Acórdão nº 1957/17.8BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 30 de Abril de 2020

Magistrado ResponsávelCELESTINA CASTANHEIRA
Data da Resolução30 de Abril de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul J..., devidamente identificado nos autos, intentou a presente ação administrativa, contra o ESTADO PORTUGUÊS, pedindo a sua condenação no pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais “nunca inferior a € 7.500,00”, acrescida de juros à taxa legal desde a citação.

Por sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa foi a presente ação administrativa comum julgada totalmente improcedente e, em consequência, absolvido o Réu Estado Português do pedido.

Não se conformando com tal decisão veio o Autor/Recorrente interpor recurso para este TCAS.

O Autor deduziu as suas alegações, tendo formulado as seguintes conclusões: A. Atendendo às circunstâncias do presente caso, e considerando a jurisprudência nacional e do TEDH maioritárias (o TEDH e no seu seguimento a doutrina e jurisprudência nacionais, vêm assinalando como um tempo razoável para a tramitação de uma ação declarativa em 1.ª instância, o período de 3 anos), ter-se-á que admitir, ao contrário da sentença recorrida, que foi excessivo quer o tempo de cerca de 4 (quatro) anos e 3 (três) dias de paragens da tramitação dos autos (o mesmo prazo que intermediou a entrada da PI e a prolação da sentença de 1.ª instância), quer o tempo global do litígio de cerca de 5 (cinco) anos e 3 (três) meses, disso resultando uma situação ilícita de manifesta ultrapassagem de prazo razoável para obtenção de uma decisão judicial; B. Face ao caso dos autos, não se podem aceitar, para efeitos de enquadramento de situações juridicamente relevantes, no conceito de “obtenção de decisão judicial em prazo razoável”, argumentos como doenças temporárias de pessoal ou a falta de recursos e meios do tribunal, o volume e as pendências de trabalho e a complexidade ou reforma da estrutura judiciária, considerando que foi o próprio Estado Português que, por força da ratificação da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, se comprometeu a organizar o seu sistema judiciário de molde a dar cumprimento aos ditames da Convenção, pelo que, em consequência, aos poderes e órgãos do Estado Português se deve exigir medidas ativas tendentes à efetivação e atualização de meios técnicos, materiais e humanos, colocados ao dispor dos serviços de justiça; C. A invocação nos autos pelo Estado Português da deliberação de 9 de abril de 2014 do CSM, com referência à entrada em vigor, a 1 de setembro de 2014, do novo sistema de organização judiciária português, não é de molde a afastar o facto presumido de que, da circunstância dos serviços de justiça não funcionarem de acordo com os standards de qualidade e eficiência que são expectáveis num Estado de Direito, decorre a verificação do requisito “culpa”, que deve ser apreciada enquanto uma culpa anónima ou de serviço, até porque, à data da publicação da nova lei de organização do sistema judiciário, já o processo fundamento dos presentes autos tinha sofrido delongas violadoras do direito à obtenção de uma decisão judicial em prazo razoável, contendo ainda aquele processo todos os elementos que possibilitava a marcação expedita de julgamento; D. Sempre que um processo fundamento de ação destinada a efetivar a responsabilidade extracontratual do Estado, por violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável, demorar, ao todo, 5 (cinco) anos e 3 (três) meses, e 4 (quatro) anos e 3 (três) dias em 1.ª instância, quando haveria de demorar apenas cerca de 3 (três) anos, o acrescento de tempo para além do indicado prazo de 3 (três) anos provoca danos não patrimoniais ao autor dessa ação, entendidos enquanto danos comuns, que se apuram de acordo com as regras da vida, por serem também inerentes a todas as pessoas (singulares) que são vítimas de um atraso na justiça; E. Pelos cerca de 2 (dois) anos que a ação fundamento dos autos demorou a mais, é razoável fixar a indemnização a conceder ao Recorrente em montante nunca inferior ao peticionado (€ 7.500,00), tendo ainda em consideração a prova nos autos de danos morais que transcendem o mero dano comum e relativo à delonga da administração da justiça; F. A sentença recorrida, ao decidir em sentido contrário ao explanado nas conclusões supra, violou, pelo menos, as normas jurídicas vertidas nos artigos 303.º, 496.º, n.º 1 e 498.º do Código Civil, 412º n.º 1, do Código de Processo Civil de 2013, 6.º § 1º e 13.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e, ainda, o artigo 20.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa.

Notificado o Estado Português apresentou as suas contra-alegações, deduzindo as seguintes conclusões: 1 - Na presente acção foi o R. – Estado Português absolvido do pedido formulado, a título de dano morais, por alegados danos causados pela violação do direito à decisão em prazo razoável.

2 – Foi correctamente tida em conta toda a matéria constante nos factos assentes, para desde logo se perceber as questões jurídicas levantadas, e a carga processual aí patente, a qual demonstra a inexistência de demora na administração da justiça.

3 - Para que haja responsabilidade civil por atraso no funcionamento da justiça torna-se necessário que os atrasos na prática de actos processuais, sejam injustificados, e venham a pesar no tempo de prolação da decisão final, com consequências para as partes.

4 - De acordo com a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem são critérios para determinação do prazo razoável a natureza e complexidade do processo, o comportamento das partes e o comportamento dos órgãos dos poderes judicial, executivo ou legislativo, critérios que, por sua vez, deverão ser aferidos, não em função da demora de um qualquer acto de sequência processual ou de prolação de decisão interlocutória, mas relativamente a todo o conjunto do processo.

5 - O R. - Estado Português não é susceptível de responsabilização pelas delongas do processo em resultado do eventual ilegítimo aproveitamento pelas partes das faculdades processuais, legalmente estabelecidas, em cumprimento do dever de garantir amplas garantias de defesa dos interesses daquelas, que sobre o primeiro impende.

6 - Concluindo-se pela ausência de nexo de causalidade, entre o excesso de tempo decorrido em momentos processuais distintos, e os prejuízos alegadamente sofridos pela A., é, obviamente, desnecessária a averiguação da existência dos restantes pressupostos e forçoso julgar improcedente o pedido.

7 - Não basta a simples ou mera violação dum prazo previsto na lei para a prática de certo acto judicial para concluir logo no sentido de que foi violado o direito à justiça em prazo razoável.

8 - Para aferir da ilicitude por violação do direito à justiça em prazo razoável, é necessário ter em conta as circunstâncias da causa e os critérios consagrados pela jurisprudência, em especial a complexidade do caso, o comportamento do requerente e o das autoridades competentes, bem como aquilo que está em causa no litígio para o interessado.

9 - A obrigação de indemnizar, por parte do Estado, relacionada com os atrasos injustificados na administração da justiça, só o poderá ser no respeitante aos danos que tenham com esse ilícito, consubstanciado na morosidade do processo, uma relação de causalidade adequada.

10 - E sendo assim, considerando que, como já se disse, os pressupostos de que depende a obrigação de indemnizar, conforme entendimento unânime da jurisprudência, são de verificação cumulativa, a não verificação do facto ilícito e culposo, desde logo afasta o direito à indemnização, ainda que exista o dano.

11 – Ficou provado, à saciedade, nos autos, a não verificação do requisito ilicitude, o qual desde logo afasta a obrigação de indemnizar.

12 – Tendo sido feita uma correcta aplicação do direito aos factos, não foi violado o nº 4 do artº 20º da Constituição da República Portuguesa.

13 – Igualmente não foram violados os artigos 303º, 496º, nº 1, e 498º, todos do Código Civil e o nº 1 do artº 412º do Código de Processo Civil.

14 – Bem como não foram violados os artigos 6º e 13º da CEDH.

15 – Pelo que deve manter-se a douta sentença em apreciação, negando-se provimento ao recurso dela interposto.

Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à Conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.

Delimitação do objeto de recurso: O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144.º, n.º 2, e 146.º, n.º 1, do CPTA e dos artigos 608.º, nº 2, 635.º, nºs. 4 e 5, e 639.º, do Código de Processo Civil, aplicáveis por força do disposto no artigo 140.º, n.º 3, do CPTA.

Questões a apreciar: Importa aferir se a sentença recorrida violou as normas jurídicas vertidas nos artigos 303.º, 496.º, n.º 1 e 498.º do Código Civil, 412º n.º 1, do Código de Processo Civil de 2013, 6.º § 1º e 13.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e, ainda, o artigo 20.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa e, em caso afirmativo, se a ação deve ser julgada procedente.

*** Fundamentação: Os factos Para a decisão do recurso, importa considerar a seguinte matéria de facto fixada na sentença recorrida:

  1. Em 14 de Dezembro de 2010, o aqui A. J... instaurou contra o R., B... – SOCIEDADE GESTORA DE FUNDOS DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO, S.A., no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, uma acção declarativa cível de condenação sob a forma de processo sumário, que correu termos, a final, pelo Juízo Central Cível de Lisboa – Juiz 5, com o número de processo 2431/10.9YXLSB – cfr. certidão junta como doc. nº 1, com a p.i..

  2. O R. foi citado em 21/12/2010 – cfr. certidão junta como doc. nº 1, com a p.i..

  3. Em 24/01/2011 o R. apresentou contestação com reconvenção – cfr. certidão junta como doc. nº 1, com a p.i..

  4. Em 14/02/2011 veio o A. apresentar réplica – cfr. certidão junta como doc. nº 1, com a p.i..

  5. Em 29/09/2011 foram os autos conclusos, tendo na mesma data sido proferido despacho a ordenar a notificação do A. para junção aos autos das certidões...

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