Acórdão nº 245/19.0BEFUN de Tribunal Central Administrativo Sul, 30 de Abril de 2020

Magistrado ResponsávelLINA COSTA
Data da Resolução30 de Abril de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: B….. – ….. Lda., devidamente identificada nos autos de acção de contencioso pré-contratual, em que é autora contra o Serviço de Saúde da Região Autónoma da Madeira, E.P.E.

e H….., S.L., na qualidade de contra-interessada, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida em 2.1.2020, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, que decidiu julgar a acção improcedente e, em consequência, absolveu a Entidade demandada do pedido.

Na referida acção a aqui Recorrente peticionou a anulação do acto de exclusão da sua proposta do concurso público para à aquisição de material para laboratório de anatomia patológica, aberto por anúncio publicado em DR., II Série, de 15.10.2018, pelo Recorrido, do acto de adjudicação, do contrato se, entretanto, celebrado, e a condenação do aqui Recorrido a adjudicar a sua proposta por ser a economicamente mais vantajosa.

A sentença recorrida julgou a acção improcedente, com fundamento na legalidade do acto de exclusão da proposta da Recorrente.

Nas respectivas alegações, a Recorrente formulou as conclusões que seguidamente se reproduzem: “I.

DO OBJECTO DO PRESENTE RECURSO A. O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, que julgou a acção de contencioso pré-contratual instaurada pela Autora, ora Recorrente, improcedente.

B. A sentença recorrida, não obstante ter dado como provado: i) que a proposta tinha sido assinada pelo concorrente manuscritamente e ii) que todos os documentos tinham sido assinados, com recurso a assinatura electrónica qualificada, pela plataforma, no momento da sua submissão, tendo a plataforma emitido nesse momento o devido comprovativo, considerou que o acto de exclusão da proposta era válido.

C. Com efeito, a sentença recorrida considerou que os argumentos invocados pela Autora, ora recorrente, na sua petição inicial eram improcedentes, por considerar que a Autora não logrou provar que a finalidade que a lei pretende alcançar com a imposição de uma assinatura electrónica qualificada em todos os documentos antes do seu carregamento na plataforma não tinha sido assegurada por outra via, e ainda, por considerar que o artigo 72.°, n.° 3, do CCP não pode ser utilizado para permitir o suprimento deste tipo de formalidades, que determinam a exclusão da proposta.

D. Contudo, a sentença incorreu evidente erro de julgamento, pelo que não poderá deixar de ser revogada e substituída por uma decisão que dê provimento integral ao pedido formulado pela Recorrente nos presentes autos.

II.

O ERRO DA SENTENÇA RECORRIDA I. A NÃO ESSENCIALIDADE DA FORMALIDADE PRETERIDA E. É indubitável que a preterição da formalidade apontada à proposta da Autora constitui uma irregularidade.

F. Todavia, à semelhança do que sustentou a Recorrente na sua petição inicial, a irregularidade cometida - falta de aposição de assinatura electrónica qualificada antes da submissão da proposta na plataforma electrónica - degrada- se em não essencial, uma vez que é por demais evidente que todas as finalidades que aquela exigência pretende alcançar são integralmente asseguradas quando se evidencie, como foi o caso, que todos os documentos da proposta foram assinados aquando da submissão da proposta, e que a própria proposta emitiu o devido comprovativo, como bem refere o douto e notável Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido a 6 de Dezembro de 2018 no Processo n.° 278/17.OBECTB.

G. Sucede que, não obstante a sentença recorrida ter dado como provado que todos os documentos da Autora tinham sido assinados com recurso a certificado qualificado de assinatura electrónica no momento da submissão da proposta na plataforma electrónica, incorreu num evidente erro de julgamento ao entender que a preterição daquela formalidade não se tinha convertido numa formalidade essencial.

H. Com efeito, e como foi já expressamente reconhecido pelo Supremo Tribunal Administrativo no já citado Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 6 de Dezembro de 2018, a aposição de uma assinatura electrónica qualificada em todos os documentos da proposta no momento da submissão acompanhada da emissão de um recibo pela plataforma que confirme que todos os documentos se encontram assinados e encriptados nos termos legalmente previstos garante o cumprimento de todas as funções que a exigência de assinatura de casa um dos documentos antes do seu carregamento na plataforma pretende alcançar.

I. A garantia do cumprimento das funções identificadora e finalizadora é indisputável.

J. O mesmo sucede, também quanto à referida função da inalterabilidade. Como bem refere Pedro Fernandez Sanchez, "...

quando o concorrente obtenha o recibo electrónico previsto no n.° 1 do artigo 71.° da Lei n.

0 96/2015, confirmando que, no momento da submissão da proposta, no ambiente da plataforma, foi aposta a assinatura exigida por lei, a qual protege a inalterabilidade de todos os documentos que dela constem e que fiquem arquivados na plataforma".

K. Assim, é por demais evidente, que a Sentença Recorrida, ao considerar que aquela formalidade não se tinha degradado em não essencial, incorreu em erro de julgamento.

L. Ora, se assim é, nunca aquela proposta poderia ter sido excluída.

SEM PREJUÍZO,II.

A POSSIBILIDADE, E O CONSEQUENTE DEVER DE PROCEDER AO CONVITE PARA ESSE EFEITO, DE SUPRIMENTO DA IRREGULARIDADE EM CAUSA M. Como se evidenciou, a irregularidade da sua proposta não justifica a sua exclusão, pelo que não carece de suprimento.

N. No entanto, e ainda que assim não se considerasse - o que aqui se admite por mero dever de patrocínio o certo é que, se assim fosse, se encontrava obrigado a convidá-la, nos termos do artigo 72.°, n.° 3, pelo que também por este motivo o acto de exclusão da sua proposta seria sempre inválido.

O. Não foi este o entendimento perfilhado pela sentença recorrida, que julgou, erradamente, que constituindo a falta de assinatura da proposta a preterição de uma formalidade essencial, o seu "suprimento não é admissível, ao abrigo do n.° 3 do artigo 72.

º do CCP, na medida em que é uma formalidade essencial para a salvaguarda dos princípios basilares da contratação pública".

P. O entendimento perfilhado pela sentença recorrida subsume-se a dois juízos que se revelam injustificáveis, uma vez que conclui que: (i) A irregularidade aqui em causa não se enquadra no âmbito de aplicação daquele preceito (cfr. n.° 3 do artigo 72.°), uma vez que este só permite o suprimento da violação de formalidades não essenciais; (ii) aquela concreta formalidade "...é essencial para a salvaguarda dos princípios basilares da contratação pública", sem que em algum momento daquela sentença se possa perceber qual é o princípio basilar da contratação pública que é posto em causa pelo desrespeito daquela formalidade...

  1. A CORRECTA INTERPRETAÇÃO DO ARTIGO 72.º, N.° 3, DO CCP Q. A norma consagrada no artigo 72.°, n,° 3, do CCP, consubstancia, como se sabe, uma tentativa de o legislador contrariar o excessivo formalismo que se vinha a registar nos procedimentos concursais.

    R. Assim, com a alteração introduzida neste preceito, o legislador optou por conferir alguma flexibilidade nesta matéria, de modo a evitar a exclusão de propostas que poderiam ser desaproveitadas pelo simples facto de incumprirem algumas exigências formais excessivas. O intento do legislador foi, de resto, explicitamente assumido no Preâmbulo do diploma que veio introduzir estas alterações.

    S. Todavia, a redacção legislativa adoptada foi manifestamente infeliz, como tem sido evidenciado pela doutrina, uma vez que a norma refere o suprimento de irregularidades causadas por preterição de formalidades não essenciais que careçam de suprimento.

    T. Na verdade, a redacção assenta num claro equívoco, pois bem que as formalidades são não essenciais, e, nesse caso, não carecem de suprimento, ou são formalidades que carecem de suprimento, e estas são, necessariamente, essenciais.

    U. Face à deficiente redacção legislativa, duas atitudes são possíveis: i) Entender que aquele preceito não tem qualquer sentido útil, reduzindo o dever de solicitar o suprimento de irregularidades da proposta apenas aos casos em que se está perante irregularidades não substanciais, irregularidades essas que, por definição, não carecem de suprimento; ou, ii) Encontrar uma interpretação que, tendo em conta todos os elementos interpretativos, lhe dê algum sentido útil.

    V. Como bem se compreende, só esta última atitude faz sentido, pois é a única que respeita o sentido das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.° 111- B/2017, de 31 de Agosto, pelo que a sentença recorrida, que perfilhou a primeira das referidas atitudes, viola ostensivamente o n.° 3 do artigo 72.° do Código dos Contratos Públicos.

    W. Como bem evidenciou Pedro Costa Gonçalves, o conceito de "irregularidades causadas por preterição de formalidades não essenciais e que careçam de suprimento" deve ser entendido como "irregularidades formais não essenciais que têm de ser supridas».

    X. Aquele preceito visa, então, permitir que os concorrentes corrijam as irregularidades formais das suas propostas que, não sendo corrigidas, determinariam a sua exclusão. Só não o poderão fazer quando o suprimento daquelas irregularidades ponha em causa os princípios basilares da contratação pública, como a igualdade e a concorrência.

    Y. Como resulta do n.° 3 do artigo 72.° do Código dos Contratos Públicos, o Júri encontra-se obrigado a solicitar aos concorrentes que corrija as irregularidades que careçam de suprimento desde que este não implique a violação dos princípios basilares da contratação pública.

    Z. Ora, é precisamente este o caso da irregularidade aqui em causa, uma irregularidade relativa ao modo de apresentação das propostas. Com efeito, entendendo-se que a mesma não se degradou em formalidade não essencial - o que, como já se referiu, apenas aqui se admite por mero de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT