Acórdão nº 02588/12.4BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 28 de Fevereiro de 2020

Magistrado ResponsávelRicardo de Oliveira e Sousa
Data da Resolução28 de Fevereiro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:* *I – RELATÓRIO MUNICÍPIO DO (...), com os sinais dos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença promanada pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 08.07.2018, promanada no âmbito da Ação Administrativa Especial intentada por B., LDA.

, contra o aqui Recorrente, que julgou a presente ação procedente e, em consequência, anulou o despacho do Vereador do Pelouro da Proteção Civil, Fiscalização e Juventude da Câmara Municipal do (...), datado de 23/5/2012, proferido no âmbito do Processo Camarário com o n° 73485/10/CMP, que ordenou a realização de trabalhos de correção/alteração de obra executada no imóvel sito na Rua (...), n°(…), (…), (...).

Alegando, o Recorrente concluiu nos seguintes termos, que delimitam o objeto do recurso:“(…) A. A sentença do tribunal a quo, para sustentar o sentido da decisão que ora se coloca em crise, entendeu que o ato impugnado deveria ser anulado porquanto padece de dois erros nos pressupostos , a saber: i)“o ato impugnado ordenou a correção/alteração das obras no pressuposto de que todas haviam sido efetuadas pela Autora” ; e ii) o ato impugnado “tem como pressuposto o indeferimento liminar do pedido de legalidade de obras realizadas com base na ausência desta autorização de dois terços do valor total do prédio e que a inexistência desta autorização não podia, como foi, ser determinante desse indeferimento” .

  1. Contudo, a sentença enferma dos vícios de erro de julgamento - quanto aos dois referidos erros nos pressupostos -, bem como de errónea interpretação e aplicação das normas jurídicas - nomeadamente do artigo 1422°, n° 3 do Código Civil e do artigo 106° do RJUE (e do princípio da proporcionalidade que lá consta).

  2. Os serviços do Recorrente foram avisados da existência de obras em curso no 8° andar direito do prédio sito na Rua (...), nesta cidade do (...). Nessa sequência, foram promovidas inspeções ao local em 11 e 12 de agosto de 2010, nas quais se confirmaram a existência dessas obras.

  3. Verificou-se que as obras estavam na fase de acabamento, estando a estrutura toda executada. Existia uma alteração da compartimentação interior, pela deslocação de algumas portas no interior da habitação. Existia uma alteração do sentido das escadas que permitem o acesso ao duplex (9° andar). Existia alteração de fachada por diversas razões, e foram ainda obras de construção - cfr. fls. 27 e seguintes do PA.

  4. Entendeu o tribunal a quo “o ato impugnado ordenou a correção/alteração das obras no pressuposto de que todas haviam sido efetuadas pela Autora” .

  5. Ora, a pergunta que se impõe é a seguinte: e se as obras não foram todas realizadas pela Autora, não deverá ser notificada com vista à reposição da legalidade? G. Isto é, se os serviços municipais se depararem com uma ilegalidade urbanística, devem providenciar pela reposição da legalidade ou, como parece defender a decisão judicial em apreço, terá que descobrir/apurar os responsáveis por essa obra.

  6. O entendimento do Recorrente é muito claro: quando existe uma situação que consubstancia uma ilegalidade urbanística, o proprietário é, em primeira linha, responsável pela reposição da legalidade urbanística, adotando voluntariamente as medidas ordenadas pela administração municipal.

    1. Para o Recorrente não é relevante saber se todas as obras foram realizadas pela Recorrida, porquanto pretende apenas a reposição da legalidade urbanística - conformação do edificado com o projeto aprovado -, através da legalização das obras (quando tal for possível) ou da realização voluntária dos trabalhos de correção ou alteração ordenados.

  7. Da consulta do PA, verifica-se que a Recorrida deu entrada, em 5 de novembro de 2010, de um processo de legalização (NUD 98575/01/CMP), que foi rejeitado liminarmente por despacho do Diretor de Departamento Municipal de Gestão Urbanística de 22 de dezembro de 2011.

  8. Mas será que existe um erro nos pressupostos quando os serviços municipais indeferem liminarmente um pedido de legalização de obras com base na ausência desta autorização de dois terços do valor total do prédio? L. Recorde-se a este propósito que o que estava em causa era a modificação da linha arquitetónica do prédio, situação que se subsume no n° 3 do artigo 1422° do Código Civil. Disposição legal essa que a tribunal a quo não deu, a nosso ver, a devida importância.

  9. Contudo, importa sublinhar que o dito artigo 1422° do Código Civil, cuja epígrafe refere “Limitação ao exercício de direitos” - o que só por si sugere desde logo uma restrição aos proprietários de frações - refere no seu n° 3 que: “As obras que modifiquem a linha arquitetónica ou o arranjo estético do edifício podem ser realizadas se para tal se obtiver prévia autorização da assembleia de condóminos, aprovada por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio”. Foi com este fundamento legal que o Recorrente indeferiu liminarmente o pedido de legalização das obras, por manifesta falta de legitimidade da Recorrida, não se vislumbrando qualquer erro nos pressupostos da atuação municipal.

  10. Se a lei é clara e a Recorrida bem sabia que necessitava de “prévia autorização da assembleia de condóminos, aprovada por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio”, e não a tinha obtida, deveria o Recorrente ter apreciado um pedido para o qual sabia que a Recorrida não tinha legitimidade e ao qual não podia dar sequência? A resposta é necessariamente negativa, sob pena de os serviços municipais não cumprirem o princípio da legalidade.

  11. No limite e como derradeiro argumento, sempre se dirá que a sentença recorrida, ao socorrer-se de uma interpretação baseada no artigo 11° da Portaria n° 232/2008, de 11 de março, está a desconsiderar uma disposição legal oriunda do Código Civil, aprovado por Decreto-Lei, que, como se sabe, ocupa um lugar superior na hierarquia das normas jurídicas portuguesas.

  12. Verifica-se assim um vício de erro de julgamento e uma errónea interpretação e aplicação do artigo 1422°, n° 3 do Código Civil, na sentença recorrida.

  13. Seguindo o raciocínio acima expendido, não restava outro caminho ao Recorrente que não fosse ordenar o ato administrativo que a Recorrida colocou em crise, uma vez que se verifica a existência de obras ilegais e que tal informação “desperta” as suas competências fiscalizadoras no que se refere à reposição da legalidade urbanística.

  14. Na verdade, a situação em apreço implica essa demolição, prevista no artigo 106° do RJUE, tratando-se, reitera-se, do único caminho que a Recorrente podia tomar no caso em apreço.

  15. Não existe assim qualquer violação do artigo 106° do RJUE, nem do princípio da proporcionalidade que lá se encontra contido.

  16. Por todo o exposto, deverá ser revogada a sentença recorrida julgando-se a ação administrativa especial improcedente e mantendo-se o ato impugnado como válido na ordem jurídico (…)”.

    *Notificado que foi para o efeito, a Recorrida produziu contra-alegações, defendendo a manutenção do decidido quanto à procedência da presente ação.

    *O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida.

    *O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior não emitiu o parecer a que se alude no nº.1 do artigo 146º do CPTA.

    *Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.

    * *II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.

    Neste...

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