Acórdão nº 1070/19.3BEBJA de Tribunal Central Administrativo Sul, 27 de Fevereiro de 2020
Magistrado Responsável | PAULA DE FERREIRINHA LOUREIRO |
Data da Resolução | 27 de Fevereiro de 2020 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
Acordam, em Conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. RELATÓRIO O Ministério da Educação (Recorrente), vem interpor recurso jurisdicional dos despachos proferidos pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja em 07/06/2019 e 03/07/2019 que, no âmbito da intimação para prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões intentada por Sofia ..... (Recorrida), condenaram, num primeiro momento, o Ministro da Educação no pagamento de sanção pecuniária compulsória e, num segundo momento, consideraram cumprida a intimação e mantiveram a sanção pecuniária compulsória fixada por despacho de 07/06/2019, referente ao período temporal de 27/05/2019 a 19/06/2019.
As alegações do recurso que apresenta culminam com as seguintes conclusões: “Em Conclusão:
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O presente recurso tem por objeto o despacho de 7 de junho de 2019, que aplica, sem prévias indagações, a S.Exª o Ministro da Educação sanção pecuniária compulsória por alegado incumprimento, sem justificação, da intimação ordenada, e o segmento da decisão de 3 de julho de 2019 que julgou verificar-se nos presentes autos incumprimento, sem justificação aceitável, da intimação ordenada, entre 27/05/2019 e 19/06/2019, mantendo a condenação no pagamento de sanção pecuniária compulsória, respeitante ao referido período, versando sobre as seguintes questões: i) Nulidade da decisão: - Por violação do dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais previsto no artigo 205°, n°1 da Constituição da República Portuguesa (CRP), artigos 154°, n°1 e 615, n°1, alínea b) do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi artigo 1° do CPTA, por não se encontrar fundamentada, de facto e de direito, a data de 27/05/2019, a partir da qual considerou o Douto Tribunal encontra-se o Recorrente em incumprimento, verificando-se ainda violação dos prazos processuais e procedimentais aplicáveis; - Por violação do direito ao contraditório, atenta a inobservância da realização de audição prévia, exigível, previamente à aplicação da sanção pecuniária compulsória, violando-se ainda o direito fundamental de acesso ao direito e de tutela jurisdicional efetiva; ii) Vicio de violação de lei processual, designadamente por erro de interpretação e de aplicação do n°2 do artigo 108° e artigo 169°, ambos do CPTA.
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A douta decisão de 7 de junho de 2019, mantida por despacho de 3 de julho de 2019 é nula nos termos da alínea b) do n°1 do artigo 615° do CPC, por considerar verificar-se incumprimento, sem justificação, da intimação ordenada, desde o dia 27/05/2019, sem que, para tanto, haja fundamentado de facto e de direito, tal decisão, desconhecendo o Recorrente os fundamentos determinantes para a fixação de tal data, a qual foi definida em clara violação do disposto quer na lei processual - artigo 160° do CPTA, quer na lei substantiva - artigo 87° do CPA.
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Com efeito, em 14/05/2019 foi o Recorrente notificado da sentença proferida nos presentes autos de intimação para prestação de informações e passagem de certidões, que julgou parcialmente procedente a intimação, com a cominação de, não sendo a mesma cumprida dentro do prazo de 10 dias, ser aplicada sanção pecuniária compulsória.
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Tendo tal sentença sido parcialmente desfavorável a cada uma das partes em juízo, nada obstava a que, por com a mesma não se conformar, qualquer uma, ou ambas, interpusesse o competente recurso jurisdicional, conforme permitem e preveem os artigos 140º, 141º, n°1, 142° e 147°, todos do CPTA, tanto mais que, atento o critério supletivo plasmado nos n°s 2 e 3 do artigo 34° do CPTA, quando o valor da causa seja indeterminável, como é o caso dos presentes autos, considera-se superior ao da alçada do Tribunal Central Administrativo, dele cabendo sempre recurso de apelação.
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Decorrendo expressamente do n°1 do artigo 160° do CPTA que “Os prazos dentro dos quais se impõe à Administração a execução das sentenças proferidas pelos tribunais administrativos correm a partir do respetivo trânsito em julgado”, considerando-se transitada em julgado a decisão logo que a mesma não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação - Cfr. artigo 628° do CPC, aplicável ex vi artigo 1° do CPTA.
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Referem a este propósito Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, pg. 796-797, em anotação ao artigo 160°, que “Por regra, os recursos das decisões proferidas pelos tribunais administrativos têm efeito suspensivo: Cfr. artigo 143°, n°1. Compreende-se, por isso, que a Administração também só tenha, por regra, de cumprir os deveres que delas decorrem - executar as sentenças, na terminologia da lei - a partir do respetivo transito em julgado: cfr. artigo 160°, n°1. Só a partir desse momento se lhe impõe, na verdade, o princípio da obrigatoriedade das decisões judiciais (cfr. artigo 158°, n°1). ” G) Destarte, tendo a sentença proferida nos autos sido notificada ao Recorrente em 14/05/2019, a mesma apenas transitou em julgado em 29/5/2019, sendo a partir dessa data que se iniciou o prazo para cumprimento da sentença condenatória proferida nos autos.
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Prazo esse que, por se tratar de um prazo procedimental e não processual, haverá de contar-se em dias úteis e não corridos, tal como decorre do artigo 87° do CPA, e que apenas terminou no dia 13/06/2019.
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Dispunha, assim, o Recorrente, até ao dia 13/06/2019 para proceder à emissão da certidão, objeto da intimação - No sentido defendido, veja-se o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 24/02/2016, proferido no Processo n° 12141/15, quando conclui “I - No art° 108° n° 1 CPTA o legislador consignou o prazo máximo de 10 dias úteis para as situações regra que não envolvem um esforço desproporcionado, em juízo de correlação fundada nos meios de execução da intimação de acesso a documentos e atendendo à forma do acesso requerida pelo interessado, (...)”, lendo-se no respetivo corpo, ser o prazo de 10 dias previsto no artigo 108° do CPTA computado em dias úteis, ou seja, de segunda a sexta-feira “(...) em via de tempo de trabalho diário normal a função pública não trabalha aos sábados e domingos (...)”. (sublinhado nosso) J) Donde, quando, em 27/05/2019, o Recorrente procedeu à emissão da certidão, nos precisos termos determinados na sentença proferida nos autos, remetendo-a à Intimante com conhecimento à respetiva Mandatária Judicial, tal como o douto despacho prolatado em 3/07/2019 pela Mmª Juiz a quo reconhece, fê-lo dentro do prazo legal.
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Dúvidas não existem de que o Recorrente cumpriu voluntária e tempestivamente a condenação judicial, e fê-lo, ainda antes de se encontrar transitada em julgado a decisão condenatória.
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Não logrando o douto Tribunal a quo fundamentar, quer de facto quer de direito, nos despachos recorridos, em que sustenta a sua convicção para considerar ter o Recorrente entrado em incumprimento, não justificável, suscetível de provocar o incidente previsto no n°2 do artigo 108º do CPTA, em 27/05/2019, quando ainda se encontrava a decorrer o prazo legal para as partes, querendo, interporem recurso jurisdicional da decisão que, por tal facto, ainda não havia transitado em julgado.
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Verificando-se que a douta decisão do Tribunal a quo, ao determinar o dia 27/05/2019 como início do prazo de incumprimento da Recorrente, para além de nula nos termos da alínea b) do n°1 do artigo 615° do CPC, ex vi artigo 1° do CPTA, por violação do dever de fundamentar previsto no artigo 205°, n°1 da CRP e artigo 154°, n°1 do CPC, enferma de vicio de violação de lei por incorreta interpretação e aplicação do prazo processual previsto no artigo 160° do CPTA e do prazo procedimental previsto no artigo 87° do CPA, violando ainda o direito fundamental de acesso ao direito e de tutela jurisdicional efetiva, que na nossa Constituição tem uma consagração unívoca, como decorre do seu artigo 20°.
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Os doutos despachos recorridos são de igual forma nulos por violação do direito ao contraditório, atenta a inobservância da realização de audição prévia, exigível, previamente à aplicação da sanção pecuniária compulsória, em manifesta violação do direito fundamental de acesso ao direito e de tutela jurisdicional efetiva.
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Efetivamente, por despacho de 7/06/2019, mantido por despacho de 3/07/2019, foi S. Exª o Ministro da Educação condenado no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso que, para além do prazo limite estabelecido, se viesse a verificar na execução da sentença, considerando o douto Tribunal a quo verificado um incumprimento, sem justificação, entre os dias 27/05/2019 e 19/06/2019.
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Sucede que o despacho sancionador de 7/6/2019 foi proferido sem que tivesse sido desenvolvida qualquer averiguação prévia aos factos e sem que tivesse sido suscitado o incidente de incumprimento, previsto no n°2 do artigo 108° do CPTA por parte da Intimante que, devidamente notificada (em 29/05/2019) da certidão emitida em cumprimento da douta sentença proferida nos autos, nada disse ou promoveu (apenas o tendo feito já no âmbito do presente incidente e, conforme provado nos autos, sem razão).
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Ora, sendo certo que a sanção pecuniária compulsória, prevista no n°2 do artigo 108° e artigo 169°, ambos do CPTA, destinada a impelir o cumprimento da intimação, não está sujeita ao princípio do dispositivo, podendo ter lugar por iniciativa oficiosa, tal não obsta a que haja uma prévia, e necessária, averiguação dos factos.
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O princípio do contraditório, enquanto princípio estruturante do processo, decorre expressamente do n°3 do artigo 3º do CPC aplicável ex vi do artigo 1º do CPTA, de acordo com o qual “o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”...
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