Acórdão nº 03091/19.7BEPPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 30 de Abril de 2020

Magistrado ResponsávelLu
Data da Resolução30 de Abril de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo: C., Lda.

(Rua (…), (…)) interpõe recursos jurisdicionais de decisões do TAF do Porto, que, em providência cautelar de suspensão de eficácia intentada contra o Município de (...) (Rua (…), (…)), indeferiu requerida declaração de ineficácia de actos de execução indevida e julgou improcedente a providência cautelar Conclui, quanto ao incidente: 1ª O recorrente não se conforma com a decisão proferida, porquanto se considera que ocorreu incorreto julgamento da matéria de facto, assim como fez o Tribunal recorrido uma menos correta interpretação e aplicação do direito ao caso concreto.

  1. Por força do disposto no artigo 195.º n.º 1 do CPC, ex vi art.º 1º do CPTA, a decisão recorrida padece de Nulidade Processual, que se invoca para as devidas e legais consequências, por ter ocorrido a omissão ou preterição de uma formalidade legal, que, no caso, se consubstancia na falta de notificação e omissão do direito de resposta e impugnação de documentos imposta pelo artigo 3.º, n.º 3 e 415º do CPC, ex vi 1º do CPTA.

    1. A decisão recorrida é ainda Nula por não especificar os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. – Cfr. artigo 615º, n.º 1, al. b), e n.º 4, do CPC, ex vi 1º do CPTA.

      Sem prescindir, caso assim não se entenda, o que não se concebe nem concede, mais se alega o seguinte: 4º No entendimento da recorrente, a decisão do Tribunal a quo é manifestamente errada, porquanto a recorrente considera que as Resoluções do Município não se encontram devidamente fundamentadas, para além de existirem razões que deviam ter levado o tribunal a quo a proceder à sua rejeição imediata.

    2. Só e apenas em situações em que o deferimento da execução do ato suspendendo seja gravemente prejudicial para o interesse público se mostra justificado, nos termos do artigo 128º do CPTA, o afastamento da regra geral da proibição da execução.

    3. Trata-se, por conseguinte, de uma regra excecional, aliás, absolutamente excecional, como ficou consignado no Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, proferido em 4 de Outubro de 2007 (disponível in www.dgsi.pt).

    4. Só em casos de uma gravidade extrema se deverá lançar mão deste tipo de resolução, tal como se decidiu no mencionado Acórdão: "a emissão de uma "resolução fundamentada" por parte da Administração constitui o exercício duma prerrogativa que apenas faz sentido ser utilizada na medida em que seja indispensável para dar resposta a situações de especial urgência".

    5. Acontece que, na prática, a proibição da execução não funciona, uma vez que se assiste por parte da Administração à invocação sistemática e não fundamentada de que o deferimento da execução seria gravemente prejudicial para o interesse público, transformando em regra situações que o legislador ponderou como excecionais.

    6. Na verdade, quando o artigo 128º, n.º 1 (2ª parte) do CPTA, confere à autoridade requerida a faculdade de reconhecer que o deferimento da execução seria gravemente prejudicial para o interesse público, não está a referir-se à invocação genérica do interesse público que há-de presidir à prática de qualquer ato administrativo. Se assim fosse, a proibição de execução não faria sentido.

    7. Do que se trata é de indicar quais as razões que, em concreto, justificam a execução inadiável do ato administrativo em causa como forma de evitar grave prejuízo para o interesse público.

    8. Ao fazer uso abusivo da resolução fundamentada, como foi o caso, a Administração conseguiu esvaziar por completo a garantia que o legislador quis instituir de tutela da própria suspensão, com repercussões negativas no direito à tutela judicial efetiva dos cidadãos.

    9. Com efeito, de acordo com o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, com data de 15-12-2017, Processo 948/17.3BEBRG-A: “II – Em eventual incidente de declaração de ineficácia de actos de execução indevida o tribunal deve controlar, de forma particularmente exigente, os fundamentos em que se sustenta a Resolução Fundamentada, aferindo se tal Resolução se baseou em razões formal e materialmente procedentes para demonstrar que o deferimento da execução lesaria gravemente o interesse público, ou improcedentes por as não conter ou por tais serem inidóneas ou inviáveis ou insuficientes para justificar o prosseguimento urgente da execução do acto suspendendo”.

    10. O controlo judicial da “validade” da fundamentação da resolução fundamentada deve ser aferido pelo critério estabelecido no artigo “125.º do CPA” (cfr. Acórdão do STA, de 03.04.2008, P. 01029/07), não se bastando com a verificação da existência de um discurso justificativo da decisão tomada, em termos claros e congruentes, mas exigindo também que os motivos apontados sejam suficientes, por conterem elementos bastantes, capazes ou aptos a basear a decisão (J. C. Vieira de Andrade em O Dever de Fundamentação Expressa de Actos Administrativos, Almedina, 2003, 232 e s.), ou seja, elementos suficientes para fundamentar a afirmação de que há “grave prejuízo para o interesse público no diferimento da execução do ato”.

    11. Simultaneamente, este controlo jurisdicional das razões em que assenta a resolução fundamentada é também um controlo sobre o preenchimento, pela Administração, dos conceitos indeterminados contidos na previsão do artigo 128.º do CPTA – “grave prejuízo no diferimento” e “interesse público” – que traduzem uma habilitação normativa para o exercício de “juízos de avaliação, prognose e ponderação próprios do exercício da função administrativa” (v. Sérvulo Correia, “Conceitos jurídicos indeterminados e âmbito do controlo jurisdicional”, CJA, 70, 32-57,49).

    12. Face a todo o exposto, o juiz administrativo, ao proceder à fiscalização dos fundamentos em que se sustentam as resoluções emitidas ao abrigo da previsão da segunda parte do n.º 1 do artigo 128.º do CPTA, deve ser particularmente exigente, aferindo se a Resolução fundamentada se baseou em razões procedentes para demonstrar que o deferimento da execução lesaria gravemente o interesse público, ou improcedentes por as não conter ou por tais razões serem inidóneas ou inviáveis ou insuficientes para justificar o pretendido prosseguimento urgente da execução do ato suspendendo.

    13. Revertendo este entendimento para o caso concreto, diga-se já que a decisão recorrida procedeu a uma incorreta interpretação e aplicação do disposto no artigo 128.º do CPTA ao admitir que a suspensão provisória dos efeitos dos atos em causa possa determinar inconvenientes ou mesmo prejuízos gravemente prejudiciais para o interesse público.

    14. De facto, se atentarmos bem as razões apontadas pelo Recorrido Município para executar os atos cuja suspensão se requereu, e que foram aceites no despacho recorrido, o Recorrido, em suma, invocou que: - Está em causa a oportunidade e conveniência em preservar e depender a prossecução do interesse público no âmbito das políticas públicas de planeamento e ordenamento do território, nomeadamente em termos urbanísticos, que se perspetiva com a previsível revisão e aprovação do POOC (Plano de Ordenamento da Orla Costeira) entre Caminha e Espinho; - Que a manter-se a suspensão, tal ocasionaria grave prejuízo para o interesse público, na medida em que permitiria a continuação dos trabalhos de construção, sem que fosse requerida a renovação da admissão de comunicação prévia e promovidas as obrigatórias consultas às entidades externas com efeitos vinculativos, em especial à APA e a verificação da sua conformidade com o atual Plano de Ordenamento da Orla Costeira, e a consequente proposta de revisão, em fase de aprovação, o que implica a suspensão dos efeitos da Providência Cautelar; - Que retomar os trabalhos ocasionaria perigo para a circulação pedonal e rodoviária no local, com as consequências daí advenientes.

    15. Com efeito, verificamos que o Recorrido falou numa previsível revisão e aprovação do POOC, e ainda de consultas às entidades externas para verificar a conformidade da obra com esse previsível plano e propostas de revisão, para além do perigo para a circulação pedonal e rodoviária no local. Razões que o tribunal aceitou e utilizou para justificar a sua decisão.

    16. Sucede, porém, que o tribunal a quo procedeu a uma incorreta interpretação e aplicação do direito ao caso concreto ao não julgar que o Recorrido estava obrigado a indicar factos concretos, reais, existentes, atuais, que justificassem a execução inadiável dos atos administrativos como forma de evitar graves prejuízos, concretos, para o interesse público, e não podia limitar-se a invocar genericamente o interesse público, utilizando para fundamentar a sua Resolução Planos urbanísticos que ainda nem foram revistos e nem sabe se vão ser, e veja-se, que alegam que será “previsível a previsão e aprovação do POOC”.

    17. Tais razões, mais não configuram do que o interesse público que esteve subjacente à prática dos atos administrativos suspendendos – cumprimento da legalidade urbanística.

    18. O tribunal a quo possibilitou assim que o recorrido atuasse à margem da obrigação de prossecução do interesse público que sobre a mesma impende, pois nos autos não estão em causa prejuízos extremamente graves, qualificados, sabendo-se ainda que o diferimento da execução tem que ser gravemente prejudicial para o interesse público, e não para terceiros.

    19. O Tribunal a quo ratificou o uso abusivo da resolução fundamentada por parte do recorrido, esvaziando por completo a garantia que o legislador quis instituir de tutela da própria suspensão, violando o direito à tutela judicial efetiva da recorrente, violando os artigos 128º, n.º 1, II parte, do CPTA, e ainda os artigos 20º e 268º da Constituição da República Portuguesa.

      Sem prescindir, 23º Como resulta do nº 3 do citado art.º 128º do CPTA, a Administração procede a uma execução indevida do ato administrativo, numa das seguintes situações: c. Quando execute o acto sem ter emitido a resolução fundamentada; d. Quando execute o...

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