Acórdão nº 670/19.6BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 14 de Maio de 2020

Magistrado ResponsávelPAULA FERREIRINHA LOUREIRO
Data da Resolução14 de Maio de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em Conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. RELATÓRIO G…..

(Recorrente), nacional da Ucrânia, vem interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa em 24/05/2019, que julgou improcedente a ação administrativa especial urgente por si proposta contra o Ministério da Administração Interna- Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (Recorrido) e, em consequência, manteve o ato proferido pelo Recorrido em 13/03/2018, nos termos do qual o pedido do Recorrente foi considerado inadmissível e determinada a sua transferência para a Polónia.

As alegações de recurso oferecidas pelo Recorrente culminam com as seguintes conclusões: «CONCLUSÕES 42ª O A. pretende a anulação do despacho proferido pelo MAI e que lhe seja concedido o direito de asilo ou em alternativa a autorização de residência do A. por razões humanitárias pois quer ficar em Portugal.

  1. Como se pode ler no Ac. Do TCAS DE 24-02-2011, Rec. 07226/11, o Princípio do "non-refoulement", nos termos do qual é assegurada a proibição de quaisquer formas de perturbação da segurança do individuo, incluindo o retorno forçado ou a negação do estatuto que o possa colocar em risco e insegurança directa ou indirecta.

  2. O Princípio de " non-refoulement" significa que ninguém será expulso ou reenviado para um País onde a sua vida ou liberdade estejam ameaçadas e aplica-se sempre que alguém se encontra no território, ou nas fronteiras de um determinado País, independentemente de ter sido, ou não, formalmente reconhecido o seu estatuto de refugiado.

  3. Pelo que o Pedido e Asilo apresentado pelo A. deveria ter sido deferido, nos termos do art.º 3.º da Convenção Europeia de Salvaguarda dos Direitos Fundamentais, o Principio de "non-refoulement”, previsto no art.º 33.º da Convenção de Genebra, o n.º 2 art.º 3.º e 19.º do regime jurídico aprovado pela Lei n.º 27/2008 de 30 de junho, o art.º 7 PIDPC, o art.º 3.º da CEDH, o art.º 25 da CRP, o art.º 8.º da Lei 15/98 de 26 de Março.

  4. A não ser concedido o Pedido de Asilo ou a Autorização de Residência por Razões Humanitárias ao A. estar-se-á a violar os art.ºs 33º da Convenção de Genebra, o n.º 2.º art.º 3.º e 19.º do regime jurídico aprovado pela Lei n.º 27/2008 de 30 de junho, o art.º 7.º PIDPC, o art.º 3.º da CEDH, o art.º 25.º da CRP, o art.º 8.º da Lei 15/98 de 26 de Março.

  5. Incumbia à entidade demandada previamente à decisão instruir o processo com Informação fidedigna actualizada sobre o procedimento de asilo na Polónia e as Condições de acolhimento dos requerentes nesse Estado membro.

  6. Deve a decisão do Director do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras ser anulada por défict instrutório, nos termos dos artigos 58.º e 163.º n.º 1 do CPA.

  7. Nestes termos deve a Entidade demandada ser condenada a reconstituir o Procedimento instruindo-o com informação fidedigna actualizada sobre o funcionamento do procedimento de asilo na Polónia e as condições de acolhimento dos requerentes de protecção internacional na Polónia, de molde a aferir se no caso concreto se verificam qualquer dos motivos invocados no artigo 3.º n.º 2, 2º parágrafo do Regulamento 604/2013 do Parlamento e do Conselho, de 26 de junho.

  8. Com base no art.º 3.º da CEDH e 4.º da CDFUE são violados o Principio da não expulsão por não estarem assegurados os direitos fundamentais de dignidade humana por tratamento cruel ou degradante da responsabilidade do Estado pela análise do pedido de protecção internacional.

Nestes termos e nos melhores de Direito requer-se: A. A anulação do Despacho do MAL B. A Admissibilidade da Concessão do Direito de Asilo ou em alternativa a Autorização de Residência por Protecção Subsidiária em Portugal.

.» O Recorrido não apresentou contra-alegações.

* O Digníssimo Magistrado do Ministério Público não emitiu parecer.

* Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, vem o processo submetido à Conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.

* Questões a apreciar e decidir: A questão suscitada pelo Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respetivas conclusões, consubstancia-se, em suma, em apreciar se a sentença a quo padece de erro de julgamento. Concretamente, a problemática a deslindar é a de apurar se na situação vertente, em que houve lugar à determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional, conducente à decisão de inadmissibilidade deste pedido, o Recorrido cumpriu o dever de ouvir o Recorrente, bem como se subsiste défice instrutório por parte do Recorrido, tendo em atenção que o mesmo não avaliou a possibilidade do Recorrente ser devolvido ao seu país de origem pela Polónia.

II- FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, a qual se reproduz ipsis verbis: «

  1. Em 18/1/2018, o requerente apresentou junto dos serviços do SEF um pedido de protecção internacional, cfr. p.a., apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

  2. Em sede de análise preliminar do pedido verificou-se, através do sistema EURODAC, que o requerente havia apresentado anteriormente pedido de protecção internacional na Alemanha e na Holanda, cfr. processo administrativo, apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

  3. O Gabinete de Asilo e Refugiados do SEF efectuou um pedido de retoma a cargo do requerente às autoridades alemãs que recusaram, assim como as autoridades holandesas, com o fundamento de que o requerente entrou em espaço Schengen na posse de visto emitido pela Polónia, cfr. processo administrativo, apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

  4. Em 6/3/2018 Gabinete de Asilo e Refugiados do SEF efectuou um pedido de retoma a cargo do requerente às autoridades polacas, que, em 12/3/2018, aceitaram o pedido, cfr. processo administrativo, apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

  5. Em 13/3/2018, o Director Nacional do SEF, considerou o pedido de protecção internacional inadmissível e determinou a transferência do requerente para a Polónia, com base na informação nº 0417/GAR/2018, do Gabinete de Asilo e Refugiados do SEF, que foi notificada ao requerente em 15/3/2018, cfr. processo administrativo, apenso aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

Motivação da matéria de facto O tribunal assentou a sua convicção nos documentos juntos aos autos e ao processo administrativo apenso aos autos, conforme referido em cada alínea do probatório.» Aditamento à matéria de facto coligida pela Instância a quo Deve proceder-se à modificação e aditamento à matéria de facto constante da sentença recorrida, nos termos do estabelecido no art.º 662.º, n.º 1 do CPC, aplicável ao caso vertente em virtude do previsto no art.º 140.º, n.º 3 do CPTA, quando subsista necessidade identificada de se proceder ao enquadramento circunstanciado do caso, em termos que permitam percecionar e captar o alcance dos atos praticados no procedimento administrativo a que se referem os autos.

No caso versado, o Tribunal a quo não conduziu ao probatório um facto absolutamente crucial para o desfecho do presente dissídio e que respeita à realização de entrevista ao agora Recorrente e ao conteúdo da mesma.

Nesta senda, procede-se, então, ao aditamento de um novo facto ao probatório da sentença recorrida, designado como B.1), e cuja redação é a seguinte: B.1) Em 12/02/2018, foi realizada a entrevista pessoal ao agora Recorrente G….., cujas declarações constam do “Auto de Declarações” lavrado pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e assinado pelo Recorrente, e que apresentam o teor registado no documento n.º 3 junto com a petição inicial, e que aqui se considera como integralmente reproduzido.

III- APRECIAÇÃO DO RECURSO O Recorrente, G….., propôs no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa a presente ação administrativa de natureza urgente, demandando o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, do Ministério da Administração Interna, de modo a obter a anulação do ato administrativo que considerou inadmissível o pedido de asilo apresentado no Gabinete de Asilo e Refugiados e, em consequência, determinou a sua transferência para a Polónia.

O Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, em 24/05/2019, julgou a ação improcedente.

Discorda o Recorrente do julgado na Instância a quo, invocando a ocorrência de erro de julgamento, pois que, no seu entendimento, não foi cumprido o dever de audiência prévia do Recorrente, subsistindo défice instrutório por parte do Recorrido, tendo em atenção que o mesmo não avaliou a possibilidade do Recorrente ser devolvido ao seu país de origem pela Polónia.

Examinemos, então, a sentença recorrida.

A decisão do Tribunal a quo, após a enumeração da factualidade provada, apresenta o seguinte discurso fundamentador: “(…) O requerente pretende a anulação da decisão que indeferiu, por inadmissível, o pedido de asilo e que determinou a sua transferência para a Polónia, por vício de violação de lei.

Resulta da factualidade dada como assente que o requerente antes de vir para Portugal pediu asilo na Alemanha e na Holanda, tendo entrado em espaço Schengen com visto da Polónia.

Com base nesta informação, houve necessidade de proceder à determinação do Estado responsável através do procedimento especial regulado pelos artigos 36º a 40º da Lei nº 27/2008, de 30 de Junho.

Dispõe o artigo 37º, nº 1, dessa Lei nº 27/2008 que “quando existam fortes indícios de que é outro o Estado membro da União Europeia responsável pela tomada ou retoma a cargo de requerente de asilo, de acordo com o previsto no Regulamento (CE) nº 343/2003, de 18 de Fevereiro, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras solicita às respectivas autoridades a sua aceitação”.

Por sua vez, o nº 2 do mesmo normativo estabelece que uma vez aceite a responsabilidade pelo Estado requerido, o director nacional do SEF profere, no prazo de 5 dias, decisão de...

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