Acórdão nº 01938/08.2BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 14 de Fevereiro de 2020
Magistrado Responsável | Helena Ribeiro |
Data da Resolução | 14 de Fevereiro de 2020 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I-RELATÓRIO 1.1.«C., SA», com sede na (...), instaurou ação administrativa comum, sob a forma ordinária, contra a «C., EM», pedindo a condenação da «R. a pagar à A. as quantias de € 34.543,68, € 3.750,00 e € 53.064,14 a título dos trabalhos que a A. foi compelida a executar em virtude das omissões nos Mapas de Trabalhos e Quantidades nas Obras de Beneficiação das Escola EB I (...), EB I (...) e EB I (...), respetivamente, acrescidas de juros de mora vincendos à taxa legal (que presentemente se cifra em 11,2%), até efetivo e integral pagamento.
Alegou, para o efeito, em síntese, que concorreu a empreitadas para beneficiação de três escolas, sendo que após as consignações se deu conta da existência de erros e omissões nos Mapas de Trabalhos e Quantidades, pelo que realizou as competentes reclamações, que não foram admitidas.
Na obra da Escola EB 1 (...), apresentou preço para a preparação de paredes, tetos e vigas para pintura a tinta plástica, sendo que posteriormente se deu conta de que, nas Condições Técnicas do Caderno de Encargos se exigia que se deixasse «no final tudo pronto e acabado», pelo que se viu forçada a proceder também às pinturas em várias demãos daquelas paredes, tetos e vigas, para além de que, na mesma obra, também não apresentou preço para abertura e tapamento de roços, em apoio às instalações elétricas, por não estarem no Mapa de Trabalhos e Quantidades, sucedendo que nas Condições Técnicas do Caderno de Encargos se exigia «a abertura e fecho de valas e roços bem como todos os trabalhos acessórios necessários», pelo que se viu sujeita a proceder igualmente a essa abertura e ulterior tapamento de roços. Isso implicou, para ambas as situações, um acréscimo de preço no valor global de € 34.543,68.
Mais alegou que na obra da Escola EB 1 (...), não apresentou preço para abertura e tapamento de roços, em apoio às instalações elétricas, por não estarem no Mapa de Trabalhos e Quantidades, sucedendo que nas Condições Técnicas do Caderno de Encargos se exigia «a abertura e fecho de valas e roços bem como todos os trabalhos acessórios necessários», pelo que se viu sujeita a proceder também a essa abertura e ulterior tapamento de roços, que levou a um acréscimo no preço no valor global de € 3.750,00.
Alega ainda que o mesmo sucedeu com a obra da Escola EB 1 da (...), relativamente à pintura e à abertura e fecho e roços, pelo que se viu forçada a realizar a pintura e a abertura e tapamento de roços, importando um acréscimo global de € 53.064,12.
*1.2.
Regularmente citada, a Ré contestou, defendendo-se por exceção e por impugnação.
Na defesa por exceção, invocou a caducidade do direito de ação.
Em sede de defesa por impugnação, alegou, em suma, que havendo divergência entre o Caderno de Encargos e as peças do projeto, insuperáveis mediante recurso às reras de interpretação, prevalece o primeiro quanto à definição das regras jurídicas e técnicas de execução da empreitada, pelo que a A. não tem direito aos custos peticionados, estando obrigada a executar a obra na sua totalidade pelo preço global que ofereceu, independentemente das quantidades de trabalho que se viessem a mostrar necessários.
Que no caso não houve trabalhos a mais, sendo as pinturas das paredes, tetos e vigas, a abertura e o tapamento de roças para as instalações elétricas trabalhos imprescindíveis para que os prédios ficassem “prontos e acabados”, bem sabendo a Autora o que tinha a fazer quando se candidatou aos concursos e apresentou os preços unitários.
Conclui, pedindo que a ação seja julgada improcedente, absolvendo-se a Ré de todos os pedidos.
*1.3.
A Autora replicou, pugnando pela tempestividade da ação.
*1.4.
Foi proferido Despacho Saneador que julgou a ação tempestiva, deu matéria de facto como assente e selecionou matéria para a base instrutória.
*1.5.
Realizou-se a audiência de julgamento e respondeu-se à matéria de facto.
*1.6.
Em 06.06.2013, o TAF do Porto proferiu sentença, que julgou a presente ação parcialmente procedente, dela constando o seguinte segmento decisório: «Termos em que, por parcialmente provada, julga-se a ação parcialmente procedente, condenando-se a Ré no pagamento da quantia total de € 12.250,00 (relativa às obras omissas no Mapa de Trabalhos, Quantidades e Preços para abertura e tapamento de roços), acrescida de juros de mora contados deste a citação.
Custas pelo decaimento.
Registe e notifique.»*1.7.
Inconformada com esta decisão, a Autora interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que a decisão recorrida fosse revogada e substituída por outra que julgue a ação totalmente procedente.
Concluiu as suas alegações da seguinte forma: «I. A Recorrente apresentou preço para a preparação de paredes em diversos locais das Escolas “(...)” e “(...)”, conforme Mapas de Trabalhos e Quantidades apresentados pela Recorrida.
-
Não obstante, nas Condições Técnicas do Caderno de Encargos exigia-se que se deixasse «no final tudo pronto e acabado», pelo que a Recorrente se viu forçada a proceder também às pinturas em várias demãos dessas paredes, tetos e vigas – trabalhos não contemplados nas suas propostas.
-
As omissões resultantes da discrepância entre os mapas de trabalhos e as Condições Técnicas do Caderno de Encargos constam das Reclamações deduzidas, apresentadas pela Recorrente em 31 de Julho de 2006, e importam num valor global de € 34.543,68 e € 53.064,12, respetivamente.
-
O artigo 14º do Decreto-Lei nº 59/99 qualifica como “erro ou omissão” as divergências entre os mapas-resumo de quantidades de trabalhos e as restantes peças do projeto, situação que se verifica nos autos, pois provou-se ter havido uma divergência entre os mapas-resumo (que apenas pediam a preparação das paredes para pintura) e as restantes peças do projeto (as Condições Técnicas do Caderno de Encargos, que exigiam que no final da obra ficasse tudo pronto e acabado).
-
O Tribunal “a quo” entendeu que um intérprete mediano facilmente concluiria que a obra carecia de pintura, pelo que a Recorrente deveria ter-se apercebido que as obras em referência, para além de necessitarem de preparação, também careciam de pintura, por ser uma incontornável incongruência realizar o primeiro trabalho (preparação) e não realizar o segundo (pintura).
-
Não se concorda com a douta argumentação do Tribunal “a quo”, porque o concorrente deve obrigatoriamente dar preço para aquilo que é pedido, e não para aquilo que acha que o dono-de-obra quer, não lhe cabendo ajuizar se determinado item, no modo como está redigido, faz ou não sentido.
-
De resto, se a Recorrente tivesse procedido como a douta sentença propugna, ficaria numa situação de profunda desigualdade relativamente aos demais concorrentes, pois enquanto estes davam preço para preparação de paredes (que era o que se pedia nos mapas-resumo de quantidades de trabalho), ela dava um preço 87.607,80 Euros superior.
-
Por outro lado, nada impedia que o dono-de-obra tivesse querido adjudicar neste concurso certos trabalhos (in casu, a preparação de paredes) por ter, por hipótese, no seu quadro de pessoal profissionais que concluíssem os acabamentos das paredes, tetos e vigas, pintando-as a tinta plástica. Ou por outra razão qualquer que, naturalmente, não cabia à Recorrente avaliar.
-
A douta sentença parece esquecer que no dia-a-dia das empresas de construção civil, é com base nos mapas-resumo de quantidades de trabalho que se elaboram as propostas, pois estas – por evidente carência de tempo – não podem dedicar à análise de cada obra a que concorrem o tempo que seria necessário para uma completa apreensão de todos os detalhes técnicos. Essa análise pormenorizada da obra só é feita a posteriori, caso a obra seja efetivamente adjudicada a concorrente.
-
Justamente por isso, o legislador consagrou a possibilidade de o empreiteiro deduzir reclamações quanto a erros e omissões, quando exista divergência entre os mapas-resumo e as restantes peças do projeto.
-
A circunstância de a qualidade das tintas e a rotulagem das latas ser/vir referida nos mapas de quantidades, não tem a importância que a douta sentença lhe atribui, na medida em que os mapas-resumo são muitas vezes decalcados de outros, que já estão inseridos nos programas informáticos dos técnicos que elaboram os mapas-resumo, não sendo de estranhar que num item que outrora tinha servido para estabelecer um trabalho de pintura e que depois foi adaptado para preparação de pinturas, não tenha havido o cuidado de eliminar tudo aquilo que já não interessava num trabalho de preparação. Isto, no meio de centenas de outros itens que os técnicos do dono-de-obra têm de elaborar, é perfeitamente natural.
-
Por último, não é razoável exigir que o empreiteiro, antes de apresentar a sua proposta, se deva assegurar que todos os elementos do concurso estão conformes com a realidade.
-
O direito do empreiteiro de reclamar quanto a erros e omissões do projeto radica na fiabilidade que devem merecer os elementos patenteados no concurso e com base nos quais o empreiteiro elaborou a sua proposta. Estes são os elementos com base nos quais o empreiteiro formula a sua proposta porque para isso são patenteados, pelo que não é legítimo pôr em causa a sua credibilidade. Se esses elementos não são corretos, ele terá direito à reposição do equilíbrio financeiro do contrato, assim se evitando um injusto locupletamento do dono da obra à custa do empreiteiro.
-
Ao decidir diversamente, a douta sentença infringiu o disposto no artigo 14.º do Decreto-lei nº 59/99.
Termos em que deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida, proferindo decisão que julgue a ação inteiramente procedente, com as legais consequências.»*1.8.
A Ré contra-alegou, formulando, as seguintes conclusões: «1.ª – Não existiram quaisquer omissões resultantes da invocada e pretensa discrepância entre os mapas de trabalho e as Condições Técnicas do Caderno...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO