Acórdão nº 00540/19.8BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 28 de Fevereiro de 2020
Magistrado Responsável | Helena Ribeiro |
Data da Resolução | 28 de Fevereiro de 2020 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I.RELATÓRIO 1.1. L.F.C.M., residente na Avenida (…), (…), (…), instaurou a presente ação administrativa comum, contra Ministério da Administração Interna, do Planeamento e das Infraestruturas, do Ambiente e do Mar, representado pelo Ministério Público, pedindo a condenação deste a ver reconhecido que o mesmo deixou de ser o proprietário do veículo automóvel de matrícula XX-XX-OC, desde 09 de dezembro de 2009 e ser a matrícula cancelada.
Para tanto alega, em síntese, constar como titular da matrícula XX-XX-OC, no IMT, referente ao veículo automóvel que adquiriu em 2009 e que fez uso até 09/12/2009; Acontece que esse automóvel esteve envolvido num acidente, em 09/12/2009, na sequência do qual ficou irremediavelmente danificado; A seguradora do veículo que embateu na viatura do Autor, assumiu a culpa exclusiva pelo acidente e pediu os documentos desta, por carta de 18/12/2009, na sequência do que o Autor lhos entregou; O veículo foi levado do local do acidente pela seguradora “C.”; O Autor negociou a indemnização com a seguradora, que reclamou o salvado, e a partir da data do acidente, aquele deixou de possuir o referido veículo; O Autor ficou convencido que a seguradora, como possuidora do veículo, procederia ao abate do mesmo e ao cancelamento da respetiva matrícula, o que não fez; No entanto, a matrícula deve ser cancelada dado que o Autor não é proprietário, sequer possuidor, desse veículo desde 09/12/209, podendo o atual proprietário do mesmo ver reposta a matrícula, caso o requeira.
*1.2. Na sequência da propositura dessa ação, a Secção concluiu o processo à Meritíssima Senhora Juiz do tribunal a quo com a seguinte informação: “com a informação a Vª Exª que me suscitam dúvidas quanto à configuração da presente ação. Mais informo Vª Exª que não foram juntos aos autos os documentos protestados junta a fls. 6 v.
”.
*1.3.
Nesta sequência, foi proferido despacho de indeferimento liminar da petição inicial, com fundamento em manifesta improcedência do pedido, o qual consta do seguinte teor: “L.F.C.L., NIF (…), residente na Avenida (…), (...), (...), intentou “AÇÃO ADMINISTRATVA COMUM” contra o “MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA, DO PLANEAMENTO E DAS INFRAESTRUTURAS, DO AMBIENTE E DO MAR, representado pelo MINISTÉRIO PÚBLICO”, tendo peticionado o seguinte: “(…) deve a presente ação ser julgada procedente e provada e em consequência ser reconhecido que o autor deixou de ser proprietário do veículo automóvel de matrícula XX-XX-OC, desde 9 de dezembro de 2009, e ser a matrícula cancelada”.
Para o efeito, alegou, em suma, que consta no Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P. como titular do veículo com a matrícula XX-XX-OC, tendo adquirido o mesmo no ano de 2009; porém, em 09/12/2009, tal veículo esteve envolvido num acidente em virtude do qual ficou irremediavelmente danificado, tendo a Seguradora do veículo que embateu no seu automóvel assumido a culpa exclusiva do seu segurado no acidente, sendo que a mesma Seguradora através da sociedade J., S.A., solicitou-lhe os documentos do veículo, por carta datada de 18.12.2009.
Mais alegou que negociou a indemnização com a referida sociedade J., S.A., que reclamou para a sua representada o salvado, e que a partir da data do acidente deixou de possuir o veículo.
Apreciando Dispõe o artigo 119º do Código da Estrada, sob a epígrafe “Cancelamento da matrícula”, o seguinte: “1- A matrícula de um veículo deve ser cancelada quando: (…) b) o veículo fique inutilizado.
2- Para efeitos do disposto no número anterior, o cancelamento da matrícula dever ser requerido pelo proprietário: a) Quando o veículo fique inutilizado ou atinja o seu fim de vida mediante apresentação da documentação legalmente exigida nos termos do Decreto-Lei n.º 196/2003 de 23 de agosto; (…).
4- O cancelamento da matrícula deve ser requerido pelo proprietário, no prazo de 30 dias, nos casos referidos nas alíneas b) e d) do n.º 1.
5- Se o proprietário não for titular do documento de identificação do veículo, o cancelamento deve ser requerido, conjuntamente, pelo proprietário e pelo titular daquele documento.
(…) 12- O titular do registo de propriedade pode ainda requerer o cancelamento da matrícula, quando tenha transferido a propriedade do veículo a terceiro há mais de um ano e este não tenha procedido à respetiva atualização do registo de propriedade mediante apresentação de pedido de apreensão de veículo, apresentado há mais de seis meses.
(…) Ora, o cancelamento da matrícula terá sempre de ser requerido ao Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P.
Com efeito, no caso de transferência da propriedade do veículo, pode o titular do registo de propriedade requerer o cancelamento da matrícula quando tenha transferido a propriedade do veículo a terceiro há mais de um ano e este não tenha efetuado a respetiva atualização do registo de propriedade.
E, no caso em que o veículo fica inutilizado, designadamente por ter sofrido danos que impossibilitam definitivamente a sua circulação, em consequência de acidente, aplica-se o procedimento de cancelamento de matrícula de veículos em fim de vida, o qual é efetuado pelo Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P.
No caso dos autos, o Autor não alegou ter agido em conformidade com os aludidos procedimentos, nem ter requerido o que quer que fosse ao Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P.
Aliás, não obstante ser ao Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P. que tem de ser requerido o cancelamento de matrícula, a presente ação não foi sequer intentada contra tal Instituto.
Assim, o pedido formulado na presente ação é manifestamente improcedente, pelo que, com este fundamento, indefere-se a petição inicial, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 590º do Código de Processo Civil ex vi artigo 1º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
*DECISÃO Em face do exposto, indefere-se a petição inicial.
* Custas pelo Autor, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que beneficie”*1.4.
Inconformado com o indeferimento liminar da petição inicial, o Autor interpôs o presente recurso de apelação, em que formula as seguintes conclusões: 1ª – O autor configura, na ação, uma situação de transmissão material do veículo com matrícula em seu nome e dos documentos a ele respeitantes, há mais de 8 anos e por quem tem posse legítima do bem que acresce à do adquirente.
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- No seu articulado alega a impossibilidade do pedido do cancelamento da matrícula por ter entregado o bem e os documentos, a quem tem o dever de cancelar a matrícula.
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- Deduziu que o veículo pertence a outra pessoa.
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- Alegou que recebeu a indemnização do veículo.
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- E, acima de tudo, alegou não ter a posse do bem e dos documentos, desde o ano de 2009.
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- O tribunal, na sua douta fundamentação, deixou de se pronunciar sobre os factos das conclusões 2ª a 5ª, incorrendo na nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil, aplicável pela norma do artigo 35º, n.º 1 do CPTA.
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- Da forma como como o autor perfilha a ação o réu demandado é parte legítima.
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- A não ser assim entendido, considera-se demandado o IMPT, I.P., nos termos do n.º 4 do artigo 10º do CPTA.
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- A douta sentença foi proferida anteriormente à notificação do autor para o exercício do contraditório, pelo que é nula em face da violação do n.º 3 do artigo 3º do CPC.
10º- A douta sentença viola as disposições legais referidas na alegação.
NESTES TERMOS e nos de direito, com o douto suprimento que se roga, deve ser revogada a douta sentença e ser decidido que a ação deve seguir a sua normal tramitação.
* 1.5.
Não foram apresentadas contra-alegações.
*1.6.
O Ministério Público, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º1 do CPTA, não emitiu parecer.
*1.7.
Prescindindo-se dos vistos legais mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
** II.DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO.
2.1.
Conforme jurisprudência firmada, o objeto de recurso é delimitado em função do teor das conclusões do Recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso –cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e artigos 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do NCPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPTA – e, por força do regime do artigo 149.º do CPTA, o tribunal ad quem no âmbito dos recursos de apelação não se queda por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que declare nula a sentença decide “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.
2.2. Nos presentes autos, as questões que a este tribunal cumpre ajuizar, resumem-se ao seguinte: (i)- se a decisão recorrida, que indeferiu liminarmente a petição inicial, com fundamento em manifesta improcedência do pedido, é nula por violação do princípio do contraditório; (ii) se essa decisão é nula por omissão de pronúncia; e (iii) se essa decisão padece de erro de direito ao ter alegadamente indeferido liminarmente a petição inicial com fundamento na procedência da exceção da ilegitimidade passiva quando se impunha que a 1ª Instância, ao considerar que o Ministério da Administração Interna, do Planeamento e das Infraestruturas, do Ambiente e do Mar...
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