Acórdão nº 2170/19.5BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 14 de Maio de 2020

Magistrado ResponsávelSOFIA DAVID
Data da Resolução14 de Maio de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul I - RELATÓRIO O Ministério da Administração Interna (MAI) interpôs recurso da sentença do TAC de Lisboa, que julgou procedente a presente acção onde o A. e Recorrido impugnava o despacho da Directora Nacional (DN) do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), de 04/11/2019, que considerou inadmissível o pedido de protecção internacional formulado pelo ora Recorrente e ordenou a sua transferência para Itália, por ser esse o país responsável pela sua retoma a cargo. Na sentença recorrida determinou-se, a final, a condenação do MAI a reconstituir o procedimento de determinação do Estado Membro responsável pela análise do pedido de protecção internacional, procedendo à sua instrução cabal para efeitos de determinar se se encontram preenchidos os pressupostos de aplicação da cláusula de salvaguarda constante do art.º 3.º/2 do Regulamento Dublin III relativamente à prefigurada transferência para Itália e a condenação do MAI a apreciar as informações coligidas e decidir de acordo com os critérios decorrentes da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia ─ em diálogo com o TEDH ─, uma vez que está em causa aplicação de direito da União, sendo imposta a observância do sentido e âmbito dos direitos fundamentais em causa garantidos pela CEDH.

O Recorrente formulou as seguintes conclusões de recurso: “1ª - A ora recorrente discorda do entendimento vertido na douta Sentença ora a quo.

  1. - O ora recorrente deu início ao procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de asilo, que culminou com o apuramento de que essa responsabilidade pertencia a Itália (cf. art.º 25º, n.º 2 do citado Regulamento (UE) 604/2013 e art.º 37.º , nº 1 da Lei n.º 27/2008 (Lei de Asilo)), impondo a lei como consequência imediata (vinculada) que fosse proferido o ato de inadmissibilidade e de transferência; 3ª - De harmonia com o art. 25.º nº 2 do Regulamento Dublin e o art. 37º, nº 1 da Lei de Asilo, o ora recorrente procedeu à determinação do Estado-Membro (E.M.) responsável pela análise do pedido de asilo, procedimento regido pelo art.º 36º e seguintes da Lei 27/2008, de 30 de junho, tendo, no âmbito do mesmo sido apresentado, aos 20/09/2019, pedido de retoma a cargo às autoridades italianas, o qual foi tacitamente aceite.

  2. - Consequente e vinculadamente, por despacho do recorrente, nos termos dos arts. 19º-A, nº 1, a) e 37º nº 2 da citada lei, foi o pedido considerado inadmissível e determinada a transferência do requerente para Itália, E.M. responsável pela análise do pedido de Asilo nos termos do citado regulamento, motivo pelo qual o Estado português se torna apenas responsável pela execução da transferência nos termos dos arts. 29º e 30º do Regulamento de Dublin; 5ª - Com a devida Vénia, afigura-se ao recorrente que a Sentença, ora objeto de recurso, carece de fundamentação legal, porquanto não logrou fazer a melhor interpretação do regime que regula os critérios de determinação do estado membro responsável, em conformidade com o Regulamento (EU) que o hospeda.

  3. - Estamos perante um procedimento em que o E.M. responsável já estava determinado, sendo este Estado a Itália, Estado onde foi apresentado o pedido de proteção internacional. Ao deslocar-se para Portugal, cabe às autoridades portuguesas, ora Recorrente, aplicar vinculadamente as regras da retoma a cargo, previstas no art. 23º do Regulamento (UE) nº 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de julho, e ao Estado italiano cumprir com as obrigações previstas no artigo 18º, do mesmo Regulamento.

  4. - No caso em escrutínio, e em cumprimento do disposto no art.º 5.º do Regulamento 604/2013 ex vi art. 36.º, n.º 1 da Lei 27/2008, foi realizada entrevista pessoal ao requerente que deu origem ao respetivo Relatório; do qual constam as principais informações facultadas pelo requerente; 8ª – No tocante ao sistema de análise dos pedidos de asilo na Itália, nos elementos constantes nos autos, inexistem quaisquer indícios que permitam concluir pela existência de falhas sistémicas no procedimento de Asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes, que impliquem um risco de tratamento desumano ou degradante, ou que dadas as particulares condições do recorrido a transferência implique um risco sério e verosímil de exposição a um tratamento contrário ao art.º 4º da CDFUE, nem risco objetivo (direto ou indireto) de reenvio para o país de origem, para que Portugal não proferisse a decisão de transferência ora impugnada, motivos esses que o recorrido não invocou quando efetuou pedido de proteção internacional”.

O Recorrido não contra-alegou.

O DMMP pronunciou-se no sentida da procedência do recurso.

II – FUNDAMENTAÇÃO II.1 – OS FACTOS Na decisão recorrida foi dada por assente, por provada, a seguinte factualidade, que não vem impugnada em recurso:

  1. O Autor, M..............., é natural de Fanca e nacional da Guiné-Bissau ─ cfr. informações constantes do PA.

  2. O Autor apresentou por escrito, junto dos serviços do R., a 10/10/2019, pedido de asilo e protecção do Estado Português, o qual deu origem ao processo de asilo n.º 1615TN/19 ─ fls. 2, 4 a 6 e13 do PA.

  3. Foi consultado o sistema EURODAC e foi detetado um Hit positivo com o n.º de referência: I..............., inserido pela Itália, em Biella, a 01/06/2016 ─ cfr. fls. 3 do PA.

  4. A 10 de Outubro de 2019, pelas 15h20m, o A. prestou declarações junto do SEF, em língua mandinga, por assim ter solicitado, na presença de nome M............... ─ fls. 15 e ss. do PA.

  5. Durante a entrevista, o Requerente foi perguntado sobre a sua passagem por países europeus com a indicação de que tinha sido encontrado um registo na base de dados de impressões digitais Eurodac recolhido em Itália a 1 de Junho de 2016; referiu, a esse propósito que havia estado em Itália até Setembro de 2019, primeiro num campo e depois num campo de refugiados, sempre na Sicília, onde tinha alojamento, assistência médica e comida; que ficou por Itália até que um dia dois trabalhadores do campo lhe vieram dizer que tinha de sair.

  6. Referiu ainda o seguinte: «imagem no original» g) As declarações prestadas foram lidas ao A. em língua mandinga, que compreende e na qual se expressa — fls. 22 do PA.

  7. Foi organizado o processo de determinação de responsabilidade pela análise do pedido de protecção internacional ─ que recebeu o n.º 02104/19 ─ e a 18 de Outubro de 2019 o Gabinete de Asilo e Refugiados do SEF efectuou um pedido de retoma a cargo do Autor às autoridades italianas, invocando o art.º 18.°/1/b) do Regulamento (UE) n.º 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho — cfr. fls. 30 a 34 do PA.

  8. A 4 de Novembro, as autoridades portuguesas informaram as autoridades italianas de que consideravam que, por nada terem dito durante duas semanas, à luz do art.º 25.º/2 do Regulamento Dublin, estas tinham concordado em retomar a cargo o cidadão estrangeiro em causa — cfr. fls. 35 do PA.

  9. Na mesma data, foi elaborada proposta de decisão (informação n.º 1968/GAR/2019), com base na qual foi proferida, nesse mesmo dia, decisão do seguinte teor: «De acordo com o disposto na alínea a) do n.º 1, do artigo 19.º - A e no n.º 2 do artigo 37.º, ambos da Lei n.º 27/08, de 30 de Junho, alterada pela Lei n.º 26/2014 de 05 de Maio, com base na informação n.º 1714/GAR/2019 do Gabinete de Asilo e Refugiados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, considero o pedido de protecção internacional apresentado pelo cidadão que se identificou como M..............., nacional da Guiné-Bissau, inadmissível.

    Proceda-se à notificação do cidadão nos termos do artigo 37.º, n.º 3, da Lei n.º 27/08 de 30 de Junho, com as alterações introduzidas pela Lei 26/14 de 5 de Maio, e à sua transferência, nos termos do artigo 38.º do mesmo diploma, para a Itália, Estado Membro responsável pela análise do pedido de protecção internacional nos termos do Regulamento (UE) 604/2013 do PE e do Conselho, de 26 de Junho.

    Lisboa, 04-11-2019 A Diretora Nacional– fls. 38-42 do PA.

  10. Tal Decisão foi transmitida ao Autor, a 4 de Novembro de 2019, pela leitura da notificação da mesma em língua mandinga «que compreende ou seja razoável presumir que compreenda», tendo-lhe sido entregue cópia da decisão e da informação referida em j) – conforme auto de notificação a fls. 43 do PA.

  11. A 01/06/2018, foi publicado na página oficial do Jornal Folha de S. Paulo na internet, no endereço https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2018/06/expulsar-imigrantes-sera-prioridade-diz-novo-ministro-do-interior-italiano.shtml, o artigo intitulado "Expulsar imigrantes será prioridade, diz novo ministro do Interior italiano" cujo teor se dá por reproduzido e da qual constam, entre outras, as seguintes referências: «(…)Além de aumentar as expulsões, o novo ministro disse nessa sexta (1º), após ser empossado, que pretende reduzir o número dos que chegam e os recursos gastos pelo país com refugiados e solicitantes de asilo».

  12. A 28/08/2017 foi publicada, na página oficial do Jornal Expresso, notícia sob o título “PM italiano debate migrações com parceiros da EU e África perante grande protesto de apoio a refugiados”, [disponível em https://expresso.pt/internacional/2017-08-28-PM-italiano-debate-migracoes-com-parceiros-da-UE-e-Africa-perante-grande-protesto-de-apoio-a-refugiados ], cujo teor se dá por reproduzido e da qual constam, entre outras, as seguintes referências: «(…) Entre janeiro e junho deste ano, quase 100 mil requerentes de asilo desambarcaram na costa italiana e as autoridades continuam sem conseguir garantir o acolhimento e integração destas pessoas.// (…) No sábado, milhares de requerentes de asilo e italianos que saíram em sua defesa marcharam pela capital com cartazes onde se lia "Os refugiados não são terroristas", exigindo o fim dos despejos e garantias de habitação adequada aos requerentes de asilo – depois de, na véspera, o conselho municipal de Roma, cuja câmara é liderada pelo movimento populista Cinco...

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