Acórdão nº 00635/10.3BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 14 de Fevereiro de 2020

Magistrado ResponsávelHelena Canelas
Data da Resolução14 de Fevereiro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I. RELATÓRIO O ESTADO PORTUGUÊS réu na ação administrativa comum instaurada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga por C.C.V.M., (devidamente identificada nos autos) – na qual esta peticionou uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes de acidente ocorrido em 29/03/2007, quando circulava de bicicleta no paredão (molhe) na Praia Norte em (...), que computou em 58.229,79 €, acrescidos de juros de mora a contar da citação – inconformado com a sentença de 26/01/2018 (fls. 673 SITAF) do Tribunal a quo que julgando parcialmente procedente a ação o condenou a pagar à autora a quantia de 23.846,15 €, acrescida de juros desde a citação e até integral pagamento, dela interpôs o presente recurso de apelação (fls. 704 SITAF), pugnando pela revogação da decisão recorrida e sua substituição por outra que absolva o ESTADO PORTUGUÊS do pedido, ou que, considere a culpa da autora na verificação do evento danoso, ou ainda, que reduza o montante indemnizatório atribuído a título de danos não patrimoniais, formulando as seguintes conclusões, nos seguintes termos: 1- Uma estrutura de um molhe marítimo de protecção, constituindo uma superfície que fica situada no alto de um quebra-mar, sem que tenha sido adaptado e consolidado para ciclovia, não tem a vocação de ser uma via de circulação para passeios de bicicleta mas antes serve para de contenção das vagas marítimas e protecção da zona portuária aterrada.

2- Tal «via» não se pode assim integrar na noção de via reservada, nem na de um corredor especial de circulação, nem na de uma pista especial, tudo como se encontra previsto na subsecção V, da Secção X, do Capítulo I do título II do Código da Estrada (artigos 76º e ss.).

3- Desta forma, tem de se concluir que a sentença recorrida assenta numa premissa que incorrecta, a saber, a de que era lícito e permitido à condutora do velocípede circular no alto dos molhes do paredão de protecção, vulgo quebra-mar, no interior das instalações do porto marítimo de (...).

4- Mesmo que se admita a existência de culpa do Réu, a sentença recorrida incorre também numa errónea apreciação jurídica dos factos ao afastar a existência da concorrência de culpa da lesada – artº 570º do Código Civil – na produção do resultado aqui em causa.

5- Porque é evidente, face a todas as regras da experiência comum e ao que se pode considerar como facto notório, que circular de bicicleta no alto de um molhe de protecção de uma zona portuária marítima sem que aí esteja assinalado e instalado piso e equipamento de ciclovia constitui uma actividade que potencia de forma exponencial os já normais riscos derivados da utilização dos velocípedes sem motor em condições normais e que por isso cai no âmbito da previsão de facto culposo relevante do lesado para os efeitos da repartição de culpas.

6- A qual no caso dos autos se deve fixar nos 2/3 para a autora e a do Estado, a existir, o que não se concede, em 1/3.

7- O valor da indemnização atribuída por danos não patrimoniais para a queda de bicicleta da Autora (€ 20.000,00) é também ele manifestamente excessivo, dado que excede de forma exagerada os valores da prática e da tradição jurisprudencial dos nossos tribunais entendendo-se que em caso algum numa situação como a dos autos poderia tal valor exceder os € 2,500.

8- Foram violados, entre outros, os artigos , e 76º e ss. do Código da Estrada, e os artigos 496º, 562º, 563ºe 570º do Código Civil A recorrida contra-alegou (fls. 717 SITAF) pugnando pela improcedência do recurso, com manutenção da decisão recorrida, com o seguinte quadro conclusivo: A- No molhe da praia Norte, local onde ocorreu o acidente, na zona que se segue ao parque infantil e jardim, existe uma via de betão.

B- A referida via, em betão, apresentava o piso com marcas de degradação, irregular, com rachaduras e fissurado.

C- A via do molhe é e era, já à data, utilizada por muitas pessoas como espaço de lazer e desporto, designadamente para a realização de caminhadas, passeios a pé e de bicicleta, patins e skate, corridas.

D- O Recorrente/ Réu, que detinha a gestão do local, não demonstrou como lhe cabia, terem sido cumpridos os deveres de vigilância que legalmente lhe eram impostos, nomeadamente a colocação da sinalização prévia a informar os utilizadores do molhe, ou de qualquer tipo de sinalização que indicasse o potencial perigo.

E- A inexistência de sinalização de proibição para circulação de pessoas, por parte do Recorrente, representa uma situação potenciadora de elevadíssimos riscos para a segurança que exige cuidados especiais para minorar os riscos para os utentes.

F- A omissão, por parte do Réu/ Recorrente de garantir a segurança nas vias sob a sua jurisdição, designadamente apondo a competente e adequada sinalização em situações susceptíveis de gerar perigo para os respectivos utentes, constitui uma omissão ilícita geradora de responsabilidade civil, que se presume culposa.

G- O facto motivador do comportamento da Autora/ Recorrida, deve-se, unicamente, à inexistência de qualquer tipo de sinalização, quer de perigo, quer mesmo de acesso condicionado ou restrito colocado no local onde circulava.

H- A deficiente manutenção, conservação e sinalização da via pelo Recorrente , sem que provasse a adopção de medidas destinadas a assegurar a manutenção das condições de segurança necessárias à circulação do publico naquele local, o que, à passagem da bicicleta da A. a roda daquela se inseriu numa fissura, provocando a queda, é suficiente para, à luz das regras da experiência, permitir formar a conclusão de que foi a falta de manutenção, conservação e sinalização, que levou à ocorrência dos danos e não por culpa da Autora/ Recorrida.

I- As indemnizações a arbitrar por danos não patrimoniais, não podem ser meramente simbólicas, antes se devem mostrar adequadas ao fim a que se destinam - atenuar a dor sofrida pelo lesado e reprovar a conduta do agente.

J- O circunstancialismo do caso em apreço, com especial no grau de culpa do agente, na gravidade do sofrimento físico e psicológico da autora, na sua duração, no dano estético que apresenta, nos períodos prolongados de défice funcional temporário, ponderando o défice funcional permanente de que ficou a padecer, o ter que efectuar um esforço físico maior para desempenhar a sua actividade profissional e a idade, num juízo de equidade, considerou justo, equilibrado e adequado à reparação de tais danos, o montante indemnizatório total de € 20.000,00 * Remetidos a este Tribunal, em recurso, foram os autos, após redistribuição (cfr. Despacho nº 1/2019 de 04/01/2019 do Exmo. Senhor Juiz Desembargador Presidente deste TCA Norte) submetidos à Conferência para julgamento, com dispensa de vistos.

* II. DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO/das questões a decidir O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo (Lei n.º 41/2013) ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA.

No caso, em face dos termos em que foram enunciadas pelo recorrente as conclusões de recurso, vêm colocadas a este Tribunal a questão essencial de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento quanto à solução jurídica da causa, por ter considerado o ilícito, por não ter atendido à culpa do lesado, e por ter o quantitativo fixado a título de indemnização por danos não patrimoniais ser excessivo.

* III. FUNDAMENTAÇÃO A – De facto O Tribunal a quo deu como provada a seguinte factualidade, assim vertida ipsis verbis na sentença recorrida: 1. A A. era uma ativa e dinâmica e praticava exercício físico regularmente.

  1. À data do acidente a A. tinha a seu cargo o seu filho de 9 anos.

  2. A A. trabalha no Gabinete Social de Atendimento à Família, como coordenadora da equipa de rua “Estradas com Horizonte”, no atendimento psicossocial a populações com consumos de substancias psicoativas, trabalhadores sexuais e familiares de indivíduos consumidores. – fls. 160.

  3. A atividade profissional da A. implica deslocações na área de intervenção. – fls. 160 dos autos.

  4. A A. auferia a remuneração mensal ilíquida de € 1.142,00, suportando € 128,37 de taxa social única (11%) e IRS € 122,00 (10,5%), acrescida de subsídio de alimentação. – cfr. doc. de fls. 161 dos autos.

  5. No molhe da praia Norte, na zona que se segue ao parque infantil e jardim, existe uma via.

  6. Em Março de 2007 a referida via em betão, apresentava o piso com marcas de degradação, irregular, com rachaduras e fissurado.

  7. A via do molhe é e era, já à data, utilizada por muitas pessoas como espaço de lazer e desporto, designadamente para a realização de caminhadas, passeios a pé e de bicicleta, patins e skate, corridas.

  8. No dia 29.3.2007, no período da manhã, a A. circulava de bicicleta no molhe da Praia Norte.

  9. O dia apresentava-se solarengo.

  10. No início da via do molhe, junto ao bar – restaurante “O C.”, o pneu da bicicleta da A. inseriu-se numa fissura, que impediu a deslocação da bicicleta, provocando a sua paragem brusca e a queda da A. da bicicleta.

  11. Em consequência da queda a A. sofreu um traumatismo do joelho esquerdo do qual resultou fratura supracondiliana do fémur esquerdo e fratura da rótula sem desvio. – fls. 23 do suporte físico.

  12. A A. foi transportada por ambulância ao Centro Hospitalar do Alto Minho EPE.

  13. A A. foi submetida a cirurgia de redução fechada e encavilhamento retrógrado endomedular com cavilha S2 do fémur esquerdo. – fls. 23 do suporte físico.

  14. A A. ficou internada entre 29.3.2007 até 3.4.2007, data em que teve alta hospitalar.

  15. Por intolerância aos parafusos distais, no dia 28.12.2007 a A. foi submetida a nova cirurgia com vista à extração do material de osteossíntese (parafusos), mantendo a cavilha endomedular.

  16. Em virtude da flexão acentuada do joelho a A. foi submetida a tratamentos de fisioterapia no limiar...

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