Acórdão nº 2199/19.3BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 14 de Maio de 2020

Magistrado ResponsávelPAULO PEREIRA GOUVEIA
Data da Resolução14 de Maio de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul I – RELATÓRIO O cidadão que se identificou como A............, nacional do Senegal, intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de LISBOA ação administrativa impugnatória urgente contra MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA.

A pretensão formulada perante o tribunal a quo foi a seguinte: - Anulação da decisão da Diretora Nacional Adjunta do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) de 08.11.2019, que determinou, nos termos dos artigos 19º-A, nº1, alínea a) e 37º, nº 2, da Lei nº 27/08, de 30 de Junho, alterada pela Lei nº 26/14, de 5 de Maio, o pedido de proteção internacional inadmissível e determinou a sua transferência para a Itália, ao abrigo do Regulamento (UE) nº 604/2013 do PE e do Conselho de 26 de Junho.

Por sentença, o tribunal a quo decidiu - “julgo procedente a presente ação e, em consequência, anula-se a decisão da Diretora Nacional Adjunta do SEF, de 08.11.2019, devendo o procedimento administrativo ser retomado após as declarações prestadas pelo Requerente para elaboração do relatório em falta e consequente notificação para o exercício do seu direito de pronúncia, nos termos do artigo 17º, nºs 1 e 2, da Lei nº 27/2008, de 30 de Junho.” * Inconformada, a entidade demandada interpôs o presente recurso de apelação contra aquela decisão, formulando na sua alegação o seguinte quadro conclusivo: 1. O cidadão senegalês A............ apresentou junto do Gabinete de Asilo e Refugiados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras um pedido de proteção internacional ao Estado Português, no âmbito do qual se verificou, através do sistema Eurodac (sistema de comparação de impressões digitais criado pelo Regulamento (EU) 603/2013), que o requerente, ora Recorrido, havia já apresentado um pedido de proteção internacional a Itália.

  1. Tendo em conta que o requerente apresentou um pedido de proteção internacional ao Estado italiano que deu início à respetiva análise, está em causa a aplicação do art. 18, n 1, alínea d) do Regulamento Dublin.

  2. Pelo que o procedimento de determinação da responsabilidade pela análise do pedido de proteção internacional apresentado pelo ora Recorrido, conforme o Regulamento Dublin III, já se encontra finalizado, não estando em causa a reconstituição do procedimento de determinação do Estado Membro responsável pela análise do pedido de proteção internacional.

  3. A apreciação sobre a existência de falhas sistémicas num Estado-Membro da União Europeia participante do Sistema de Dublin não se basta com uma invocação genérica e abstrata de que existem falhas sistémicas.

  4. No quadro do Sistema Europeu Comum de Asilo e na medida em que a Itália é um Estado Membro da União Europeia e participante do acervo de Schengen, sujeita aos princípios jurídicos do quadro axiológico da União Europeia, o princípio da confiança mútua impõe que se presuma que o procedimento de asilo e as condições de acolhimento em Itália está em conformidade com as exigências da Cartas da Convenção de Genebra e da CEDH.

  5. Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça da União Europeia, o artigo 5, n 1,3 e 6, deste regulamento prevê que o Estado-Membro que procede à determinação do Estado-Membro responsável realiza, em tempo útil e, de qualquer forma, antes de ser adotada qualquer decisão de transferência, uma entrevista individual com o requerente de asilo, devendo ser assegurado o acesso ao resumo dessa entrevista ao requerente ou ao conselheiro que o represente. Em aplicação do artigo 5.°, n.° 2, do referido regulamento, esta entrevista pode ser dispensada quando o requerente já tiver prestado as informações necessárias para a determinação do Estado-Membro responsável e, nesse caso, o Estado-Membro em causa deve dar ao requerente a oportunidade de apresentar novas informações relevantes para se proceder corretamente à determinação do Estado-Membro responsável antes de ser adotada uma decisão de transferência".

  6. A obrigatoriedade de comunicação ao requerente do projeto de decisão, tendo em vista ser-lhe dada a possibilidade de a ela reagir antes da decisão final, contraria o escopo do Regulamento Dublin III que, nas palavras da Advogada-Geral em conclusões ao processo referido, "introduziu disposições para tornar o processo geral mais célere e mais eficiente relativamente ao seu antecessor. São reduzidos prazos e introduzidos novos prazos. A existência de todos estes mecanismos sugere que os Estados-Membros podem agir eficazmente para impedir que o bom funcionamento do regime Dublin III seja bloqueado por recursos ou pedidos de revisão frívolos ou abusivos".

  7. Como resulta da tramitação gizada pelo legislador, quer no ordenamento jurídico nacional quer no ordenamento jurídico da União Europeia, não existe qualquer dever de notificar o requerente do projeto de decisão para efeitos de pronúncia sobre o sentido decisório no âmbito do procedimento especial de Retomada a Cargo, estabelecido no Regulamento (UE) n.° 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho.

  8. E nessa medida, o ato administrativo impugnado foi proferido no âmbito de um procedimento que respeitou todas as garantias do requerente, em obediência aos princípios, normas e trâmites legalmente previstos, não enfermando a decisão recorrida de qualquer vício, de forma ou de direito.

  9. Não há quaisquer elementos nos presentes autos que permitam acionar a cláusula de salvaguarda prevista no segundo parágrafo do n.° 2 do art. 3 do Regulamento Dublin III, tendo em vista a desaplicação das demais normas do referido Regulamento que, aliás, visa precisamente que o tratamento de um pedido de proteção internacional se faça de forma unitária em todo o espaço europeu, tendo em vista a agilização e adaptação, em determinadas situações, da tramitação dos procedimentos.

  10. Tal decisão esvaziaria de conteúdo as obrigações do Estado-Membro responsável, in casu a Itália, e comprometeria a realização do objetivo de determinar rapidamente o Estado-Membro competente para conhecer um pedido de asilo apresentado na União.

  11. Dos elementos trazidos aos presentes autos e do Processo Administrativo, e como resulta da análise ao regime jurídico do Sistema de Dublin e do desenvolvimento jurisprudencial do Tribunal de Justiça da União Europeia, o que se pode concluir com certeza é que, perante a verificação de que o cidadão nacional do Senegal A............ havia apresentado um pedido de proteção internacional a Itália, o SEF deu inicio ao respetivo procedimento administrativo que culminou com a decisão da transferência do requerente para Itália, Estado responsável pela sua retomada a cargo, conforme art. 18.° n.° 1, alínea d) do Regulamento (UE) 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho e n.° 1 do art. 37 da Lei n.° 27/2008, situação que, forçosamente, implica a prolação da decisão de inadmissibilidade do pedido.

  12. A Itália é o Estado responsável pelo pedido de proteção internacional do ora Recorrido, até estarem esgotadas todas as garantias de recurso, administrativo e jurisdicional, nos termos do Regulamento de Dublin.

  13. Não pode deste modo, a Entidade Demandada, concordar com a douta sentença, por considerar que procedeu num incorreto enquadramento e interpretação dos factos e do direito.

    * Na sua contra-alegação, o recorrido concluiu assim: 1. Veio a Entidade Demandada nos autos, à margem melhor identificados, inconformada com a Douta Sentença proferida interpor recurso jurisdicional de apelação, quanto à matéria de facto e de Direito.

  14. No entanto, não assiste razão à Recorrente.

  15. Porquanto, considera o A., aqui recorrido, que a Douta Sentença proferida procedeu a um enquadramento fáctico e interpretação do Direito aplicável corretamente; 4. Pelo que deve manter-se a Douta Sentença recorrida, apreciando-se assim o pedido formulado pelo Recorrido na Petição Inicial.

    * Cumpridos que estão neste tribunal de apelação os demais trâmites processuais, vem o recurso à conferência para o seu julgamento.

    * Delimitação do objeto da apelação - questões a decidir Os recursos, sendo dirigidos contra a decisão do tribunal a quo, têm o seu âmbito objetivo delimitado pelo recorrente nas conclusões da sua alegação de recurso. Esta alegação apenas pode incidir sobre as questões de facto e ou de Direito que tenham sido apreciadas pelo tribunal recorrido ou que devessem ser aí oficiosamente conhecidas.

    Assim, tudo visto, cumpre a este tribunal de apelação resolver o seguinte: -Erros de julgamento de direito quanto à violação do artigo 17º da Lei do Asilo e quanto à violação do artigo 3º/2 do Regulamento (UE) 604/2013 conjugado com o artigo 58º do Código do Procedimento Administrativo.

    * II – FUNDAMENTAÇÃO II.1 – FACTOS PROVADOS O tribunal a quo fixou o seguinte quadro factual: 1.Em 14.10.2019, o Requerente apresentou junto do Gabinete de Asilo e Refugiados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), um pedido de proteção internacional, o qual foi registado sob o nº ............. Cfr. fls.1, 5-12 e 13 do PA.

  16. Nesse mesmo dia foram recolhidas as impressões digitais do Requerente, nos termos e para os efeitos do nº3 do art.1º do Regulamento que define o sistema Eurodac, conjugado com o art.34º do Regulamento (UE) nº 604/2013 do PE e do Conselho de 26 de junho. Cfr. fls.2 do PA.

  17. De acordo com os registos constantes na base de dados de impressões digitais Eurodac, verifica-se que o Requerente pediu proteção internacional em Itália em 26.08.2013 e na Suíça em 06.06.2014. Cfr. fls.3 e 4 do PA.

  18. Em 14.10.2019 realizou-se, em inglês, a entrevista com o ora Requerente a fim de ser ouvido quanto aos fundamentos do pedido de proteção internacional apresentado. Cfr. fls.15-21 do PA.

  19. Após consulta do sistema EURODAC, confirmou-se que viajou por vários países europeus e que, segundo as declarações do ora Requerente, saiu do Senegal em Novembro de 2012 para a Líbia e depois seguiu de barco para Itália, onde de imediato pediu asilo e permaneceu num campo até ir para a Suíça onde...

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