Acórdão nº 32/20.2BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 14 de Maio de 2020
Magistrado Responsável | SOFIA DAVID |
Data da Resolução | 14 de Maio de 2020 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul I - RELATÓRIO M................ intentou a presente acção administrativa no Tribunal Administrativo de Círculo (TAC) de Lisboa impugnando o despacho da Directora Nacional (DN) do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), de 19/12/2019, que considerou infundado o pedido de protecção internacional apresentado pelo ora Recorrente. Na decisão recorrida foi julgada improcedente a acção e foi o Ministério da Administração Interna (MAI) absolvido do pedido.
Inconformado com a decisão, o Recorrente apresentou as suas alegações, onde formulou as seguintes conclusões: “a. O ora R. tem receio dos conflitos que assolam o seu pais de origem, segundo declarações do mesmo que tem medo de ser atacado caso volte a Angola; b. O relato do R. é convincente quanto ao facto de haver mortes indiscriminadas no seu pais de origem, sentindo-se com medo e por isso ter fugido do Pais de origem, devido à situação de insegurança vivida em consequência de perseguições podendo vir a ser enquadrada tal situação muito bem no artº 7 nº 2, alinea c) da lei de asilo, nomeadamente pelo facto de não se poder garantir que o R. venha a ter uma vivência tranquila ao regressar, bem como pelo facto de existir enorme risco de o seu agregado familiar que lá permanece ser perseguido e morto, segundo declarações da mesma.
c. Pois que face a tal contexto sócio-politico de Angola não são infundadas as declarações do R. quanto ao medo de sofrer ofensa grave à sua integridade física, ou virem a ser torturados ou mesmo mortos, caso volte ao seu país de origem, dado ali não existir ordem e segurança pública suficiente, sendo que é um Pais sobejamente conhecido pela violação sistemática dos direitos do Povo e dos graves conflitos que ocorreram nos últimos anos, d. Considerando as afirmações do ora R., são estes motivos suficientes para que lhe seja concedido o asilo que ora se requer, por razões humanitárias; e. O ora R. concretiza com as suas declarações, que são claras, descrevendo peremptoriamente que matam pessoas por diversas razões nomeadamente políticas e económicas sendo que este Tribunal é o último bastião, onde o mesmo poderá vir a encontrar a sua salvação.
f. A decisão que manteve o acto praticado pelo SEF, viola pelo menos, na parte em que não considerou aplicável o regime de protecção subsidiária; g. Manifesta clara violação da lei por errónea interpretação da mesma, sendo que não foi tido em conta o Princípio do benefício da dúvida e o Principio “non-refoulement” consagrado no artº 33 da Convenção de Genebra de 1951, conjugado com os preceitos do artigoº 3 da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, pelo que deve ser anulável nos termos do artº 135 do CPA”.
O Recorrido não contra-alegou.
Foram os autos ao Digno Magistrado do Ministério Público, nos termos e para os efeitos do n.º 1 do art.º 146.º do CPTA, que se pronunciou no sentido da improcedência do recurso.
Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.
II – FUNDAMENTAÇÃO II.1 – OS FACTOS Na 1.ª instância foi dada por assente, por provada, a seguinte factualidade, que não vem impugnada no recurso: 1) Em 14.11.2019, M................, com a nacionalidade angolana, apresentou um pedido de protecção internacional no Gabinete de Asilo e Refugiados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, o que deu origem ao processo n.º 1882/19 (cfr. fls. do processo administrativo junto aos autos, que se dão aqui por integralmente reproduzidas).
2) Em 06.12.2019, M................ prestou declarações perante o inspector do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, que se dão aqui por integralmente reproduzidas (cf. fls. do processo administrativo junto aos autos, que se dão aqui por integralmente reproduzidas).
3) Por email de 16.12.2019, e nos termos do disposto no artigo 17.º, n.º2, da Lei n.º 27/2008, de 30.06, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras comunicou ao Conselho Português para os Refugiados as declarações prestadas por M................ (cf. fls. 47 do processo administrativo junto aos autos, que se dão aqui por integralmente reproduzidas).
4) O Gabinete de Asilo e Refugiados do Serviço de Estrangeiros elaborou a informação n.º 2369/GAR/19, relativamente a M................, com o teor que se dá aqui por integralmente reproduzido, designadamente o seguinte (cfr. fls. do processo administrativo junto aos autos, que se dão aqui por integralmente reproduzidas): «(…) 6. Dos factos 1. Aos 14.11.2019, o ora requerente de protecção internacional foi transferido da França para Portugal, ao abrigo do Regulamento de Dublin; 2. Aos 14.11.2019, o requerente apresentou-se no Gabinete de Asilo e Refugiados - Lisboa, efectuando pedido de protecção às autoridades portuguesas; 3. Nos termos do disposto no 3, do artigo n.º 13 da Lei n.º 27/08, de 30.06, alterada pela Lei n.º 26/14, de 05.05, foi dado conhecimento ao Conselho Português para os Refugiados (CPR) da apresentação do pedido de protecção em 01.08.2019; 4. Compulsado o Sistema Integrado de Informação (Sll) deste SEF consta a seguinte informação sobre o requerente: o Visto de curta duração 004846408, válido de 10-02-2019 a 26-03-2019; 5. Sobre a identidade e nacionalidade do requerente importa referir que declarou ser nacional da República de Angola (Angola), apresenta-se documentado com o seu bilhete de identidade, emitido pelas autoridades angolanas.
Por se encontrar também referenciado no Sistema Integrado de Informação (SII/SEF) - emissão de vistos de curta duração, bem como a sua identificação já ter sido confirmada pelas autoridades francesas no âmbito do processo de protecção internacional que apresentou naquele país, assume-se estarmos perante um nacional de Angola.
(…) P. Tem alguma questão que queira colocar relativamente ao procedimento? R. Não.
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Tem algum documento de identificação? R. Tenho apenas o meu bilhete de identidade. O meu passaporte ficou com as autoridades francesas. Eu pensava que mo devolver quando viesse para Portugal.
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Que língua(s) fala? R. Português e Francês.
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Em que língua pretende efetuar esta entrevista? R. Em Português P. Tem advogado? R. Não.
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Em Portugal é-lhe concedido apoio por uma Organização Não Governamental designada por Conselho Português para os Refugiados (CPR) durante todo o procedimento de proteção internacional. Autoriza que seja comunicado ao Conselho Português para os Refugiados, de acordo com o previsto no ns 3, do artigo 17.º, da Lei n.º 27/08 de 30.06, com as alterações introduzidas pela Lei nB 26/14 de 05.05, as suas declarações e as decisões que vierem a ser proferidas no seu processo? R. Sim.
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Tem algum problema de saúde? R. Não.
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Neste momento, sente-se capaz e em condições de realizar esta entrevista? R. Sim.
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Esta primeira parte da entrevista serve para conhecermos melhor a sua pessoa, os seus antecedentes, a traçar o seu perfil. Pode falar sobre a sua pessoa, dando o máximo de detalhes sobre si.
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nasci em Luanda, mas a minha vida sempre dividida em Luanda e a Lunda Norte. A minha mãe vive e o meu pai vive na Lunda.
Estudei em Luanda e nas férias ia ter com o meu pai à Lunda.
Quando era jovem estudava e trabalhava. Primeiro numa gráfica depois num gabinete de contabilidade. Na escola média estudei contabilidade. Depois de terminar o 12º ano, fui para a faculdade, primeiro para a Metropolitana de Angola, mas como era cara, tive de mudar e fiz até ao 4S de contabilidade no Instituto Superior Politécnico de Angola. Terminei o 4B ano em novembro de 2017. Já não pude acabar o meu curso por falta de meios financeiros.
Conheci a minha mulher Luciana na Lunda e depois elo veio viver para Luanda. Em 2018 fomos todos para a Lunda. Casamos Setembro de 2018 em Luanda.
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Em 2018 vai viver com a família para a Lunda Norte. Trabalhava? R. Sim. Estava a trabalhar como responsável pela logística - alimentação dos trabalhadores da exploração.
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A sua ainda mãe ainda vive em Luanda? R. Sim.
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Vamos agora falar sobre o percurso que fez desde que saiu do seu pais até chegar a Portugal. Pode descrever todo o trajeto que efetuou, dando o máximo de detalhes.
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Tive a ajuda de uma pessoa a quem paguei para me organizar tudo. No total devia ter pago a ele cerca de 800 000 Kwanzas. Não consegui pagar tudo. Esta pessoa foi comigo até Luanda tratar do visto e deu-me todas as indicações do que devia dizer e fazer para obter o visto.
Tive pagar ainda cerca de 175 000 Kwanzas para o bilhete de avião até Portugal. Depois chegar a Portugal fui de autocarro para França.
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Os meio económicos que utilizou para vir para Portugal, eram seus? R. Era dinheiro meu, poupanças que tinha e o meu pai ajudou-me também.
P.É a primeira vez que está em Portugal? R. Sim.
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É a primeira vez que saiu de Angola? R. Não, já estive na Namíbia, não me lembro quando. Na Lunda como faz fronteira com o Congo, fui várias vezes ao Congo.
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Tem familiares ou amigos em Portugal? R. Não.
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Decidiu ir para França porque? R. Porque foi o que o homem que ajudou me disse para eu fazer.
Eu não sabia nada do que era o Asilo ou que o podia fazer em Portugal.
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Quanto tempo fica em Portugal? R. três noites.
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Tem agora a oportunidade de fornecer, sem interrupções, o seu relato pessoal sobre os motivos que o levaram a solicitar protecção às autoridades portuguesas. Se possível inclua o máximo de detalhes sobre esses motivos.
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Os problemas começaram depois de ir viver para a Lunda.
Lunda é uma região muito rica e por isso é muito procurada. Há muitas explorações, poucas legais e muitas ilegais.
Os Generais têm muito poder na Lunda.
Chegou a uma altura em que disseram ao meu que ele tinha de deixar a casa e ir para outro lado. Eu disse ao meu pai que isso não era assim como eles diziam. Que tinham de dar as mesmas condições.
A situação ficou muito complicada. Houve dias em que cheguei e em casa estava militares a pressionar o meu para deixar a casa.
Um dia chegaram a disparar e alvejaram a perna...
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