Acórdão nº 8/19.2BCLSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 05 de Março de 2020

Magistrado ResponsávelJORGE CORTÊS
Data da Resolução05 de Março de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acórdão I- Relatório B............., S.A, requereu constituição de Tribunal Arbitral nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro [RJAT], com vista à apreciação da legalidade dos actos tributários de liquidação adicional de IRC n.º ............., relativo ao período de tributação de 2014, que originou a demonstração de acerto de contas n.º ............., no valor de €1.405.215,82, requerendo ainda a condenação da Administração Tributária [AT] no pagamento de juros indemnizatórios.

O CAAD, por decisão de 20 de Dezembro de 2018, julgou improcedente o pedido de pronúncia arbitral.

Nas alegações de fls. 4 e ss., (numeração em formato digital – sitaf), a impugnante formulou as conclusões seguintes: «A. A decisão arbitral impugnada fere, formal e materialmente, o princípio da igualdade das partes e os princípios da imparcialidade e da tutela jurisdicional efectiva.

  1. A parcialidade deste processo encontra-se espelhada, antes de mais, na condução desigual do processo à luz da tramitação prevista no RJAT, conforme demonstrado nas alegações, e que se sintetiza na: i. Atribuição à outra parte (AT) de prerrogativas processuais que extrapolam aquelas que a lei prevê, nomeadamente ao conceder um prazo adicional de resposta de 30 dias sem qualquer fundamento, quer para sua causa, quer para o prazo concedido, a que acresce ter permitido à AT alegar sucessivamente e com mais 10 dias de prazo do que a sua contraparte, mesmo depois da Impugnante ter referido que seria mais equitativo a concessão de um prazo simultâneo; ii. Omissão da ponderação das razões invocadas por uma das partes (a Impugnante); iii. Supressão na selecção da matéria assente e na fundamentação vertida na decisão, sem invocar qualquer motivo justificativo para tal omissão, do conjunto de factos trazido e provado nos autos pela Impugnante.

  2. A decisão que se impugna enferma, assim, de nulidade por violação do princípio da igualdade das partes, exactamente com o alcance previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 28.º do RJAT.

  3. A selecção da matéria relevante, por omitir inúmeros factos importantes na ponderação e apreciação da questão jurídica aqui em discussão – arrolados nos artigos 52.º e ss. – não permite a compreensão das razões que conduziram o Tribunal à decisão, o que compromete irremediavelmente a fundamentação da decisão impugnada.

  4. Essa falta, consubstanciada na não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, na acepção de que a mesma não permite elucidar a motivação que presidiu ao Tribunal para decidir como decidiu, conduz à nulidade da decisão, nos termos e com os efeitos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 28.º do RJAT.

  5. A supressão de factos relevantes da matéria assente constitui, em si mesma, uma omissão de pronúncia, já que recai sobre o Tribunal a ponderação dos factos trazidos ao processo pelas partes, o que implica que a sua desconsideração – e sobretudo a sua exclusão – sejam devidamente explicadas pelo Tribunal, o que não ocorreu.

  6. Acresce que a decisão padece ainda de oposição entre os próprios fundamentos de direito em que se sustenta, ao postular que a garantia de margem operacional mínima pode assegurar rendimentos futuros, mas que o interesse empresarial relevante, para efeitos fiscais, não se compagina com o pagamento de despesas das próprias clientes.

  7. A verdade é que o Tribunal considera que é suficiente a conexão com a actividade empresarial, independentemente da efectiva contribuição para os rendimentos sujeitos a imposto para que os gastos possam ser fiscalmente dedutíveis, e depois, paradoxalmente, exige evidência desta ligação directa dos encargos em causa aos rendimentos da Impugnante, já não se bastando o dito nexo empresarial, o que desde logo configura uma contradição.

    I. Igualmente contraditória é a apreciação e aplicação ao caso sub judice que é feita pela decisão impugnada, do caso “Hummel” (Acórdão do TCAS, de 24 de Junho de 2003, proferido no processo n.º 06350/02), citado tanto na p.i. como nas alegações, explicitada em detalhe nas alegações, para as quais se remete, para além de outros acórdãos, como atestado da oposição frontal da tese da AT com a jurisprudência dos nossos tribunais superiores.

  8. Outra contradição entre fundamentos de direito surge quando, sem qualquer precedente, o Tribunal Arbitral vem dizer que a assunção pela Requerente de encargos de terceiros tem a natureza de um instrumento equivalente à entrada de capitais próprios que incumbiria à sociedade-mãe realizar e através da qual pretende influenciar o resultado líquido imediatamente após ter reconhecido que pode dar-se como aceite a existência de um nexo causal entre os encargos suportados e o interesse empresarial da Requerente, baseando-se num abuso fiscal, que é contraditório com a fundamentação da liquidação no artigo 23º do CIRC e que é ilegal por não seguir o trâmite previsto no artigo 38.º da LGT.

  9. Ao haver, assim, oposição dos fundamentos com a decisão, esta é nula devendo ser declarado nula nos termos previstos na alínea b) do n.º 1 do artigo 28.º do RJAT.

    L. Por fim, a desconsideração da mais de uma dezena de factos da matéria de facto relevante suscita questões jurídicas sobre as quais o acórdão é totalmente omisso, melhor descritas nestas alegações, para as quais se remete, não obstante tais questões constarem do pedido e das alegações e que, nessa medida, careciam de resposta, nomeadamente, a título exemplificativo, (i) a compaginação entre a ideia de que o RA é um esquema contratual para transferir despesas das P………… para a Impugnante e a existência – provada – de fluxos em sentido contrário (rendimentos) se a margem operacional for superior à fixada no contrato, quando essa margem foi testada por uma entidade independente; (ii) a constatação de que a existência de um contrato celebrado com uma empresa independente romena em termos similares ao RA contribuirá para a obtenção de rendimentos; (iii) contrariar que a triplicação das vendas da Impugnante às P………… no período em causa permite presumir que o RA terá efeitos positivos directos na geração de rendimentos tributáveis.

  10. Mais, há duas questões que foram especificamente suscitadas pela Impugnante, quer no pedido quer nas alegações, que a decisão impugnada não defronta: i. A primeira questão, que não mereceu a pronúncia do Tribunal, prende-se com a apreciação daquela que seria a alternativa mais óbvia ao RA - o investimento directo na abertura de novas lojas - que conduziria a que a B&R arcasse com todos os custos locais da expansão internacional que seriam directa e imediatamente dedutíveis em IRC.

    ii. Mais crítico ainda, ficou igualmente por responder a questão suscitada a respeito do entendimento da OCDE quanto ao tratamento fiscal deste tipo de acordos estabelecidos entre empresas de dois ou mais países signatários, o que não é concebível atento o facto de Portugal pertencer a esta organização, com as consequências legais que daí derivam, e que assume especial gravidade na medida em que o Relatório da OCDE alude especificamente a uma situação idêntica àquela que se discutiu nos autos.

    iii. Resulta do referido entendimento ser evidente que, para a OCDE e, em consequência, para a AT, tais acordos devem ser objecto de enquadramento no âmbito do artigo 63.º do Código do IRC e, eventualmente, do artigo 9.º das Convenções sobre Dupla Tributação celebradas por Portugal, ie., no âmbito dos preços de transferência, pelo que a mobilização do artigo 23.º é ilegal na acepção em que visa expurgar fiscalmente os gastos emergentes de operações sem carácter e fim comercial que visam interesses particulares, extra-empresariais e insusceptíveis de gerar rendimentos tributáveis, não obstante o Tribunal vir sustentar que, como o acto de liquidação vem fundamentado nesse artigo 23.º, então só se pode analisar à luz deste normativo.

  11. Em ambos os casos se impunha ao Tribunal Arbitral que explicasse fundamentadamente porque é que especula, para efeitos da aferição de abuso fiscal, que estamos perante um negócio que oculta uma entrada de capital da sociedade mãe da requerente e não perante uma ocultação de um acto mais directo e evidente, a abertura directa pela impugnante de estabelecimentos nos territórios em causa – especulação essa que é já em si, como se viu, totalmente ilegítima e ilegal - sendo que essa falta constitui uma omissão de pronúncia, nos termos previstos na alínea c) do n.º 1 do artigo 28.º do RJAT.

    TERMOS EM QUE, SEMPRE COM O DOUTO SUPRIMENTO DE V. EXAS., DEVE A PRESENTE IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO ARBITRAL SER JULGADA PROCEDENTE, POR PROVADA, E, EM CONSEQUÊNCIA,

  12. SER DECLARADO NULO O PROCESSO ARBITRAL QUE PRECEDE O ACÓRDÃO IMPUGNADO, POR VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE DAS PARTES NOS TERMOS PREVISTOS NO ARTIGO 28.º DO RJAT, E ORDENADA A NOMEAÇÃO DE UM NOVO TRIBUNAL ARBITRAL PARA JULGAR O PEDIDO EM CAUSA, OU SE ASSIM NÃO SE ENTENDER, SER DECLARADO NULO O ACÓRDÃO IMPUGNADO; B) SEM PRESCINDIR, SER DECLARADO NULO O PROCESSO ARBITRAL QUE PRECEDE O ACÓRDÃO IMPUGNADO, POR NÃO ESPECIFICAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DE FACTO E DE DIREITO QUE JUSTIFICAM A DECISÃO, NOS TERMOS PREVISTOS NO ARTIGO 28.º DO RJAT, E ORDENADA A NOMEAÇÃO DE UM NOVO TRIBUNAL ARBITRAL PARA JULGAR O PEDIDO EM CAUSA, OU SE ASSIM NÃO SE ENTENDER, SER DECLARADO NULO O ACÓRDÃO IMPUGNADO; C) SEM PRESCINDIR, SER DECLARADO NULO O PROCESSO ARBITRAL QUE PRECEDE O ACÓRDÃO IMPUGNADO, POR OPOSIÇÃO DOS FUNDAMENTOS COM A DECISÃO, NOS TERMOS PREVISTOS NO ARTIGO 28.º DO RJAT, E ORDENADA A NOMEAÇÃO DE UM NOVO TRIBUNAL ARBITRAL PARA JULGAR O PEDIDO EM CAUSA, OU SE ASSIM NÃO SE ENTENDER, SER DECLARADO NULO O ACÓRDÃO IMPUGNADO; D) SEM PRESCINDIR, SER DECLARADO NULO O PROCESSO ARBITRAL QUE PRECEDE O ACÓRDÃO IMPUGNADO, POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA, NOS TERMOS PREVISTOS NO ARTIGO 28.º DO RJAT, E ORDENADA A NOMEAÇÃO DE UM NOVO TRIBUNAL ARBITRAL PARA JULGAR O PEDIDO EM CAUSA, OU SE ASSIM NÃO SE ENTENDER, SER DECLARADO NULO O ACÓRDÃO IMPUGNADO.» X Nas contra-alegações de fls. 86 e...

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