Acórdão nº 2317/19.1BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 14 de Maio de 2020

Magistrado ResponsávelPAULA DE FERREIRINHA LOUREIRO
Data da Resolução14 de Maio de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em Conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. RELATÓRIO O Ministério da Administração Interna- Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (Recorrente), vem interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa em 03/01/2020, que, julgando procedente a ação administrativa especial urgente proposta por A…..

(Recorrido), condenou o ora recorrente a proferir nova decisão após instrução adequada do procedimento referente ao pedido de asilo formulado pelo Recorrido em 27/08/2019, e, inerentemente, anulou o despacho emitido em 03/10/2019 pela Diretora Nacional daquele Serviço, que considerou inadmissível o pedido de proteção internacional formulado pelo Recorrido e determinou a transferência do mesmo para a Itália.

As alegações de recurso oferecidas pelo Recorrente culminam com as seguintes conclusões: «II- DAS CONCLUSÕES 1.ª- Resulta evidente que o Tribunal a quo na sua ponderação e julgamento do caso sub judice, e refutando a decisão do recorrente, não deu cumprimento às normas legais vigentes em matéria de asilo, mormente no que respeita ao mecanismo da Retoma a Cargo, ao qual a Itália está vinculada; 2.ª- O ora recorrente deu início ao procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de asilo, que culminou com o apuramento de que essa responsabilidade pertencia à Itália (cf. Art.º 18.º, n.º 1 b) do citado Regulamento (UE) 604/2013 e art.º 37.º, n.º 1 da Lei n.º 27/2008 (Lei de Asilo)), impondo a lei como consequência imediata (vinculada) que fosse proferido o acto de inadmissibilidade e de transferência; 3.ª- De harmonia com o art.s 18.º n.º 1, b) do Regulamento (UE) 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, e o art.º 37.º, n.º 1 da Lei de Asilo, a ora recorrente procedeu à determinação do Estado-Membro responsável pela análise do pedido de asilo, procedimento regido pelo art.º 36.º e seguintes da Lei 27/2008, de 30 de junho (Lei de Asilo), tendo, no âmbito do mesmo sido apresentado, aos 18/09/2019, pedido de retoma a cargo às autoridades italianas, o qual foi tacitamente aceite, atento o estatuído no n.º 2 do artigo 25.º do referido Regulamento Dublin.

4.ª- Consequente e vinculadamente, por despacho da Diretora Nacional do ora recorrente proferido aos 03/10/2019, nos termos dos art.ºs 19.º-A, n.º 1, a) e 37.º, n.º 2 da citada lei, foi o pedido considerado inadmissível e determinada a transferência do requerente para Itália, Estado-Membro responsável pela análise do pedido de Asilo nos termos do citado regulamento, motivo pelo qual o Estado português se torna apenas responsável pela execução da transferência nos termos dos art.ºs 29.º e 30.º do Regulamento de Dublin; 5.ª- “Estamos, portanto, perante um ato estritamente vinculado, sendo que a validade dos atos praticados no exercício de poderes vinculados tem de ser feita em função dos pressupostos de facto e de direito fixados por lei, ou seja pela confrontação da factualidade dada como provada com a consequência jurídica imediatamente derivada da lei (...) é a própria Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, que no seu artigo 37.º, n.º 2, lhe impunha a atuação levada a efeito" (cf. Acórdão do TCA SUL de 19/01/2012, proc. N.º 08319/11); 6.ª- Com a devida Vénia, afigura-se ao recorrente que a Sentença, ora objeto de recurso, carece de fundamentação legal, porquanto não logrou fazer a melhor interpretação do regime que regula os critérios de determinação do estado membro responsável, em conformidade com o Regulamento (EU) que o hospeda.

7.ª- Na verdade, não pode o ora recorrente aceitar o veredicto plasmado na Sentença que considerou boa a tese do recorrido (Autor).

8.ª- Estamos perante um procedimento em que o Estado Membro responsável já estava determinado, sendo este Estado a Itália, Estado onde foi apresentado o pedido de proteção internacional pela primeira vez. Ao deslocar-se para Portugal, cabe às autoridades portuguesas, ora Recorrente, aplicar vinculadamente as regras da retoma a cargo, previstas no artigo 23.º do Regulamento (UE) n9 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de julho, e ao Estado italiano cumprir com as obrigações previstas no artigo 18.º, do mesmo Regulamento.

9.ª- Estatui a alínea a) do n° 1 do art.º 19.º-A da Lei 27/2008, de 30 de junho, que "o pedido é considerado inadmissível, quando se verifique que está sujeito ao procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional, previsto no capítulo IV".

10.ª- Nesse sentido e em sede de garantias dos requerentes, o regulamento Dublin vem estabelecer no art.º 4.º o Direito à informação e, no art.º 5.º, a realização de uma Entrevista pessoal "Afim de facilitar o processo de determinação do Estado-membro responsável (...). A entrevista deve permitir, além disso, que o requerente compreenda devidamente as informações que lhe são facultadas nos termos do art.º 4.º."; 11.ª- No caso em escrutínio, e em cumprimento do disposto no art.º 5.º do Regulamento 604/2013 (Regulamento Dublin) ex vi art.

º 36.º, n.º 1 da Lei 27/2008, a 01/07/2019, foi realizada entrevista pessoal ao requerente (cf. pág. 19 a 25 do PA) que deu origem ao respetivo Relatório; 12.ª- No âmbito desta entrevista, o requerente foi informado da aplicação do referido Regulamento quanto aos critérios de determinação do Estado-Membro responsável pela análise do pedido de proteção internacional que formulou, tendo-lhe sido facultada a possibilidade de pronuncia quanto à eventual decisão de retoma a cargo a proferir pelo Estado onde o pedido foi apresentado, bem como alegar elementos suscetíveis de afastar a aplicação dos critérios de responsabilidade e, consequentemente, a sua transferência para Itália; 13.ª- Quanto à questão da existência de eventuais falhas sistémicas nos procedimentos de receção dos pedidos de proteção internacional por parte das autoridades Italianas, esteve mal o douto Tribunal na sua apreciação.

14.ª- No que respeita ao sistema de análise dos pedidos de asilo da Itália, quer nos elementos constantes nos autos, inexistem quaisquer indícios que permitam concluir pela existência de falhas sistémicas no procedimento de Asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes, que impliquem um risco de tratamento desumano ou degradante, ou que dadas as particulares condições do requerente a transferência implique um risco sério e verosímil de exposição a um tratamento contrário ao art.º 4.º da CDFUE, nem risco objetivo (direto ou indireto) de reenvio para o país de origem, para que Portugal não proferisse a decisão de transferência ora impugnada.

15.ª- Neste sentido, veja-se o Acórdão proferido pelo STA, no processo 2240/18.7BELSB.

16.ª- No caso vertente, também em momento algum, o ora Recorrido, concretizou em que medida foi sujeito a uma situação de falha sistémica ou tratamento desumano durante a sua permanência em solo Italiano.

17.ª- Nesta sede, não podia o Estado Português concluir que estava impedido, por força do disposto no segundo parágrafo do n.º 2, do artigo 3.º do Regulamento (EU) n.º 604/2013, de proceder à transferência do requerente para Itália.

18.ª- Ao contrário do pugnado pela douta sentença recorrida, o procedimento de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional (que culminou com o apuramento de que essa responsabilidade pertencia à Itália) antecede e fundamenta que o pedido apresentado seja considerado inadmissível e seja determinada a transferência da análise do pedido; 19.ª- Crê-se destarte inequívoco, que a Sentença a quo carece de legalidade, porquanto, conforme precedentemente explanado, no estrito cumprimento do estatuto pelo direito vigente sobre a matéria, se lhe impunha considerar impoluto o ato do ora Recorrente.

20.ª- Ao invés, assim não atuou, razão pela qual ora se pugna pela revogação da douta Sentença, atenta a correta interpretação e aplicação da Lei.

21.ª- Neste contexto, e ao invés da douta sentença, o ato administrativo anulado encontra-se legalmente enquadrado face ao disposto nos comandos imperativos ínsitos na legislação supra invocada, devendo assim ser acolhido, porquanto se mostra irrepreensível.

22.ª- Em suma, o entendimento plasmado pelo recorrido conduz à ilegalidade da sentença, devendo, por isso, ser revogada.

Nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente recurso e o pedido formulado serem julgados procedentes por provados, e revogar- se a douta sentença recorrida com todas as legais consequências.» O Recorrido não apresentou contra-alegações.

* O Digníssimo Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo emitiu pronúncia sobre o mérito do recurso, pugnando pelo seu improvimento, uma vez que, no seu entendimento, a sentença revela-se acertada, tendo enxergado os diversos aspetos atinentes às invocadas falhas sistémicas que ocorrem, presentemente, em Itália.

* Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, vem o processo submetido à Conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.

* Questões a apreciar e decidir: As questões suscitadas pelo Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respetivas conclusões, consubstanciam-se, em suma, em apreciar se a sentença a quo padece de erros de julgamento. Concretamente, as problemáticas a deslindar são a de apurar, tendo em conta que na situação vertente houve lugar à determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional, conducente à decisão de inadmissibilidade deste pedido e à decisão de transferência do Recorrido para Itália: i) se a decisão de inadmissibilidade do pedido e sequente transferência constitui um ato vinculado nos termos do regime do Regulamento (EU) n.º 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho; e II) se ocorrem, em Itália, falhas sistémicas no procedimento de asilo ou nas condições de acolhimento dos requerentes de asilo.

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