Acórdão nº 1895/19.0BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 16 de Abril de 2020

Magistrado ResponsávelCELESTINA CASTANHEIRA
Data da Resolução16 de Abril de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul A..., melhor identificada nos autos veio intentar ação administrativa para reconhecimento de direitos e interesses legalmente protegidos, contra a Caixa Geral de Aposentações, com tramitação urgente, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 48.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, na qual peticiona que seja “declarada a nulidade da decisão de suspensão do pagamento do capital de remição que foi fixado à A. em consequência de acidente de serviço, por inconstitucionalidade do disposto na alínea b) do n.º 1, do artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, mais peticionando, a condenação no reconhecimento do “direito da autora a receber de imediato o valor da pensão fixado”.

Por sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa foi julgada improcedente a presente ação administrativa, com a consequente absolvição da entidade demandada do pedido formulado.

Não se conformando com tal decisão veio a Autora/Recorrente interpor recurso para este TCAS.

A Autora deduziu as suas alegações, tendo formulado as seguintes conclusões: 1. A decisão recorrida, ao julgar improcedente o pedido de anulação do acto administrativo praticado pela Recorrida em 24.10.2018, na parte em que determinou a suspensão do abono de pensão fixado à Recorrente em virtude de acidente de trabalho, interpreta e aplica a alínea b) do n.º 1, e n.ºs 3 e 4, do artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro, na redacção dada pelo artigo 6.º da Lei n.º 11/20014, de 6 de Março, em manifesta violação dos artigos 59.º, n.º 1 alínea f) e 13.º da CRP.

  1. Com efeito, a proibição de acumulação de “rendimentos” prevista no citado normativo, e a decisão judicial que a “avaliza”, viola o direito à justa reparação, consagrado no artigo 59.º, n.º 1, al. f), da CRP, porque ignora que o regime da reparação das lesões e demais danos emergentes de acidente em serviço é um regime de responsabilidade civil objetiva que visa compensar o trabalhador não só pela perda da capacidade de ganho resultante do acidente, mas também pelo esforço adicional que, em condições normais e caso padeça de incapacidade permanente, terá de fazer para auferir a mesma retribuição e realizar as mesmas tarefas.

  2. Ou seja, independentemente de perder ou não capacidade de ganho, a Recorrente sofreu um prejuízo – dores, incómodos, ingestão de medicação, entre outros - na sua vida geral e profissional que nunca sofreria se não tivesse sofrido o acidente, e que ficam sem qualquer reparação, face ao teor da decisão recorrida.

  3. Por outro lado, a referida disposição é, ainda, materialmente inconstitucional, por violar o princípio da igualdade, previsto no art. 13.º, n.º 1 da Const. República Portuguesa, na medida em que estabelece um tratamento diferenciado, em matéria de reparação de danos emergentes de acidente de trabalho, relativamente aos trabalhadores do sector privado.

  4. Pois, cotejando o regime do citado decreto-lei com a Lei dos Acidentes de Trabalho, existe uma injustificável diferenciação de regimes de reparação dos acidentes de trabalho, na medida em que a LAT prevê expressamente no n.º 2 do artigo 51.º, que a pensão por incapacidade permanente é cumulável com qualquer outra.

  5. Assim e por maioria de razão, o despacho de 24.10.2018, proferido pela Recorrida, é também ele ilegal e anulável, por contender com as mencionadas normas constitucionais.

  6. O que impunha a sua anulação e prolação de decisão que julgasse procedente os pedidos formulados pela ora Recorrente, condenando a Recorrida nos exactos termos peticionados.

  7. Deste modo, ao julgar totalmente improcedente a acção proposta pela Recorrente, a douta decisão recorrida violou as disposições dos artigos 13.º, n.º 1 e 59.º, n.º 1, al. f) da Constituição da República Portuguesa, pelo que deve ser revogada e substituída por Douto Acórdão que julgue procedentes os pedidos formulados.

    Notificada a Entidade demandada/recorrida apresentou as suas contra-alegações, deduzindo as seguintes conclusões: 1.ª A sentença recorrida interpretou e aplicou corretamente a norma prevista na alínea b) do nº 1 do artigo 41.º do Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de Novembro.

    1. A Lei nº 11/2014, de 6 de março, alterou a norma prevista no artigo 41.º do Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de novembro, e com essa introdução a possibilidade de acumular prestações periódicas por incapacidade permanente resultante de acidente de trabalho ou de doença profissional na Administração Pública com remuneração e pensão passou a estar mais restringida, assim, a pensão por incapacidade permanente resultante de acidente de trabalho ou doença profissional não é acumulável com a parcela da remuneração correspondente à percentagem de redução permanente da capacidade geral de ganho do trabalhador, em caso de incapacidade permanente parcial resultante de acidente ou doença profissional.

    2. Neste sentido, foi feito um pedido de fiscalização sucessiva ao Tribunal Constitucional pelo Senhor Provedor de Justiça, que por Acórdão nº 786/2017, de 12 de novembro de 2017, decidiu não declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas constantes da alínea b) do n.º 1 e dos n.ºs 3 e 4 - quanto a este último, no segmento em que remete para aquelas normas - do artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, na redação dada pelo artigo 6.º da Lei n.º 11/2014, de 6 de março e por conseguinte, não violam o direito dos trabalhadores à justa reparação, quando vítimas de acidentes de trabalho ou de doença profissional, consagrado no artigo 59.º, nº1, alínea f), da Constituição, nem o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição.

    3. Pelo exposto, a sentença recorrida não violou, pois, qualquer norma ou preceito legal devendo, por isso, manter-se.

    Notificado nos termos e para efeitos do disposto no art.º 146.º do CPTA, o Ministério Público junto deste Tribunal, não emitiu parecer.

    Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, vem o processo submetido à Conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.

    Delimitação do objeto de recurso: O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144.º, n.º 2, e 146.º, n.º 1, do CPTA e dos artigos 608.º, nº 2, 635.º, nºs. 4 e 5, e 639.º, do Código de Processo Civil, aplicáveis por força do disposto no artigo 140.º, n.º 3, do CPTA.

    Questões a apreciar: A questão que importa dirimir é se a decisão recorrida interpreta e aplica a alínea b) do n.º 1, e n.ºs 3 e 4, do artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, na redação dada pelo artigo 6.º da Lei n.º 11/20014, de 6 de março, em violação dos artigos 59º, nº 1 alínea f) e 13º da CRP.

    *** Fundamentação: Os factos Para a decisão do recurso, importa considerar a seguinte matéria de facto fixada na sentença recorrida: a) A autora “no dia 12 de Julho de 2016, foi vítima de um acidente em serviço” (cfr. doc. 1, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido); b) Das lesões sofridas pela A. decorrentes do referido acidente, resultou uma incapacidade parcial de 22.5% (cfr. doc. 2, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido); c) Através de ofício datado de 24/10/2018, foi comunicado à autora a decisão pela Direcção da Caixa Geral de Aposentações com o seguinte teor (cfr. doc. 3, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido): “Comunico a V.Exa. que, por decisão de 2018-10-24, da Direcção da Caixa Geral de Aposentações (Delegação de poderes publicada no DR II Série, n.º 66 de 2018-0404), lhe foi fixada, uma pensão anual vitalícia de € 5 265,29, a que corresponde uma pensão mensal de € 376,09 (€ 5 265,29 / 14), em consequência do acidente em serviço de que foi vítima. Do referido acidente em serviço resultou uma incapacidade permanente parcial, com a desvalorização de 22,5 %, conforme parecer da Junta Médica desta Caixa, homologado por despacho da Direcção da Caixa Geral de Aposentações de 2018- 08-01.

    A pensão mensal, foi calculada nos seguintes termos: Retribuição anual € 33 430,44 Pensão Mensal (€ 5 265,29 / 14) € 376,09 Subsídio Férias (€ 5 265,29 / 14) € 376,09 Subsídio Natal (€ 5 265,29 / 14) € 376,09 Data Início Pensão 2016-07-16.

    O abono da pensão por acidente em serviço/doença profissional agora fixado fica, porém, suspenso, dado que nos termos da alínea b) do n.º 1 do art.º 41.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, na redação dada pelo art.º 6.º da Lei n.º 11/2014, de 6 de março, as prestações por incapacidade permanente resultante de acidente ou doença profissional, não são cumuláveis com a parcela da remuneração correspondente à percentagem de redução permanente na capacidade geral de ganho do trabalhador.” Inexistem outros factos provados ou não provados, que, de acordo com as alegações de facto e de direito constantes nos articulados da presente ação, tenham algum interesse para a decisão da presente decisão.

    Os factos provados assentam na análise crítica dos documentos juntos aos autos, conforme se indica em cada alínea do probatório.

    O direito Considerada a factualidade fixada, importa, analisar os fundamentos do recurso jurisdicional.

    Com a instauração dos presentes autos a Recorrente pretendia que fosse decretada a anulação do ato administrativo praticado pela Recorrida em 24.10.2018, que determinou a suspensão do abono de pensão que lhe fora fixado em virtude de acidente de trabalho.

    A Recorrida fundamentou tal decisão nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 41.º do Decreto Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, na redação dada pelo artigo 6.º da Lei n.º 11/20014, de 6 de março, segundo o qual as prestações por incapacidade permanente resultante de acidente ou doença profissional, não são cumuláveis com a parcela da remuneração correspondente à percentagem de redução permanente na capacidade geral de ganho do trabalhador.

    Decisão que foi mantida na ordem jurídica pelo Tribunal a quo, que...

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