Acórdão nº 01221/10.3BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 14 de Fevereiro de 2020

Magistrado ResponsávelIsabel Costa
Data da Resolução14 de Fevereiro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I - Relatório O Ministério Público vem interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo TAF de Braga que julgou improcedente a ação administrativa especial que intentara contra o Município de (...) na qual peticiona a declaração de nulidade do despacho do Vereador do Pelouro do Urbanismo, de 7 de fevereiro de 2006, que deferiu o pedido de licença administrativa de obras de construção de um edifício de habitação unifamiliar.

Na alegação apresentada, formulou as seguintes conclusões, que se transcrevem: 1. O Ministério Público peticionou a declaração de nulidade do despacho do Vereador do Pelouro do Urbanismo do Município de (...), que deferiu o licenciamento de obras de construção de um edifício de habitação unifamiliar, por violação do coeficiente máximo de ocupação do solo previsto no artigo 15º, alínea c), Regulamento do PDM à data em vigor, publicado no DR – 1 série-B, n. 170, de 25 de julho de 1995, por força do disposto no artigo 68º, alínea a), do Decreto-Lei n. 555/99, de 16 de dezembro.

  1. Na douta sentença recorrida deu-se como provado que, considerando a área bruta de construção de 205,50m2 e a área total do terreno de 289,00m2, o COS da construção licenciada era de 0.71, estando ultrapassado o COS permitido pelo PDM que é de 0,7. E, consequentemente, concluiu a Mª Juiz a quo que “…o despacho do Vereador ora impugnado, está ferido de nulidade, porque viola o PDM.” 3. Mas, como se impunha, não declarou a nulidade do despacho impugnado e julgou a ação improcedente por entender que “… as alterações à obra realizada pelos contrainteressados podem ser legalizáveis de acordo com o atual Regulamento do PDM de (...)”, nos termos do regulamento do PDM actualmente em vigor em (...) (cfr. deliberação da Assembleia Municipal de 10.01.2007, publicada como aviso n.º 242235/2007, no Diário da República, 2ª Série –n.º 237 – 1012.2007).

  2. Ou seja, na douta decisão, apesar de se considerar verificado o vício que afeta o ato impugnado que lhe determinava, como consequência inevitável, a sua nulidade, optou-se por não declarar a nulidade desse ato com o fundamento na possibilidade atual de legalização da obra.

  3. Temos, assim, que a decisão recorrida é nula por contradição entre a fundamentação e a decisão, nos termos do artigo 608º, n.º 1, al. c) do CPC.

  4. Trata-se de contradição lógica entre os fundamentos e a decisão pois que aquele fundamento tem de conduzir necessariamente à declaração de nulidade, como resulta do direito, máxime dos artigos 133º, n.º 1 e 134º do CPA.

  5. Ao decidir o não decretamento da nulidade, tornando lícito um ato nulo, com fundamento na possibilidade de legalização da obra ao abrigo do PDM revisto em 2007, substituindo-se à Administração com considerações e valorações erradas quanto à determinação da área bruta de acordo com o novo PDM, considerando telheiros, terraços e alpendres como se fossem indistintas realidades físicas.

  6. Desta forma, não poderá deixar de se considerar que a douta sentença recorrida violou a norma do artigo 68º, alínea a) do Decreto-Lei n. 555/99, de 16 de dezembro, em conjugação com o artigo 15º, alínea c), regulamento do PDM à data em vigor, publicado no DR – 1º série- B, n. 10, de 25 de julho de 1995.

  7. Está pois assente nos autos que o ato impugnado, tendo em conta, apenas, a realidade fáctica existente no momento da sua prática e o quadro normativo então em vigor, é manifestamente nulo por violar o PDM de (...).

  8. O não decretamento da nulidade do ato impugnado significa assim uma “juridificação da nulidade” que confere aos contrainteressados uma imediata e definitiva paz jurídica, segurança e estabilidade perante a obra que ilegalmente erigiram.

  9. O princípio “tempus regit actum” manda aferir a legalidade do ato administrativo pela situação e facto e de direito existente à data da sua prolação.

  10. A validade do ato deve aferir-se por referência à data em que foi praticado e à lei vigente nessa data e não por referência à legislação revogada ou lei futura. Isto por imperativo lógico, face ao princípio da legalidade e de acordo com o disposto no artigo 12º, n.º 1 do Código Civil.

  11. Admitindo como possível que o assinalado desvalor possa ser objeto de superação em sede de um eventual novo processo de licenciamento (legalização), existe assim a hipótese daquela construção, apesar de ilegalmente efectuada, poder vir a satisfazer os requisitos legais e regulamentares aplicáveis, tornando-se abstractamente viável, em reexercício do poder administrativo, a sua legalização.

  12. Se, em abstracto, a legalização do edifício é susceptível de ocorrer, tal configura uma medida de reposição da legalidade urbanística, nos termos do artigo 106º, n.º 2 do RJUE, da competência da Administração.

  13. Sendo declarada judicialmente a nulidade do ato impugnado o Município recorrido fica constituído no dever de verificação da possibilidade de legalização do edificado, com ou sem realização de trabalhos de correção ou de alteração, em conformidade com as regras urbanísticas aplicáveis e de acordo com o quadro legal vigente (o que poderá passar por um convite aos contrainteressados para apresentarem novo pedido de licenciamento para esse fim), proferindo nova decisão em conformidade.

  14. O que o tribunal não pode fazer, sob pena de violação do princípio da separação de poderes, é substituir-se à Administração, tornando lícito um ato nulo com fundamento na possibilidade de legalização da obra ao abrigo do PDM revisto em 2007, e procedendo à legalização do edificado mediante a formulação de juízos técnicos – a nosso ver incorretos – sobre o cálculo da área bruta de construção nos termos das normas aplicáveis do novo PDM para aferir da compatibilização de um edificado ilegal com a nova realidade jurídica.

  15. A decisão impugnada procedeu a errada interpretação e aplicação do artigo 134º do CPA, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que declare a nulidade do ato impugnado, competindo à Administração, no âmbito do cumprimento do dever de executar a decisão, extrair as consequências da sua eliminação da ordem jurídica.

  16. A douta decisão recorrida deveria ter declarado a nulidade do ato impugnado nos termos em que a própria decisão considerou a sua invalidade.

  17. Não o fazendo a decisão recorrida violou as normas dos artigos 134º do CPA e 493º, n.º 3 do CPC e, bem assim, as normas que, no entender da própria decisão, inquinam o ato com o vício que o afeta gerador da sua nulidade.

  18. Pelo que deve ser revogada e em seu lugar proferida outra onde se declare a nulidade do ato impugnado, nos termos e com os fundamentos em que a sentença o considerou nulo.

    Os Recorridos não contra-alegaram.

    O Ministério Público junto deste TCA não emitiu parecer.

    Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

    II – Objeto do recurso As questões suscitadas pela Recorrente, nos limites das conclusões das alegações apresentadas a partir da respectiva motivação (cfr. artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, todos do CPC de 2013, ex vi artigo 140º do CPTA) consistem em saber se a sentença recorrida padece de nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão e de erro de julgamento por violação do princípio da separação de poderes, dos artigos 133º de 134º do CPA de 1991, do princípio “tempus regit actum” e do artigo 68º, alínea a) do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro, em conjugação com o artigo 15º, alínea c), regulamento do PDM à data em vigor (publicado no DR – 1ª série - B, n.º 10, de 25 de julho de 1995).

    III – Fundamentação de Facto Na sentença foram dados como assentes os seguintes factos: 1. Em 26.06.2001, J.A.P., na qualidade de procurador do contra-interessado J.L.F.V., apresentou na Câmara Municipal de (...) o seguinte requerimento: [imagem que aqui se dá por reproduzida] - cfr. fls. 3 e ss. do processo administrativo, doravante PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

  19. Em 30.07.2001, foi elaborada uma informação técnica no sentido da não aprovação do projeto de arquitetura, uma vez que, as plantas topográficas eram contraditórias relativamente à escala gráfica expressa; porque não foi atendido o cumprimento do artigo 1360.º do Código Civil e porque o documento de registo da propriedade não era coincidente com a área utilizada para efeitos do cálculo urbanístico. – cfr. fls. 27 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

  20. Em 01.08.2001 foi proferido pelo Vereador o seguinte despacho: “Considerando a informação do DSPU em anexo, nos termos do art. 63°, nºl, alínea b) do DL 445/91 de 20/11 alterado pelo DL 250/94 de 15/10, indefiro o pedido de licenciamento. Antes de tornar definitivo este projecto de decisão, deverá o requerente ser notificado para, querendo, pronunciar-se sobre o mesmo nos termos do art. 100° e 101º do C. P. A no prazo de 30 dias. Comunique-se ao requerente a informação do...

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