Acórdão nº 1966/19.2BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 27 de Fevereiro de 2020

Magistrado ResponsávelCELESTINA CASTANHEIRA
Data da Resolução27 de Fevereiro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul Relatório: S......, com os demais sinais nos autos, veio intentar o presente processo urgente contra o Ministério da Administração Interna, peticionando a anulação da decisão impugnada, que considerou inadmissível o pedido de proteção internacional formulado pelo Autor e determinou a sua transferência para a Noruega, devendo o Estado Português ser obrigado a analisar o pedido do Autor, nos termos da Lei nº 27/2008, de 30 de junho.

Por sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa foi julgada improcedente a presente ação e, em consequência, foi absolvida a Entidade demandada do pedido.

Não se conformando com tal decisão veio o Autor interpor recurso para este TCAS.

Deduziu o Autor as suas alegações, tendo formulado as seguintes conclusões: 1º O A invocou o art. 18º, nº 3, in fine do Regulamento 604/2013, na medida em que já foi alvo de uma decisão de afastamento coercivo na Noruega e tem assim direito a ver apreciado um novo pedido em Portugal.

  1. O A não deverá ser retomado a cargo na Noruega, por falta de garantias de que não será expulso desse país, para um país não desejável.

  2. Não há garantias que a Noruega o expulse coercivamente para a Somália, seu país natal, onde poderá ser alvo ofensa à integridade física ou morte.

  3. A decisão de transferência da responsabilidade, desrespeita as garantias do requerente na medida em que o procedimento de asilo e as condições de acolhimento na Noruega implicam tratamento desumano ou degradante e risco objetivo de reenvio para o país de origem.

  4. Embora pertença ao SEF assegurar a execução da transferência do requerente de protecção internacional, nos termos do disposto no art. 38º da Lei nº 27/2008, tal princípio vai contra as garantias do A, dado que já existe uma decisão de afastamento do A na Noruega, e este será forçosamente mandado de volta para a Somália.

  5. De facto a Noruega, praticou a Eugenia compulsiva, com a finalidade de atingir uma purificação genética, de 1934 até 1976, à semelhança do III Reich, e não é modelo na execução dos Direitos Humanos.

  6. Estes são elementos sérios para crer que há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes na Noruega.

Notificada a Entidade recorrida não apresentou contra-alegações.

Notificado nos termos e para efeitos do disposto no art.º 146.º do CPTA, o Ministério Público junto deste Tribunal, não emitiu parecer.

Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, vem o processo submetido à Conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.

Delimitação do objeto de recurso: O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144.º, n.º 2, e 146.º, n.º 1, do CPTA e dos artigos 608.º, nº 2, 635.º, nºs. 4 e 5, e 639.º, do Código de Processo Civil, aplicáveis por força do disposto no artigo 140.º, n.º 3, do CPTA.

Importa apreciar se existe erro de julgamento por a decisão de transferência da responsabilidade, desrespeitar as garantias do requerente na medida em que o procedimento de asilo e as condições de acolhimento na Noruega implicam tratamento desumano ou degradante e risco objetivo de reenvio para o país de origem, dado que já existe uma decisão de afastamento do A na Noruega.

Invoca o Recorrente o art. 18º, nº 3, in fine do Regulamento 604/2013, na medida em que já foi alvo de uma decisão de afastamento coercivo na Noruega e tem assim direito a ver apreciado um novo pedido em Portugal.

*** Fundamentação: Os factos Para a decisão do recurso, importa considerar a seguinte matéria de facto fixada na sentença recorrida: 1) O Autor, nacional da Somália, foi interceptado no Aeroporto de Lisboa, em 02/10/2019, na posse de documento de viagem alheio – cfr. fls. 3 e seguintes do PA junto aos autos; 2) Na sequência da intercepção referida no ponto antecedente, o ora Autor foi detido e constituído arguido – cfr. fls. 18 e seguintes do PA junto aos autos; 3) Em 04/10/2019, o ora Autor prestou declarações no âmbito do processo de afastamento coercivo nº 318/2019, nos termos do instrumento de fls. 43-46 do PA junto aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido e do qual se extrai, designadamente, o seguinte: “(…) – Quando é que chegou a Portugal? Cheguei a Portugal no dia 29-09-2019 proveniente de Copenhaga-Dinamarca. Viajei via aérea da Dinamarca para Portugal na posse de um passaporte sueco alheio, que comprei na Suécia (…).

- Qual a sua intenção quando veio para Portugal? Era embarcar para o Canadá. Tenho amigos no Canadá que me disseram que este país acolhia os refugiados.

- Tem familiares em Portugal? Não. Não tenho em nenhum país da Europa.

- Qual o seu estado civil e se tem filhos nascidos em Portugal? Sou casado e tenho três filhos. A minha família vive na Somália.

- Alguma vez esteve em situação regular, ou tentou regularizar a sua situação em Portugal ou em outro país da Europa? Nunca estive em situação regular na Europa. Solicitei asilo na Dinamarca e na Noruega, mas ambos os países recusaram o pedido de asilo.

- Tem documento válido? Não. Desde que nasci nunca tive documentos de identificação.

- Tem condições económicas para custear a sua viagem de regresso ao seu país de origem? Não tenho dinheiro. (…) - Tem problemas de saúde? Não (…) - Perante uma eventual decisão de expulsão a decretar pelo Exmo. Sr. Diretor Nacional do SEF, aceita regressar ao seu país de origem? Não aceito. Se me enviarem para a Somália serei morto pelos terroristas (…) - Aceita regressar à Noruega ou Dinamarca? Não. Porque estes países não aceitaram o meu pedido de asilo. (…)” – cfr. fls. 43-46 do PA junto aos autos; 4) O Autor apresentou um pedido de protecção internacional em Portugal em 04/10/2019 – cfr. fls. 53 do PA junto aos autos; 5) Em 12/04/2016, o Autor apresentou um pedido de protecção internacional na Noruega, tendo as suas impressões digitais sido recolhidas e inseridas na base de dados EURODAC – cfr. fls. 49 e 52 do PA junto aos autos; 6) Em 09/10/2019, foi realizada uma entrevista com o ora Autor, nos termos do instrumento de fls. 60-68 do PA junto aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido e do qual se extrai, designadamente, o seguinte: “(…) “(texto integral no...

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