Acórdão nº 00076/10.2BEVIS de Tribunal Central Administrativo Norte, 28 de Fevereiro de 2020

Magistrado ResponsávelHelena Ribeiro
Data da Resolução28 de Fevereiro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I.RELATÓRIO 1.1.C.L.S.R.

, intentou a presente ação administrativa comum contra o ESTADO PORTUGUÊS, pedindo a condenação do Réu a pagar-lhe, a título de danos morais. a quantia de 9.000€ (nove mil euros), a título de danos patrimoniais, a quantia de 7.000€ (sete mil euros), e juros legais desde a citação até efetivo e integral pagamento.

Alegou, para o efeito, em síntese, que por Acórdão “deste Tribunal, comunicado à ora A. por notificação com data de 09.01.2007, foi julgada provada e procedente a Ação Administrativa Especial n.º 1001/04.5BEVIS intentada pela ora A. contra o Ministério da Educação e anulado o despacho de 22.04.2004 proferido pelo Ex.mo Sr. Secretário de Estado da Administração Educativa que manteve a pena de inatividade, graduada em dois anos, pena que lhe foi aplicada na sequência do processo disciplinar n.º «00/07/372-2002/GAJ, tudo conforme certidão que ora se junta como documento n.º 1 e doc. n.º 2 , que se dão aqui por integralmente reproduzidos para os devidos efeitos legais.

(cfr. doc.s 1 e 2)…Este acto ilícito e, consequentemente, anulado pela douta Decisão ora junta trouxe à ora A. reais e efetivos danos, tanto morais, como patrimoniais, que só com a condenação do Estado no pagamento duma indemnização condigna, poderão de alguma forma ser indemnizados (...)».

*1.2.

O Réu contestou, defendendo-se por exceção e por impugnação.

Na defesa por exceção invocou a prescrição do direito do direito à indemnização e em sede de defesa por impugnação alegou, em síntese, não se verificar o pressuposto da ilicitude da atuação da Administração, por não se verificar a necessária conexão de ilicitude entre as normas consideradas violadas pelo TAF de Viseu que levaram à anulação da sanção disciplinar de inatividade graduada em dois anos, aplicada à autora no âmbito do segundo processo disciplinar que lhe foi instaurado e os danos que a mesma alega ter sofrido na sua esfera jurídica, sinalizando que ilegalidade não significa ilicitude para efeitos indemnizatórios.

Pede a absolvição do Estado dos pedidos indemnizatórios formulados pela autora.

*1.3.

Por despacho de 25.02.2013 (fls. 155 do suporte físico do processo) convidou-se a Autora a aperfeiçoar a petição inicial, o que aquela fez.

*1.4.

A 09.12.20014 ( fls. 256 a 259 do suporte físico do processo) proferiu-se despacho saneador que julgou improcedente a exceção da prescrição.

* 1.5. Em 20.03.2015 foi proferido despacho ao abrigo do disposto no artigo 596º do CPC ( fls. 267 a 268 do suporte físico do processo).

*1.6.

Foi realizada audiência final, com cumprimento dos legais formalismos.

*1.7.

Em 29.03.2016 o TAF de Viseu proferiu acórdão que julgou a presente ação improcedente, a qual consta do seguinte segmento decisório: «Com os fundamentos expostos, o Tribunal decide julgar a ação improcedente e, em consequência, absolver o Réu ESTADO PORTUGUÊS do pedido.

Custas a cargo da Autora.

Registe e notifique.»*1.8.

Inconformada com a referida decisão, a Apelada interpôs recurso que motivou, terminando com a apresentação das seguintes conclusões: «I.

A ora Recorrente intentou a presente ação para efetivação de responsabilidade civil extracontratual por atos ilícitos contra o Estado Português, por entender que o ato ilícito, consubstanciado no despacho proferido, em 22.04.2004, pelo Ex.mo Senhor Secretário de Estado da Administração Educativa, que manteve a pena de inatividade, graduada em dois anos, que lhe foi aplicada na sequência do processo disciplinar n.º 10/07/372-2002/GAJ, anulado por Acórdão proferido em 04.01.2007, no âmbito do Processo n.º 1001/04.5BEVIS, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, lhe trouxe reais e efetivos danos, tanto morais, como patrimoniais.

II.

- Pese embora esta sua posição e a prova produzida nos presentes autos, entendeu o Mmº Tribunal a quo que, no caso sub iudice, não estamos perante um ato ilícito para efeitos de responsabilidade civil extracontratual, já que do mesmo não resultou ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos da A.; deste modo, não se verificando, in casu, a ilicitude como requisito da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas, julga improcedente a presente ação.

III. - Ora, com o devido respeito, não se pode concordar com este entendimento. De facto, da parte da Administração houve falhas, falhas graves, que não só fundamentaram a anulação do ato que manteve à ora Recorrente a pena de inatividade, graduada em dois anos, como, efetivamente, das mesmas resultou a ofensa de direitos e interesses legalmente protegidos. Senão vejamos.

IV. – O Tribunal dá como provado, tal como foi feito pelo Acórdão proferido pelo TAF de Viseu, em 04.01.2007, que o ato que manteve a aplicação à ora Recorrente de uma pena de inatividade, graduada em dois anos, foi anulado por vício de violação de lei, designadamente, por violação do disposto no artigo 71º do ED, bem como, por violação dos artigos 14º e 48º do mesmo diploma (cfr. alínea E) da Matéria e Facto).

V.- Como é sabido, a ora Recorrente foi alvo de dois processos disciplinares e o segundo só foi instaurado depois de 654 dias de faltas, quando, o artigo 71º do ED, impunha que o imediato superior hierárquico da ora Recorrente levantasse auto por falta de assiduidade, quando esta deixasse de comparecer ao serviço durante 5 dias seguidos ou 10 dias interpolados sem justificação.

VI. - É também facto assente que foram instaurados dois processos disciplinares, quando, nos temos dos artigos 14º e 48º do ED, existindo uma única infração continuada, a ora Recorrente devia ter sido sujeita a um único processo e a uma única pena.

VII. - Ora, se a Administração não tivesse, conscientemente, “arrastado” a situação durante 654 dias, violando de forma manifesta e irrazoável o artigo 71º do ED, e não tivesse levantado dois processos disciplinares, violando de forma manifesta e irrazoável o artigo 14º e 48º do ED, a ora Recorrente não teria sofrido os danos invocados - aceites pelo R. e ora Recorrido e dados como provados – danos estes que são, entre outros, aqueles que normas como as que foram violadas pela Administração pretendem evitar.

VIII. - As normas violadas pela Administração com o comportamento sub iudice têm, efetivamente, na sua ratio a proteção de direitos ou interesses legalmente protegidos.

IX. - De facto, o artigo 71º do ED ao impor que seja levantado auto por falta de assiduidade, quando o funcionário ou agente deixe de comparecer ao serviço durante 5 dias seguidos ou 10 dias interpolados sem justificação, visa um controlo célere da assiduidade do funcionário ou agente, uma atuação premente da Administração.

X. - E ao fixar estes prazos curtos para a atuação da Administração, o legislador teve necessariamente presente o facto de estarmos no âmbito dum processo de natureza sancionatória e onde, por isso, devem ser dadas ao arguido todas as garantias e direitos legal, constitucionalmente consagradas, tal como plasmado no artigo 32º, n.º 10 da Constituição da República Portuguesa (CRP), bem como deve respeitar-se o direito do arguido a uma justiça célere, a uma decisão em prazo razoável, tal como constitucionalmente consagrado no artigo 20º, n.º 4 da CRP.

XI. - Por outro lado, importa ter presente que toda a participação disciplinar contém, necessária e objetivamente, ainda que a nível meramente indiciário, uma ofensa à honra e consideração do participado, por se traduzir na imputação de factos suscetíveis de se subsumirem a infrações disciplinares, pelo que, também nesta norma, que impõe a atuação da Administração em prazos curtos, está também subjacente a proteção do direito à honra do arguido (artigo 70º do Código Civil) XII.

- Acresce que, também, que da violação dos artigos 14º e 48º do ED resultou a ofensa de direitos e interesses legalmente protegidos da ora Recorrente. Estas normas, ao consagrarem o princípio da unidade da infração disciplinar e da unidade do procedimento, impunham que o juízo disciplinar se reportasse à globalidade do comportamento da ora recorrente, bem como a ora Recorrente tinha que ter sido sujeita a uma só pena disciplinar o que, não tendo acontecido, ofende manifestamente os seus direitos e garantias enquanto arguida.

XIII.

- Ao violar esta normas, a Administração violou também os princípios “non bis in idem” e da economia processual, com repercussões diretas na esfera jurídica da ora Recorrente.

XIV.

- Acresce ainda que, o ato sub iudice foi também anulado por violação do princípio da justiça e o princípio da proporcionalidade, princípios gerais da atuação administrativa e limite do poder discricionário, cuja essência não é mais que a proteção dos direitos e interesses legalmente protegidos de todos os administrados a decisões justas e proporcionais.

XV.

- Por tudo o exposto, entende-se que da atuação da Administração, em violação dos artigos 71º, 14º e 48º do ED, bem como em violação do princípio da justiça e o princípio da proporcionalidade - que por isso levaram à anulação do ato por ela proferido – resultou manifestamente a ofensa de direitos e interesses legalmente protegidos da ora Recorrente, sendo, por isso, de concluir que no caso sub iudice estamos perante um ato ilícito para efeitos de responsabilidade civil extracontratual.

XVI.

- Assim sendo, como efetivamente é, encontram-se preenchidos in caso todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, deve a Recorrente ser ressarcida nos termos peticionados, aceites e confessados pelo Recorrido.

XVII. - Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo fez uma errada interpretação da factualidade sub iudice e, por isso, uma incorreta aplicação de direito – violou designadamente os artigos 2.º, n.º 1, 6º do Decreto-Lei 48.051, de 21.11.1967, o artigo 483º do CC, e o artigo 22º da CRP - pelo que deve a Decisão proferida ser consequentemente revogada com todas as consequências legais.

Assim e...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT