Acórdão nº 2014/18.5BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 27 de Fevereiro de 2020

Magistrado ResponsávelCRISTINA SANTOS
Data da Resolução27 de Fevereiro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

M….., Lda., com os sinais nos autos, não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa dela vem recorrer, concluindo como segue: Da nulidade do processo: a. Pela Sentença ora recorrida, foi o presente processo de contencioso pré- contratual julgado totalmente improcedente, tendo sido condenada a A., agora Recorrente, em custas; b. Decidiu tal Sentença proferida pelo Tribunal a quo que, não tendo existido caducidade da acção proposta, a R. Universidade Nova de Lisboa não violou qualquer norma legal ao proferir o Relatório Final que excluiu a A. como concorrente aos lotes 2,7, 8 e 28 do Concurso Público n.

.....

/FCM- UNL/2018 para a aquisição, por lotes, de equipamentos para novos programas de formação avançada na área da saúde da mulher, da criança e do adolescente, tendo a mesma, supostamente, actuado dentro da discricionariedade administrativa no sentido de decidir tal exclusão com base na falta das características técnicas mínimas indicadas no caderno de encargos.

c. Salvo o devido respeito, a ora recorrente não se conforma e discorda frontalmente da decisão judicial ora proferida, conforme infra se discorrerá.

d. O processo de contencioso pré-contratual obedece à tramitação estabelecida no capitulo III do título II do CPTA, com as especificidades previstas no artigo 102° do CPTA.

e. Como resulta dos autos, a Petição Inicial deu entrada em juizo no dia 01 de Novembro de 2018, através da qual a Recorrente expôs os factos que considerava essenciais à sua causa de pedir, expôs as razões de direito que serviam de fundamento à acção, formulou o pedido e juntou prova testemunhal e documental.

f. A Ré Universidade Nova de Lisboa e a contra-interessada S….., Lda deduziram contestação e, com os seus articulados, arrolaram testemunhas e juntaram documentos.

g. A Recorrente deduziu Réplica, respondendo por esta via processual às excepções deduzidas na contestação.

h. Concomitante e simultaneamente à apresentação dos articulados, foi deduzido pela Ré UNL um incidente de cancelamento da suspensão automática dos efeitos legalmente prevista no artigo 103o-A do CPTA, i. Incidente esse ao qual a Recorrente respondeu, pugnando pela manutenção da suspensão dos efeitos prevista na Lei.

j. Como se disse e repete-se, nos seus articulados, quer a nível dos autos de contencioso pré-contratual, quer ao nível do incidente deduzido, as partes juntaram prova documental, bem como indicaram prova testemunhal a ser produzida em ambos.

k. - l. No dia 10 de Janeiro de 2019, o Tribunal a quo profere o seguinte Despacho: “Reqs. de 26.11.2018 e de 21.12.2018: Notifique a Autora e a Universidade Nova de Lisboa para indicarem a que factos constantes dos articulados supra enunciados pretendem a produção de prova testemunhal, sendo que a UNL deverá ainda indicar concretamente quando termina a final o período de 12 meses de execução material e financeira da operação a contar da data da celebração do contrato de financiamento, pois que, ao que parece, já havia terminado no dia 31.07.2018 tendo sido requeridos dois pedidos de prorrogação desse prazo mas desconhecendo-se qual o dia limite para poder a operação ser concluída sem perda do apoio financeiro concedido. Prazo: 5 dias”.

m. Tendo tal Despacho sido notificado às partes em 14 de Janeiro de 2019, ambas responderam indicando os factos que consideravam pertinentes para produção de prova testemunhal, n. Posteriormente, apenas foi proferido Despacho pelo Tribunal a quo, notificado às partes em 27 de Março de 2019, no sentido de as mesmas juntarem aos autos suporte informático (editável, em CD-Rom) dos articulados apresentados e do Processo Administrativo, o que foi cumprido.

o. Tendo o processo sido concluso em 08 de Abril de 2019, certo é que apenas veio a ser proferida a Sentença de que ora se recorre, tendo a mesma sido notificada às partes em 29 de Julho de 2019, cerca de nove meses após a entrada em juizo da acção.

p. Por força do disposto no artigo 87° do CPTA, findos os articulados o processo é concluso ao juiz, que, sendo caso disso, profere despacho pré- saneador.

q. Não havendo lugar às diligências previstas no referido artigo 87° do CPTA devia a senhora juíza ter convocado a Audiência Prévia prevista no artigo 87º- A do CPTA, nomeadamente para realizar tentativa de conciliação, e, essencialmente, para facultar às partes a discussão de facto e de direito, se porventura tencionasse conhecer imediatamente do mérito da causa.

r. A Audiência Prévia era uma fase processual obrigatória, na medida em que não se verificavam quaisquer razões legais — artigo 87°-B — para a não realização da referida Audiência Prévia.

s. Nessa Audiência Prévia a senhora juíza podia e devia proferir de imediato despacho saneador, não só para conhecer das excepções dilatórias deduzidas (intempestividade da prática do acto processual — n° 4, alínea k) do artigo 89° ), ou conhecer total ou parcialmente do mérito da causa alínea b) do n° 1 do CPTA.

t. Não tendo dado cumprimento à tramitação supra referenciada, à senhora juiza não restava outra opção que não fosse a de marcar data para a realização de audiência final para, entre outros, se proceder à inquirição das testemunhas arroladas e às alegações orais pelos mandatários forenses das partes, com vista a ser proferida sentença, no prazo de quinze dias após a audiência final.

u. Com todo o devido respeito, foi uma conduta que violou ostensivamente os princípios da boa-gestão processual e da igualdade de “armas” a que o Tribunal se encontra vinculado.

v. Acresce ainda que, como se supra se referiu, a Universidade Nova de Lisboa suscitou o incidente de levantamento do efeito suspensivo automático previsto no artigo 103°-A do CPTA, estando a senhora Juiza vinculada a decidir tal incidente no prazo máximo de dez dias, o que igualmente não foi objecto de qualquer decisão.

w. Também, nunca foi proferido qualquer Despacho no sentido de as partes se pronunciarem acerca de uma eventual dispensa da produção de prova testemunhal.

x. Prova essa que, num processo de contencioso pré-contratual em que existe uma matéria fáctica de extrema complexidade técnico ou científica, afigura-se como essencial na medida em que a demonstração dos factos alegados, fica inelutavelmente precludida.

y. Se tanto a Ré UNL como a Recorrente arrolaram como testemunhas conceituados professores e outros “experts” com conhecimentos específicos e técnicos sobre a matéria em apreciação no caso sub iudice, consideramos inequívoco que tal produção teria sido essencial no sentido de demonstrar que os requisitos mínimos fixados pela entidade adjudicante seriam cumpridos pela ora recorrente.

z. Destarte, impunha-se nos presentes autos a realização de audiência de discussão e julgamento, para que se pudesse realizar a produção de prova, bem como serem proclamadas as respectivas alegações.

aa. A natureza jurídica da prova testemunhal (tal como a prova pericial ou o depoimento de parte, para referir as mais comuns) obriga a que no domínio do CPTA e ressalvadas as especialidades legalmente previstas (inquirição por deprecada, produção antecipada, etc.), as instâncias de inquirição das testemunhas arroladas decorram em audiência de discussão e julgamento, conforme disposto no art° 604°, n° 3, alínea d) do CPC ex vi, do disposto no artigo Io do CPTA, na medida em que é um regime subsidiário.

ab. Efectivamente, na presente acção de contencioso pré-contratual, a seguir à fase dos articulados, foi desde logo proferida Sentença de mérito, sem se sequer ter sido convocada Audiência Prévia ou proferido Despacho Saneador.

ac. Cabe aqui citar Ihering, “a forma é a inimiga jurada do arbítrio, a irmã gémea da liberdade” mas, ainda que não se votasse pela metáfora da gémea da liberdade - a liberdade, além da forma, tem que se reportar a um conteúdo substantivo concreto ~, não se duvida de que a forma é inimiga do arbítrio, tanto mais que, como é sabido, é através da observância dos requisitos de forma estabelecidos pela lei que o direito adjectivo assegura a tutela da vontade das partes; dito de modo pertinente, “(..) a observância do formalismo estabelecido pela lei torna, se mais, o acto operativo dos efeitos que a lei lhe atribui (..)”, os efeitos são, assim, ex lege e não ex voluntate — In Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, relativo ao processo 03029/07, de 19.12.2007, disponível em www.dgsi.pt .

ad. Assim sendo, resulta claro que o Tribunal a quo selecionou apenas per si, qual a matéria de facto dada como assente sem dar possibilidade às partes de discutirem de facto e de direito o objecto da lide, ou no caso de entender não realizar a Audiência Prévia, essa dispensa tinha obrigatoriamente de ser notificadas às partes, nos termos do artigo 87°-B do CPTA, para que, no limite legal, pudessem elas próprias requerer a Audiência Prévia.

ae. Aliás, basta ler com atenção os factos dados como provados pela Senhora Juiza para se verificar que os factos foram apenas o que constam do Processo Administrativo, ou seja Caderno de Encargos, Programa do Concurso, Relatório Preliminar e Final do Júri do Concurso, fazendo tábua rasa de tudo o que foi alegado pela Recorrente, designadamente os documentos e as brochuras técnicas em que se demonstra à saciedade que os simuladores propostos pela Recorrente têm as caracteristicas técnicas mínimas enunciadas no Caderno de Encargos e funcionalmente semelhantes aos escolhidos pelo júri do Concurso. af. Ora, a preterição de todos os actos processuais — violação reiterada da tramitação do processo de contencioso pré-contratual, artigos 102°, 87° a 91° do CPTA — configura a nulidade processual prevista no artigo 195°, n° 1 do CPC, ou seja, a omissão de formalidades que o CPTA prescreve, uma vez que as irregularidades cometidas influiram objectivamente no exame e na decisão da causa.

ag. Assim sendo, deve o Douto Tribunal ad quem anular todos os actos processuais subsequentes aos articulados, repondo a tramitação processual...

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