais, como sejam essencialmente o seu direito à vida, integridade física e psíquica, dignidade humana e liberdade pessoal.

18- A expulsão do aqui recorrente do território português inelutavelmente destruirá emocionalmente o mesmo face aos fortes laços com a sua progenitora e vice-versa, não contando com mais ninguém.

19- O ora Recorrente apenas conta com a ajuda da sua progenitora, a qual exerce a profissão de médica e a mesma, por seu lado, também só tem em Portugal como elo familiar o seu filho, e que sempre visitou e acompanhou o filho, mesmo estando recluso, sendo que mais do que a “ajuda monetária” releva o campo emocional que envolve este seio familiar.

20- A expulsão terá danos irreparáveis e irreversíveis para o Recorrente.

NOS TERMOS ADUZIDOS E NOS MAIS QUE SERÃO SUPRIDOS, DEVE A DECISÃO DE INDEFERIMENTO SER REVOGADA, COM BASE NAS ALEGAÇÕES E CONCLUSÕES QUE ANTECEDEM, JULGANDO-SE PROCEDENTE O RECURSO E, CONSEQUENTEMENTE, CONSIDERAR A PRESENTE PROVIDÊNCIA CAUTELAR PROCEDENTE, ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA.(…)”.

*Notificado que foi para o efeito, o Recorrido apresentou contra-alegações, defendendo a manutenção do decidido quanto à improcedência da presente ação*O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida.

*O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior emitiu parecer no sentido da improcedência do presente recurso.

*Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.

* *II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.

Examinando as conclusões vertidas no presente recurso jurisdicional, logo se constata que as mesmas assentam, para além da (i) expressa invocação do erro de julgamento de direito no que concerne ao segmento decisório em torno da inverificação do fumus boni iuris, no (ii) reiterar da argumentação que havia já sido esgrimida em sede declarativa, mormente, tendente a demonstrar a verificação de uma situação de facto ou produção de difícil reparação para o requerente, para além da nulidade do despacho suspendendo.

Ora, é ponto...

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