Acórdão nº 01758/08.4BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 28 de Fevereiro de 2020
Magistrado Responsável | Helena Ribeiro |
Data da Resolução | 28 de Fevereiro de 2020 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I-RELATÓRIO 1.1. MUNICÍPIO DO (...), com sede na Praça (…), (…), intentou a presente ação administrativa comum contra a C., S.A.
, pedindo que seja judicialmente reconhecido que: (i) “não ocorreu a receção definitiva da obra, nomeadamente em 18/7/07"; (ii) “o conjunto de defeitos acima enumerado no art.º 60° da presente petição e que consta da lista junta como documento n.°5 aos autos de procedimento cautelar n.°572/08.1BEPRT, são defeitos de execução da obra cuja responsabilidade é imputável à Ré enquanto empreiteira"; e (iii) "o procedimento seguido pelo autor ao mandar executar os trabalhos de reparação dos defeitos elencados no art.º 60° por terceiros à custa da Ré "é legal.
Alegou, para o efeito, em síntese, que em 4/05/2000 a Ré, na qualidade de empreiteira, celebrou com a sociedade P., SA, na qualidade de dona da obra, um contrato de empreitada de obra pública, tendo por objeto a Requalificação Urbana da Avenida (...) do Parque da (...), tendo a obra sido executada na cidade do (...), entre a Praça (...), a Avenida (...) e o Parque da (...); Que no decurso da empreitada a Ré prestou à dona da obra garantias bancárias no valor total de € 2.179.010,67; Que em 30/06/2002 a P., SA passou a designar-se "Casa (...)/P., SA" e em 6/10/2003 foram celebrados entre esta e a Câmara Municipal do (...) diversos protocolos, nos termos dos quais a primeira cedeu à segunda a sua posição contratual de dono da obra; Mais alegou que a receção provisória da obra realizada em 28/06/2002 foi apenas parcial, que a obra apresenta diversos e graves defeitos desde a vistoria realizada para efeitos de receção provisória, os quais são imputáveis à ré e que, para além desses defeitos foram surgindo outros ao longo do decurso do prazo de garantia dos trabalhos rececionados; Que os defeitos que o autor imputa à ré e cuja reparação lhe exige constam da lista junta como doc. 5 com a providência cautelar n.°572/08.1BEPRT, sendo que a sua grande maioria foi aceite e reconhecida por ela; Alegou ainda que tem recebido dezenas e dezenas de queixas por parte dos ocupantes do Edifício (...), bem como do seu concessionário, os quais têm reclamado o pagamento de indemnizações decorrentes de prejuízos sofridos com os defeitos existentes no imóvel e, por isso, está a diligenciar no sentido de obter as necessárias propostas para encetar obras de reparação urgentes e que recolheu no mercado estimativas orçamentais que apontam como valores para as reparações da responsabilidade da ré verbas entre os € 600.000,00 e o € 1.000.000,00.
*1.2.
Regularmente citada, a Ré apresentou contestação, na qual se defendeu por impugnação, alegando, em síntese, que no dia 28/06/2002 a empreitada foi recebida provisoriamente na sua totalidade, o que resulta do teor do respetivo Auto de Receção Provisória, pelo que não lhe era exigível a realização dos trabalhos de reparação reclamados pelo autor.
Mais alegou que as deficiências apontadas pelo autor resultam do completo desprezo a que o Edifício (...) esteve submetido e da falta de manutenção, a qual era exigível dado que o mesmo estar localizado junto à orla marítima.
*1.3. Foi realizada audiência preliminar, tendo sido proferido despacho saneador, fixada a matéria de facto assente e elaborada a base instrutória.
*1.4.
Por fim, realizou-se a audiência de julgamento, tendo sido proferido despacho de resposta à base instrutória.
*1.5.
Em 025.02.2015, o TAF do Porto proferiu sentença, que julgou a presente ação parcialmente procedente, constando a mesma do seguinte segmento decisório: «Nestes termos, julga-se a presente ação parcialmente procedente e, em consequência, declara-se: i. Que não ocorreu a receção definitiva da empreitada, nomeadamente em 18/07/2007; ii. Que os defeitos elencados no ponto AH) do probatório são defeitos de execução da obra; iii. A legalidade do procedimento seguido pelo autor ao mandar executar os trabalhos de reparação dos ditos defeitos por terceiros à custa da ré.
Custas por ambas as partes na proporção do respetivo decaimento, sendo 1/10 a cargo do autor e 9/10 a cargo da ré.
Registe e notifique.»*1.6.
Inconformada com esta decisão, a Ré interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que a decisão recorrida “fosse revogada e substituída por outra que improcede o pedido do autor, e em consequência, declarar-se: (I) que ocorreu a receção definitiva da empreitada, nomeadamente em 18.07.2007; (II) que os defeitos elencados no ponto AH) do probatório não são defeitos de execução de obra; (III) e que, é ilegal o procedimento adotado pelo autor ao mandar executar os trabalhos de reparação dos ditos defeitos por terceiros à custa da Ré”.
Concluiu as suas alegações da seguinte forma: « A. O auto de recepção provisória foi devidamente outorgado em 28.06.2002, pelo ora Recorrido, pela equipa de fiscalização e pela ora Recorrente, tendo ficado a constar que “depois de se haver procedido ao exame de todos os trabalhos desta obra, incluindo os trabalhos a mais, verificou-se que os mesmos se encontravam bem executados e segundo as condições técnicas exigidas no Caderno de Encargos”.
B. Assim sendo, tendo em conta que o Auto de Recepção Provisória da empreitada o qual foi emitido em 28.06.2002, começou a contar, a partir dessa data, o prazo de garantia dos cinco anos, nos termos do contrato de empreitada devidamente outorgado, bem como, para os efeitos dos artigos 217º e 219º do DL 59/99, de 02 de Março.
C. Pelo que, por missiva datada de 15.06.2007, a ora Recorrente, de modo a cumprir o legalmente previsto na lei, solicitou ao ora Recorrido a realização da vistoria à obra para efeitos de recepção definitiva.
D. Ora, nos termos e para os efeitos do artigo 224º n.º 1 do Código Civil, a respectiva carta produziu os seus efeitos, uma vez que a mesma foi efectivamente recebida, tendo sido assinado o respectivo aviso de recepção a 18.06.2007.
E. Sucede que, o ora Recorrido não respondeu ou efectuou a vistoria dentro do prazo estabelecido na lei, e portanto, segundo o disposto no artigo 227.º n.º 3, conjugado com o disposto no artigo 217º n.º 5, considerou-se, para todos os efeitos a empreitada como definitivamente recebida de forma tácita desde o pretérito dia 18.07.2007, isto é, nos 22 dias úteis subsequentes ao pedido do empreiteiro, sem que tenha existido a respectiva vistoria, considerar-se-á esta, para todos os efeitos, recebida no termo desse prazo.
F. Ou seja, verifica-se in casu a aplicação do instituto da presunção de aceitação da obra (pública) estabelecida no nº 5 do art. 217º do DL nº 59/99, de 02.03 (que corresponde à do nº 5 do art. 1218º do Código Civil).
G. Neste contexto, o ónus que sobre o dono da obra passa a impender é de provar causas de impedimento da vistoria e também que a obra não está em condições de ser recepcionada.
H. Adicionalmente, o Tribunal a quo decidiu julgar que os defeitos elencados no ponto AH) do probatório são defeitos de execução de obra.
I. Sucede que, o que está aqui em causa, como bem sabe o ora Recorrido, mais não é do que o completo desprezo a que durante anos esteve submetido mormente o Edifício (...), construído pela ora Recorrente.
J. Por outro lado, o ora Recorrido não só consentiu ao abandono do referido Edifício (...) desde a data da receção provisória da empreitada, como também desde essa data, não lhe atribuiu qualquer utilização, o qual foi amplamente difundido e discutido na praça pública.
K. Em boa verdade, o ora Recorrido não procedeu à manutenção e conservação do edifício, conforme lhe era exigido.
L. Adicionalmente, tratando-se de um edifício junto à orla marítima, encontrava-se o seu interior especialmente exposto (alçado frontal aberto e virado para o mar) e sujeito a um ambiente extremamente agressivo.
M. É também de referir que, várias das alegadas deficiências de execução correspondem tão só à consequência de erros de projecto, e à inadequação da solução técnica ao meio envolvente, pelo que nenhuma responsabilidade deveria ser exigida ao ora Recorrente.
N. E portanto, não será de imputar a totalidade da responsabilidade pelos defeitos da obra, de forma tout court, à ora Recorrente.
O. Por fim, considerou ainda o Tribunal a quo, que o procedimento adoptado pelo autor ao mandar executar os trabalhos de reparação dos ditos defeitos por terceiros à custa da Ré, é um procedimento legal.
P. De facto, a não eliminação dos defeitos (oportunamente denunciados pelo dono da obra ao empreiteiro) não confere àquele o direito de, de per si (diretamente) ou por intermédio de terceiro, eliminar os defeitos reclamando, posteriormente, do empreiteiro o pagamento das despesas efetuadas, bem como o de exigir do obrigado (por antecipação) o adiantamento da verba necessária ao respetivo custeio.
Q. Tal como refere o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça “O dono da obra (como credor de uma prestação de facto fungível) só poderá adregar um tal resultado através do recurso à via judicial, obtendo a condenação do empreiteiro nessa eliminação e, em caso de incumprimento do dictat condenatório, requerer, em subsequente execução (execução específica), o respectivo cumprimento, por terceiro à custa de devedor (art.ºs 828.º do CC e 936.º, n.º 1, do CPC).” – in www.dgsi.pt , processo n.º 31/04.1TBTMC.S1, de 07-07-2010.
R. Na verdade, apenas se admitiria, caso se tratasse de reparações objetivamente urgentes, prementes ou necessárias (não tendo o empreiteiro procedido atempadamente à sua eliminação – o que não se aplica nos presentes autos), casos em que o dono da obra poderá agir com base nos princípios da ação direta geral ou do estado de necessidade plasmados nos art.ºs 336.º e 339.º, ambos do Código Civil, o que não era o caso.
S. Alude o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, que “para que o dono da obra se possa substituir ao empreiteiro, na execução das obras, visando eliminar os defeitos da construção, tem que alegar e provar ter sido...
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