Acórdão nº 1116/10.0BESNT de Tribunal Central Administrativo Sul, 05 de Março de 2020

Magistrado ResponsávelJORGE CORTÊS
Data da Resolução05 de Março de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acórdão I- Relatório “B…………………………., Lda.” melhor identificada nos autos, veio deduzir IMPUGNAÇÃO JUDICIAL contra os actos de liquidação de IRC e respectivos juros compensatórios referentes ao exercício de 2005, no valor global de €90.510,66, dos quais €78.866,63 referentes a acerto da liquidação e €11.296,29 e €347,74, referentes a juros compensatórios.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, por sentença proferida a fls. 447 e ss., (numeração em formato digital – sitaf), datada de 31 de Dezembro de 2018, julgou improcedente a impugnação.

Nas alegações de fls. 529 e ss., (numeração em formato digital – sitaf), a recorrente, formulou as conclusões seguintes: «

  1. Com base nos fundamentos de facto e de direito alegados, entende a Recorrente que a douta sentença recorrida encontra-se, de forma irremediável, inquinada dos seguintes vícios: a) está ferida de nulidade por falta de fundamentação, ao omitir a indicação dos elementos de prova utilizados para formar a convicção do juiz, bem como ao não proceder à análise crítica da prova; b) está ferida de nulidade por défice instrutório; c) labora em manifesto e grosseiro erro de julgamento por erro na fixação da matéria de facto, quanto aos factos que dá como provados e não provados e que impunham diversa solução de Direito, nomeadamente: • quanto ao valor probatório das declarações da Recorrente, • na distribuição do ónus da prova na comprovação das operações declaradas, • pelo erro ostensivo na apreciação da prova, no que respeita: às facturas emitidas pela C…………….., Lda. quer à Recorrente quer ao B….. e ao contrato de locação financeira n.º ………. celebrado com o B….. e facturas emitidas por esta instituição bancária à Reclamante e por esta pagas, na íntegra, cujos custos foram pura e simplesmente desconsiderados pela AT, não obstante serem documentados por facturas válidas e legais, nunca nenhuma consideração tendo sido tecida sobre as mesmas ou reputadas como sendo “falsas” ou “de favor”.

  2. Não se mostra, desde logo, devidamente fundamentada a sentença recorrida, incorrendo em nulidade (artigos 125.º nº 1 do CPPT e 607.º n.º 4 do CPC), pois revela-se deficiente, ambígua e obscura inviabilizando qualquer juízo inteligível sobre o seu conteúdo, razão pela qual não consegue a Recorrente descortinar que matéria de facto foi dada como provada, bem como o seu cabal exame crítico, adequado a fundamentar a improcedência da impugnação.

  3. Com efeito, sobre a questão da fundamentação da decisão da matéria de facto, vem lapidarmente afirmando a nossa doutrina: “(...) a discriminação rigorosa dos factos provados e não provados e uma motivação clara, adequada e consistente são essenciais para a justa composição do litígio, são essenciais para a realização da justiça fiscal. (…) julgar implica também uma tarefa delicada e complexa que consiste em seleccionar e valorar os factos relevantes para a decisão da causa e enunciá-los como provados ou não provados, motivando a decisão” (15), sendo que, “os enunciados de facto devem ser expressos numa linguagem natural e exacta, de modo a retratar com objectividade a realidade a que respeitam, e devem ser estruturados com correcção sintáctica e propriedade terminológica e semântica.” (16) D) Neste mesmo sentido avança a jurisprudência, remetendo a Recorrente para o decidido no Acórdão do TCAN de 28-01-2016, proferido no Proc. n.º 00479/09.5BEPRT, decisão que, quer pela pertinência do raciocínio, quer pela clareza e pelo acerto da decisão, não pode deixar de se acompanhar de perto e secundar a sua respectiva fundamentação, pouco mais se podendo acrescentar.

  4. Porquanto, esta exigência que concerne à matéria de facto provada “de modo algum se satisfaz com a colagem de diversos elementos que nem sequer internamente se mostram ordenados”, sendo que “com facilidade se encontram exemplos de uma deficiente metodologia na elaboração de decisão judiciais (...) em que é usual a mera transcrição dos factos assentes”. Mais, “o facto provado por documento não corresponde ao próprio documento. Em vez de o juiz se limitar a “dar por reproduzido o teor do documento X”, importa que extracte do mesmo o segmento ou segmentos que sejam concretamente relevantes, assinalando, assim, o específico meio de prova em que se baseou. Imposição que obviamente colide com a pura reprodução de todo o documento (…).” (17).

  5. Confrontada a Recorrente com a douta sentença recorrida, de imediato se evidencia que a Juíza a quo na sua elaboração não cumpriu a exigência de indicação da matéria de facto, optando por seguir a prática censurável de verter nos factos provados o conteúdo do RIT, apresentando na alínea AA) como “factos provados” não “factos” mas “documentos” que integram o PAT, nomeadamente a fotocópia dos pontos III, III-2, III- 3.1, III-3.2, III-4, III-4.1.1, III-4.1.2, III-5 e IX do RIT, os quais integralmente reproduziu, sem indicar, sem discriminar, sem especificar os factos que esse documento comprova (conforme resulta do teor de fls. 11/66 a fls. 46/66 da douta sentença recorrida, ou seja, um total de 30 das 66 páginas da mesma).

  6. Ora, porque, como se sabe, o RIT não está organizado sob a forma de “factos” que permita a sua automática transposição para a sentença (sendo antes uma informação elaborada pelos serviços inspectivos do órgão da execução fiscal, inserida num procedimento administrativo com uma estrutura e uma lógica próprias onde cabem factos, investigações, opiniões, presunções, raciocínios, diligências, conclusões, etc.), ficou a Recorrente sem saber, com clareza e objectividade, quais os factos provados e não provados, apenas se vendo confrontada, de novo, desta feita pela douta sentença recorrida, com a amálgama incontrolada e indiscriminada, sem nexo lógico ou temporal, das investigações, opiniões, presunções, meros raciocínios, diligências, conclusões do inspector tributário, N……………………… (quinta testemunha do processo), relativamente a operações que este considerou simuladas, e que disseminou no RIT que elaborou na sequência da inspecção tributária aos exercícios da Recorrente dos anos de 2002, 2003, 2004, 2005, 2006, 2007 e 2008, em sede de IRC e IVA.

  7. Secundando o Acórdão do TCAN de 28-01-2016, proferido no Proc. n.º 00479/09.5BEPRT, acima citado, que aqui, salvo o devido respeito, pela sua pertinência para o caso em análise, se impõe reproduzir: “8. A prática de verter nos factos provados o conteúdo do relatório da inspecção é uma prática censurável que não cumpre dever de seleção da matéria de facto que deve constar na sentença.

    1. Processualmente é tão errado dar como reproduzidos documentos que constem do processo, como reproduzi-los integralmente sem indicar – discriminar, especificar –, os factos que esses documentos comprovam.

    2. Se o juiz entender que o relatório contém factos que uma vez provados relevam para a decisão (o que sucede na maioria das vezes), deverá cuidadosamente selecioná-los (e só os factos!) descriminando-os por alíneas ou números, refletindo deste modo o dever que a lei impõe às partes na dedução dos factos por artigos (art.º 147º/2; 552º/d) CPC e 108º/1 do CPPT).” I) É NULA a sentença recorrida por omissão relevante de factos, pois, não só, não foram estes especificamente autonomizados na decisão da matéria de facto, como também, não se encontram os mesmos referenciados e analisados na discussão jurídica da causa.

  8. Dá eco deste entendimento a jurisprudência, podendo citar-se, a título ilustrativo, os Acórdãos do TCAN de 28-01-2016, Proc. n.º 00831/06.8BEPEN, Relatora Paula Moura Teixeira, e de 25-05-2016, Proc. n.º 00724/04.3BEVIS, Relator Mário Rebelo, disponíveis em www.dgsi.pt.

  9. Em concreto, encontra-se irremediavelmente viciada a sentença POR OMISSÃO DE ESPECIFICAÇÃO E PONDERAÇÃO DE FACTOS ESSENCIAL PARA A DECISÃO no que concerne: - Facturas n.º 121/04, de 06/08/2004, e n.º 122/04, de 06/08/2004, facturas emitidas por C…………………, Lda. ao B…… – cf. alíneas L) dos factos provados (a fls. 8/66 da sentença) - aos custos e amortizações das facturas de rendas do contrato de leasing emitidas pelo B…… , no valor de €246.312,51, no período em discussão nos autos e que deram origem às liquidações impugnadas, tratando-se de matéria relevante para a boa decisão da causa, deveria ter sido especificada e devidamente ponderada pelo Tribunal, todavia, a sentença é totalmente omissa no que respeita a este facto (note-se que, a fls. 4/66 e 5/66, nas alíneas F) e G) dos factos provados referente aos extratos de conta-corrente na contabilidade da Recorrente referente ao Contrato B….. Leasing, apenas se dá como provado os valores inscritos no ano 2004); - às facturas alegadamente “falsas” que originaram a correcção para o exercício de 2015 no valor de €50.000,00; - à alínea J) dos factos provados, dando como provado que a avaliação dos bens em questão (nomeadamente, os listados na alíneas H) e I) dos factos provados) foi, em 27 de Julho de 2004, feita por uma entidade avaliadora independente, a F……………, Lda., a qual se deslocou aos estaleiros de Via Longa, Mira Flores e Malveira onde os equipamentos se localizavam, podendo observá-los e atribuir-lhes um valor provável de venda (sendo que, foram precisamente estes valores desta avaliação da que serviram de base ao contrato de leasing celebrado pela Recorrente com o B….., em 6 de Agosto de 2014, conforme alínea K) dos factos provados), sendo a motivação da sentença totalmente omissa no que consta a este facto provado.

  10. Conclui-se, assim, que não demonstrou o Tribunal a quo o empenho minimamente exigido na sua explicitação, olvidando-se que enumerar significa, discriminar e especificar esses factos um a um, ou seja, expô-los como partes de um todo, para que possa ser alcançada a certeza de que todos foram ponderados e decididos pelo Tribunal, vindo antes: (i) apresentar uma motivação incipiente e subjugada in totum à “tese” plasmada no RIT (com efeito, o que lemos na motivação da douta sentença mais não é do que um relato enfatizado do RIT feito pela Juíza a quo...

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