Acórdão nº 00491/11.4BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 14 de Fevereiro de 2020

Magistrado ResponsávelHelena Canelas
Data da Resolução14 de Fevereiro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I. RELATÓRIO J.A.F.P.

e F.M.C.F.

(devidamente identificados nos autos) autores, por si e em representação de seu filho menor R.M.C.P.

, na ação administrativa comum que instauraram no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga em que é réu o ESTADO PORTUGUÊS – na qual vem peticionada indemnização na quantia total de 32.850,00 € (sendo 20.000,00 € para o filho menor e 12.850,00 € para os pais), acrescida de juros à taxa legal desde a citação até integral pagamento – inconformados com a decisão de improcedência da ação proferida em despacho-saneador (saneador-sentença) datado de 11/12/2014 (fls. 198 SITAF) dele interpuseram o presente recurso de apelação (fls. 210 SITAF) pugnando pela revogação da decisão recorrida, formulando as seguintes conclusões nos seguintes termos: 1. Dos factos dados como provados que o menor R.M.C.P. filho dos autores frequentava com onze anos de idade o quinto ano da turma C do agrupamento das Escolas de (...), com sede na Escola Básica dos segundos e terceiro ciclos de (...); 2. Do qual era na altura Presidente do Conselho executivo o Senhor Prof. L.H.C.F.; 3. Que no dia 13 de Março de 2008, cerca das 9,30h, na escola EB2 3 de (...), o menor R.M. encontrava no interior do estabelecimento de ensino referido; 4. Mais precisamente junto do campo de futebol – zona de recreio; 5. Nesta circunstância de tempo e lugar, apareceu-lhe subitamente um outro aluno de nome J.M.C.R., de catorze anos de idade; 6. E desferiu-lhe um muro, com a mão fechada em punho, atingindo-o no nariz; 7. Atenta a violência da agressão, o menor caiu desamparado para trás; 8. Batendo com a cabeça no chão, ficando sem sentidos; 9. O aluno J.R. do estabelecimento de ensino agiu de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito concretizado de ofender o corpo e a saúde do menor R.P.; 10. Estava aquele aluno J.R. consciente de que a sua conduta era proibida por lei; 11. Na sequência do sucedido, foi aplicada ao aluno J.R. uma medida tutelar educativa ao mesmo tempo que o agrupamento escolar de Escolas de (...) procedeu à elaboração de um procedimento disciplinar; 12. É forçoso concluir que a R Estado não cumpriu o seu dever de vigilância; 13. Que aliás resulta da própria matéria alegado nos art. 17º e 18º da p. i que os recreios não eram vigiados ou pelo menos convenientemente; 14. Factos que muito embora tivessem sido contestados pela ré no art. 1º da sua contestação, sem contudo especificar como era feita a vigilância no recreio e qual o número de vigilantes atento o universo escolar.

15. Tendo a agressão ocorrido no horário escolar do menor e no recreio deste durante o qual a escola estava obrigada à vigilância dos recreios, atento o número de alunos que a frequenta; 16. Provado este facto, e provado como está que o aluno agressor J.M.C.R., estava sob a vigilância dos responsáveis da escola, a lei estabelece uma presunção de culpa da entidade com o dever de vigilância visto a lei presumir nestes casos, que houve falta (omissão) de vigilância adequada; 17. O comportamento do R Estado foi omisso ao qual terá de ser imputada por via dessa omissão o resultado danoso para o autor; 18. Essa ilicitude do Estado com o dever de vigilância que não teve constitui-se em dois momentos distintos o da lesão do direito do menor Rui e a omissão de comportamento adequado a evitar essa mesma lesão; 19. Que aliás está também consagrada no próprio Estatuto do Aluno; 20. A prova do facto ilícito e do dano cometido por uma pessoa sobre a qual os responsáveis da Escola tinham o dever de vigilância nasce a obrigação de indemnizar; 21. Os danos não patrimoniais estão devidamente documentados nos autos, devendo por isso a R Estado ser condenada no seu pagamento de 20 00,00€ (vinte mil euros); 22. O mesmo sucedendo quanto aos danos patrimoniais todos eles documentados e devendo por isso a R Estado ser condenada no seu pagamento de 12 850,00€ (doze mil oitocentos e cinquenta euros); 23. Estão por isso reunidos todos os elementos decorrentes para a obrigatoriedade da R Estado indemnizar os autores pelos danos patrimoniais e não patrimoniais peticionados do valor total de 32 850,00€ (trinta e dois mil oitocentos e cinquenta euros); 24. Impunha-se por isso que acção tivesse sido julgada procedente atento o disposto nos art. 552º, 573º e 590º do CPC e 483º, 486º, 487º, nº 1, “ in fine” e nº 2, 491º, 496º, 562º, 563º, 566º, do CC, bem como o disposto no art. 12º al. i) da Lei 30/02 de 20 de Dezembro; 25. Mas, se assim não for entendido, desde logo os autos deveriam prosseguir de forma a que os apelantes e apelados trouxessem aos autos matéria que eventualmente fosse precisa, convidando por isso os autores para o efeito; 26. Sendo que se o processo neste caso não continha, seguros todos os elementos, como aliás reconheceu a sentença (falta deles) que possibilitem uma decisão segundo as várias soluções plausíveis de direito; 27. E não somente aquela que possibilitem a decisão em conformidade com o entendimento do M. Juiz do processo; 28. O processo deveria prosseguir com vista à elaboração do despacho saneador, sendo por isso necessário que dos autos constem todos os elementos suficientes para uma decisão segura, o que não foi o caso; 29. Se existe para a questão de direito suscitada mais de uma solução plausível e para alguma delas ainda necessidade de averiguar factos não pode o Juiz decidir no despacho saneador; 30. Ao assim decidir violou o disposto nos arts 483º, 486º, 487º, nº 1, “in fine” e nº 2, 491º, 496º, 562º, 563º, 566º, do CC, bem como o disposto no art. 12º al. i) da Lei 30/02 de 20 de Dezembro.

O recorrido ESTADO PORTUGUÊS contra-alegou (fls. 233 SITAF) pugnando pela improcedência do recurso, com manutenção da decisão recorrida, não tendo formulado conclusões.

*Remetidos a este Tribunal, em recurso, foram os autos, após redistribuição (cfr. Despacho nº 1/2019 de 04/01/2019 do Exmo. Senhor Juiz Desembargador Presidente deste TCA Norte) submetidos à Conferência para julgamento, com dispensa de vistos.

* II. DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO/das questões a decidir O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo (Lei n.º 41/2013) ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA.

No caso, em face dos termos em que foram enunciadas pelos recorrentes as conclusões de recurso, vem colocada a este Tribunal a questão essencial de saber se a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento, com violação dos artigos 552º, 573º e 590º do CPC e 483º, 486º, 487º, nº 1, “in fine” e nº 2, 491º, 496º, 562º, 563º, 566º, do Código Civil, bem como do disposto no artigo 12º alínea i) da Lei 30/02, de 20 de dezembro, em termos que deva ser revogada e substituída por outra que julgue a ação procedente, condenando o réu ESTADO PORTUGUÊS no peticionado, ou então, pelo menos, que os autos baixem à 1ª instância para, após saneador, se proceder a discussão e julgamento.

* III. FUNDAMENTAÇÃO A – De facto O Tribunal a quo deu como provada a seguinte factualidade, assim vertida ipsis verbis na sentença (saneador-sentença) recorrida:

  1. R.M.C.P., filho de J.A.F.P. e F.M.C.F., frequentou com onze anos de idade o quinto ano da Turma C do agrupamento de Escolas de (...) com sede na Escola Básico dos 2.ºs e 3.ºs Ciclos de (...) – por acordo.

  2. Do qual era na altura o Presidente do Conselho Executivo o Senhor Prof. L.H.C.F. – por acordo.

  3. Acontece que no dia 13 de Março de 2008, cerca das 9h 30m, na Escola EB 23 de (...), o menor R.M. encontrava-se no interior do estabelecimento de ensino referido – por acordo.

  4. Mais precisamente junto do campo de futebol – zona de recreio – por acordo.

  5. Nesta circunstância de tempo e lugar, apareceu-lhe subitamente um outro aluno de nome J.M.C.R., de catorze anos de idade – por acordo.

  6. E desferiu-lhe um murro, com a mão fechada em punho, atingindo-o no nariz – por acordo.

  7. Atenta a violência da agressão, o menor caiu desamparado para trás – por acordo.

  8. Batendo com a cabeça no chão, ficando sem sentidos – por acordo.

  9. O aluno J.R. do estabelecimento de ensino agiu de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito concretizado de ofender o corpo e a saúde do menor R.P. – por acordo.

  10. Estava aquele aluno J.R. consciente de que a sua conduta era proibida e punida por lei – por acordo.

  11. Na sequência do sucedido, foi aplicada ao aluno J.R. uma medida tutelar educativa – por acordo.

  12. Ao mesmo tempo que o agrupamento escolar de Escolas de (...) procedeu à elaboração de um procedimento disciplinar – por acordo.

** B – De direito 1.

Da decisão recorrida Tendo a Mmª Juíza a quo entendido, em sede de despacho-saneador, que em face da posição assumida pelas partes nos respetivos articulados, o Tribunal estava em condições de conhecer o mérito da causa, passou a apreciar, de imediato, o pedido formulado pelos autores na ação, para o que fixou a matéria de facto.

E tendo por base essa factualidade, que não vem impugnada no presente recurso, julgou improcedente o pedido indemnizatório formulado na ação, com a seguinte fundamentação, que se passa a transcrever: «(…) Os Autores pretendem com a presente acção administrativa comum efectivar a responsabilidade civil extracontratual do Estado, no campo da culpa in vigilando, com base na alegação segundo a qual os danos invocados resultaram do incumprimento de deveres de vigilância que recaiam sobre o estabelecimento de ensino onde ocorreu a agressão física do menor aqui representado.

Acolhendo a jurisprudência firme e reiterada do Supremo Tribunal Administrativo, segundo a qual “o dever de vigilância”/ “a culpa in vigilando” não pode deixar de ser considerada uma responsabilidade subjectiva, a Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, incluiu a culpa “in vigilando” na responsabilidade civil por facto ilícito, cuja efectivação reclama...

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