Acórdão nº 39/19.2BCLSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 30 de Abril de 2020

Magistrado ResponsávelPEDRO MARCHÃO MARQUES
Data da Resolução30 de Abril de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. Relatório F... – Futebol, SAD., apresentou junto do Tribunal Arbitral do Desporto, contra a Federação Portuguesa de Futebol, recurso do acórdão proferido pelo Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol que o sancionou com penas de multa pelas infracções previstas e punidas nos art. 187°, n° 1, alíneas a) e b) do RDLPFP, cometidas durante o jogo de futebol realizado no dia 21.02.2018, no Estádio A..., no jogo entre a E... SAD e a F... SAD (multas no valor global de EUR 2.103,00).

Por decisão arbitral do colégio arbitral do Tribunal Arbitral do Desporto foi decidido julgar improcedente o recurso e manter a decisão recorrida.

Com aquela não se conformando, veio o F... – Futebol, S.A.D. interpor recurso jurisdicional para este Tribunal Central, aqui se tendo, por acórdão de 4.07.2019, concedido provimento ao recurso, revogada decisão recorrida e anuladas as sanções impugnadas. Mais foram julgadas procedentes as conclusões da alegação da Recorrente no tocante à questão da alteração do valor da acção (foi decidido que o valor da multa em que foi condenada é a utilidade económica que o demandante pretende obter com o pedido que apresenta).

Deste acórdão foi interposto recurso de revista para o STA, o qual, por acórdão de 16.01.2020, concedeu provimento ao recurso principal, revogou o acórdão recorrido e ordenou a baixa dos autos ao TCA Sul para os fins que determinou ficaram referidos. Neste aresto decidiu-se: “Assim, o acórdão recorrido, ao efectuar uma apreciação probatória partindo do pressuposto que, em face do principio da presunção de inocência do arguido, o ánus da prova recaia sempre sobre quem acusava, sem atender à presunção que resultava do citado art. 13.º, al. f), para os relatórios dos jogos elaborados pelos delegados da LPFP, incorreu no erro de direito que lhe é imputado, devendo, por isso, ser revogado Em consequência, e uma vez que este tribunal não conhece de facto, terão os autos de baixar ao tribunal recorrido para aí se proceder à valoração da prova considerando a aplicação do disposto no art. 13°, al. f), do RD, que implicará, pelo menos, o conhecimento do teor exacto e integral do relatório em questão —. a fim de aferir quais os factos que estão abrangidos pela presunção de que ele goza — e o que tenha sido alegado pela ora recorrida para pôr em causa a sua veracidade — para permitir averiguar se foi criada uma situação de “incerteza razoável” —‘ bem como se, com base nos factos que se devem considerar provados, se podem extrair outros através de presunção judicial.

Procede, pois, o recurso principal, ficando prejudicado o conhecimento do recurso subordinado que foi interposto para a hipótese de este STA manter definitivamente o acórdão do TAD, o que não sucede”.

Cumpre, pois, apreciar o recurso conforme ordenado.

Relembrando as conclusões de recurso da Recorrente, F... – Futebol, SAD.: i. O presente recurso tem por objecto o acórdão de 12.02.2019 do TAD, que confirmou a condenação da recorrente pela prática das infracções disciplinares p. e p. pelos arts. 187. °- 1, a) e b) do RD, alegadamente cometidas no jogo entre a E... SAD à F... — Futebol SAD, no dia 21.02.2018, no Estádio A..., punindo-a em multas no valor total de é €2.103,00, e fixando as custas no total de e 6.125,40.

ii. Considerando as infracções p. e p. pelo art. 187.°, n° 1, do RD em causa nos autos, era necessário que o Conselho de Disciplina tivesse carreado aos autos prova suficiente de que os comportamentos indevidos foram perpetrados por sócio ou simpatizante do F... -- Futebol SAD, e ainda, que tais condutas resultaram de um comportamento culposo da F... — Futebol SAD.

iii. O ónus da prova em processo disciplinar cabe ao titular do poder disciplinar; pelo que, sempre se mostrará inconstitucional, por violação do princípio da presunção de inocência de que beneficia o arguido em processo disciplinar, inerente ao seu direito de defesa (art. 32.°, n. °s 2 e 10, da CRP), ao direito a um processo equitativo (art. 20.'4 da CRP) e ao princípio do Estado de direito (art. 2.° da CRP), a interpretação do art. 13.; aí J)„ do RDLPFP no sentido de que factos não constantes dos relatórios da equipa de arbitragem e do delegado da Liga podem ser dados como provados, por presunção, se a sua verificação não for infirmada pelo arguido.

iv. Mas, à míngua de meios de prova demonstrativos da violação de deveres de cuidado, o Tribunal a quo presumiu que a demandante falhou nos seus deveres, entendendo que caberia ao clube ilidir a presunção de culpa pela qual o Tribunal se segue; recorrendo a um critério da primeira aparência.

v. Este critério decisório viola o princípio de inocência, que se revela como um direito, liberdade e garantia fundamental em processo disciplinar; ancorado no direito de defesa do arguido (art. 32.°, n. °s 2 e 10, da CRP), no princípio do Estado de Direito (art. 2. ° da CRP), e no direito a um processo equitativo (art. 20. 04 da CRP) (f At; do Pleno da Secção do CA do STA de 18-04-2002, Proc. 033881 e At.. do STA de 20-10-2015, Proc. 01546 /14, www.dgsi.pt).

vi. O critério decisório adoptado pelo Tribunal a quo — da prova da primeira aparência, com imposição de ónus da prova ao arguido contraria aberta e frontalmente a jurisprudência do Supremo Tribunal administrativo, jurisprudência que representa uma expressão consolidada do cânone da dogmática do princípio da presunção de inocência, constante de todos os tratados e comentários de processo penal e afirmado ve.zes sem conta pelos nossos tribunais superiores (TC, STJ, Relações e TCA s).

vii. Pelo exposto, cumpre repor a legalidade, revogando-se o acórdão recorrido e impondo-se ao Tribunal a quo que adopte um critério decisório em matéria de valoração da prova consentâneo com o principio da presunção de inocência, exigindo-se, designadamente, que a prova de todos os elementos constitutivos da infracção corresponda a um convencimento para além de qualquer dúvida razoável, e não numa convicção da verificação decorrente da verificação de simples indícios resultantes de uma prova de primeira aparência, e que não se imponha à demandante (arguida no processo disciplinar) o ónus de demonstração da não verificação de qualquer elemento tipicamente relevante.

viii. Se assim não se fizer, incorrer-se-á em inconstitucionalidade: pois é inconstitucional --- por violação do princípio da presunção de inocência de que o aiguido beneficia em processo disciplinai; inerente ao seu direito de defesa (arts. 32.°- 2 e -10 da CRP), ao direito a um processo equitativo (ar': 20. °-4 da CRP) e ao princípio do Estado de direito (art. 2° da CRP) --- a interpretação dos artigos 222. °-2 e 250.°-1 do RDLPFP segundo o qual a comprovação de um elemento constitutivo de uma infracção disciplinar está sujeita a um ónus da prova imposto ao arguido, podendo ser dado como provado se, resultando simplesmente indiciado através de uma prova de primeira aparência, o arguido não demonstrar a sua não verificação.

ix. Nem mesmo acolhendo a presunção de verdade prevista no art. 13.°, f) do RD ou jurisprudência recente do Supremo Tribunal Administrativo (processo o 297/2018 de 18-11-2018) se alcançaria a condenação da aqui recorrente, porquanto, face ao vertido nos relatórios de Jogo, sempre se mostra por preencher pressuposto de imputação e condenação: a actuação culposa da recorrente.

x. E inconstitucional, por violação do princípio jurídico-constitucional da culpa (art. 2. ° da CRP) e do princípio da presunção de inocência, presunção de que o arguido beneficia em processo disciplinar; inerente ao seu direito de defesa (arts. 32. °-2 e -10 da CRP), a interpretação dos artigos 13. ° f) e 187. ° -1 a) e b) do RDLPFP no sentido de que a indicação, com base em relatórios da equipa de arbitragem ou do delegado da Liga, de que sócios ou simpatizantes de um clube praticaram condutas social ou desportivamente incorrectas é suficiente para, sem mais, dar como provado que essas condutas se ficaram a dever à culposa abstenção de medidas de prevenção de comportamentos dessa natureza por parte desse clube, o que desde já se argui, para todos os efeitos e consequências legais, e inconstitucional, porque, materialmente, na prática, significa impor ao clube uma responsabilidade objectiva por facto de outrem (2.° e 30.°-3 da CRP).

xi. O parâmetro da violação do dever de prevenção adoptado pelo Tribunal a quo é o mesmo para a imputação da infracção p. e p. pelo art. 187. º, n.° 1, a) do RD, correspondente ao comportamento incorrecto dos adeptos consubstanciado em cânticos grosseiros e ofensivos de terceiros-.

xii. Acontece que, responsabilizar disciplinarmente os clubes pelas grosseiras ditas pelos seus adeptos significa puni-los por algo que, objectivamente, não estão em condições de prevenir ou evitar, o que equivale a uma responsabilidade objectiva, pelo que, não podia o Tribunal a quo condenar a recorrente pela violação do art. 187.º-1, a) do RD.

xiii. Não obstante não caber à Demandante, aqui recorrente, o ónus da prova em processo disciplinar, sempre se terá de conceder que foi pela recorrente demonstrado a prática de medidas preventivas junto dos seus adeptos, tanto assim é que o Tribunal a quo julgou como provado que " O OLA F... tenta sensibilizar os adeptos reunindo semanalmente com os GOA e falando em particular com os grupos mais problemáticos e com as direções das claques e já tendo efetuado apelos públicos e usando o facebook, institucional" (cf. Pág. 17 do acórdão recorrido).

xiv. Pelo que sempre se mostra prejudicada a decisão recorrida, razão pela qual deve ser revogada.

xv. A modificação do valor da causa promovida pelo Tribunal a quo para 30.000,01 — ao invés do total da multa por que foi a recorrente condenada — foi feita em violação do previsto no art. 33.°, b) do CPTA, pelo que se impõe repor a legalidade. Fixando-se o valor da acção no montante de C 2.485,00 daí se extraindo...

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