Acórdão nº 48/08.7BEPDL de Tribunal Central Administrativo Sul, 16 de Abril de 2020

Magistrado ResponsávelANA CELESTE CARVALHO
Data da Resolução16 de Abril de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I – RELATÓRIO A…………..

, devidamente identificado nos autos, veio interpor recurso jurisdicional do acórdão proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada, datado de 24/02/2015, que no âmbito da ação administrativa especial de impugnação de ato administrativo, instaurada contra a Ordem dos Advogados, julgou a ação improcedente, mantendo o acórdão do Conselho Superior, de aplicação da multa, no valor de € 3.800,00.

* Formula o aqui Recorrente nas respetivas alegações, as seguintes conclusões que infra e na íntegra se reproduzem: “1.ª Vem o presente recurso interposto do acórdão proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada, de 24.02.2015, que julgou improcedente a acção administrativa especial instaurada pelo Autor, na qual se peticiona a anulação do acórdão aprovado pela 2.ª secção do Conselho Superior da Ordem dos Advogados em reunião de 14 de Dezembro de 2007, e que condenou o Autor na pena disciplinar de multa de € 3.800,00 (três mil e oitocentos euros) por violação dos deveres consignados nos artigos 89.º, 87.º, 79.º al. a) e 66.º al. c) do Estatuto da Ordem dos Advogados de 1984/2001 e, em consequência, absolveu a R. Ordem dos Advogados do pedido.

  1. Os Meritíssimos Juízes a quo incorreram em erro de julgamento ao subscreverem o entendimento vertido no acórdão proferido em 27.10.2006 pelo Conselho Superior da Ordem dos Advogados, de que o Autor violou o dever de urbanidade contido nos arts. 87.º e 89.º do EOA, porquanto não é de todo evidente que as expressões utilizadas pelo ora Recorrente nos requerimentos a que aludem os pontos 4. e 5. da matéria de facto julgada provada no acórdão recorrido, consubstanciam infracção disciplinar, por violação do dever geral de urbanidade que deve pautar as relações entre advogados e magistrados, consagrado nos arts. 87.º n.º 1 e 89.º do anterior ECDU.

  2. O Tribunal a quo não teve em conta que as expressões utilizadas pelo Autor nos requerimentos apresentados no âmbito do processo n.º 53/2001 do 3.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Pontal Delgada, foram proferidas ao abrigo do direito de crítica, contundente é certo, mas que deverá ser valorada no contexto de uma defesa necessariamente emotiva, enérgica e apaixonada, tendo sempre em consideração que não foi dirigida qualquer ofensa directa e/ou relevante à Meritíssima Juiz do processo.

  3. Ao decidir nos termos em que decidiram não tiveram os Meritíssimos Juízes a quo em conta que nenhuma das declarações proferidas pelo Autor foram de molde a consubstanciar uma violação do dever de urbanidade, tal como ele deve ser entendido no âmbito das relações que no pleito se estabelecem entre os diferentes agentes judiciais.

  4. O ora Recorrente pode aceitar e reconhecer que as mesmas não foram as mais convenientes e/ou as mais elegantes; que deveria ter utilizado expressões mais elevadas; no entanto, é forçoso reconhecer-se que com o uso de tais expressões não foi feita qualquer imputação susceptível de ser considerada como directamente ofensiva da honra da Meritíssima Juiz do 3.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Ponta Delgada, e muito menos que era intenção do Autor fazer, que não fez, alusões deprimentes que pudessem catalogar-se como alusões demonstrativas de desconsideração face à pessoa da Meritíssima Juiz.

  5. O dever deontológico consagrado no art. 89.º do EOA, de agir com civilidade e correcção no trato com os restantes agentes judiciais, tem que ser interpretado tendo em conta a posição que o advogado ocupa no sistema judicial, posição essa que, pelo seu cariz combativo, solidário e apaixonado, lhe confere determinadas prerrogativas como a possibilidade de criticar e de apreciar livremente os actos judiciais, sem que o uso de expressões ou imputações indispensáveis à defesa da causa sejam consideradas ilícitas, por mais veementes que sejam – cfr. art. 154.º n.º 3 do CPC (redacção do D.L. n.º 329-A/95, de 12/12 e D.L. n.º 180/96, de 25/09).

  6. A independência e a liberdade do advogado são princípios basilares do exercício desta profissão que nunca poderão ser postos em causa pelo receio de ferir eventuais susceptibilidades de outrem ou, muitas vezes, a hipersensibilidade dos magistrados.

  7. Apesar de as expressões utilizadas pelo Autor não terem sido as mais convenientes, não pode deixar de se ter presente o contexto em que as mesmas foram proferidas, nomeadamente a forma como o processo judicial no qual foram proferidas vinha sendo conduzido, o que, causando uma profunda indignação ao Autor, acabou por justificar o teor dos requerimentos também de indignação por si apresentados.

  8. Ao ter o Autor reagido perante a participação da Meritíssima Juiz à Ordem dos Advogados com base naquelas expressões, o Autor mostrou a mesma indignação que sentira por ter apenas pretendido alertar o Tribunal para as vicissitudes processuais que, no seu entender, impediram os seus patrocinados de obter a decisão judicial que entendiam ter direito.

  9. No caso em apreço importa contextualizar e interpretar as expressões em apreço como críticas que, apesar de inoportunas, não foram desmotivadas, e muito menos profundamente desnecessárias e desadequadas à defesa dos interesses da própria parte, indo além da mera crítica objectiva, como referem os Meritíssimos Juízes a quo, resultando antes de um estado de profunda indignação do Autor ao ver a verdade fugir aos olhos da justiça.

  10. O que o Autor quis verdadeiramente declarar com o uso de tais expressões foi apenas que estaria disposto a ser submetido ao poder disciplinar da sua Ordem, por causa do que escrevera, não tendo aquelas veementes afirmações outro significado senão o de que não se importaria o Autor com a queixa à Ordem porque denunciara o que entendeu denunciar em defesa dos seus constituintes e do direito que eles se arrogavam! 12.ª Em vez de utilizar as expressões marimbando ou estou literalmente nas tintas, poderia e deveria o Autor utilizar outras expressões que tivessem o mesmo significado e que não fossem tão desajeitadas ou deselegantes; porém, estas expressões, contrariamente ao que é dito no acórdão do Conselho Superior da Ordem dos Advogados, e que o aresto recorrido subscreve, não são em si, nem objectiva nem subjectivamente, susceptíveis de ofender a pessoa da Meritíssima Juiz que ordenou o envio de cópia do requerimento à Ordem dos Advogados nem susceptíveis de serem classificadas como alusões deprimentes, demonstrativas de desconsideração.

  11. Tendo em conta a contextualização das expressões no texto em que foram inseridas e todas as expressões que se lhe seguem, tais como …postura que muitos juristas não tiveram a coragem de assumir, atentas as sua notórias fraquíssimas probabilidades de sobrevivência num mercado implacável… outra não poderá ser a conclusão a tirar de tais expressões.

  12. Aceita-se que o Autor não terá sido polido, mas não pretendeu ofender, como efectivamente não ofendeu a Meritíssima Juiz, por quem nutre o mais profundo respeito, pelo que não poderá ser outro o entendimento deste Venerando Tribunal senão o de considerar que as expressões utilizadas nos requerimentos apresentados pelo Autor no âmbito do processo n.º 53/2001 do 3.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Ponta Delgada, foram proferidas ao abrigo do direito de crítica, que tem que ser forçosamente ser valorada no contexto de uma defesa necessariamente emotiva, apaixonada, sem que tivesse havido intenção, que não houve, de dirigir à Meritíssima Juiz qualquer ofensa directa, a qual de resto, e objectivamente, não existiu.

  13. O acórdão recorrido, ao subscrever o entendimento do Conselho Superior da Ordem dos Advogados, fez uma errada qualificação dos factos, com inevitáveis consequências ao nível da determinação da pena que foi aplicada ao Autor, razão pela qual deve o mesmo ser revogado e substituído por outro acórdão que julgue não consubstanciarem os escritos em causa qualquer violação do dever geral de urbanidade no exercício da profissão e em relação à Senhora Magistrada titular do processo judicial supra identificado.

  14. Os Meritíssimos Juízes a quo incorreram também em erro de julgamento e de interpretação das normas e deveres deontológicos constantes das alíneas a) e c) do art. 66.º do EOA, ao julgarem, apenas com fundamento no ponto 6. da matéria de facto que deu como provada, e sem maiores considerandos, que bem andou o acórdão do Conselho Superior da Ordem dos Advogados ao considerar que o Autor violou aquelas normas e deveres de forma consciente.

  15. Por via do contrato de prestação de serviços celebrado entre o Autor e T……………. e T………….., ficou estabelecido que caso a acção que lhe foi confiada fosse julgada improcedente não havia lugar a honorários; porém, não ficou estabelecido que caso a acção fosse julgada procedente o cliente teria a pagar ao advogado constituído uma parte do resultado da lide, pelo que é desde logo inequívoco que ao celebrar aquele contrato nos termos em que celebrou, não praticou o Autor qualquer acto susceptível de consubstanciar uma violação da al. c) do art. 66.º do anterior EOA, actual n.º 1 do art. 101.º, tal como este deve ser interpretado tendo em consideração a relação advogado-cliente.

  16. O contrato de prestação de serviços aqui em análise mais não é do que um acordo prévio, previsto no n.º 4 do art.º 65.º do EOA, em que o montante dos honorários fixados – € 7.500,00 – foi encontrado tendo em consideração o tempo gasto, a dificuldade do assunto, a importância do serviço prestado, as posses dos interessados, a praxe do foro, o estilo da comarca e os resultados obtidos.

  17. Ao tempo da celebração, pelo Autor, do contrato de prestação de serviços – Setembro 2002 – é inequívoco que a proibição de pactos de quota litis não abrangia esta situação, pois para além do entendimento adoptado por António Arnaut em anotação ao art.º 66.º al. c) do EOA6, também o Código de Deontologia dos Advogados da União Europeia de 2001 define...

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