Acórdão nº 31/17.1BESNT de Tribunal Central Administrativo Sul, 13 de Fevereiro de 2020
Magistrado Responsável | DORA LUCAS NETO |
Data da Resolução | 13 de Fevereiro de 2020 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. Relatório O Ministério Público, ora Recorrente, veio interpor recurso da decisão proferida nos presentes autos, através da qual o tribunal a quo decidiu conceder provimento à impugnação judicial da decisão administrativa da Câmara Municipal de Sintra de aplicação de coima no valor de € 2.500,00, acrescido de € 48,00 custas, interposto por C....- C...., Lda, por entender que o procedimento contraordenacional instaurado à arguida, ora Recorrida estava extinto por prescrição.
Nas alegações de recurso apresentadas, culminou com as seguintes conclusões: «(…) I. O Ministério Público vem interpor recurso da "decisão-despacho" proferida nos presentes autos, através da qual o tribunal a quo decidiu conceder provimento ao recurso de impugnação judicial da decisão administrativa da Câmara Municipal de Sintra de aplicação de coima no valor de € 2.500,00, acrescido de custas, interposto por C....- C...., lda, e, em consequência, declarou extinto, por efeito da prescrição do procedimento contraordenacional, revogando a decisão recorrida.
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Em tal processo de contra-ordenação está em causa a contra-ordenação de ocupação de edifícios ou suas fracções autónomas sem a respectiva autorização de utilização, ilícito previsto e punido pelos artigos 4°, n.° 5 e 98°, n.° 1, al. d) do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (doravante RJUE), aprovado pelo Decreto-Lei n° 555/99, de 16 de Dezembro.
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Na decisão judicial ora impugnada, o Tribunal a quo entendeu, em nosso entender mal, que o ilícito em causa se consumou ao iniciar-se a respectiva utilização, com as consequências que daí extraiu - derivadas de tal equívoco - também erradas, quanto à impossibilidade de concluir pela existência do tipo de ilícito respectivo à data da consumação e quanto à prescrição do procedimento.
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As questões a decidir no âmbito do presente recurso são, assim, a de aferir pela existência de uma situação de insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada, por um lado, e a de aferir a natureza do ilícito contra- ordenacional de ocupação de edifícios ou suas fracções autónomas sem a respectiva autorização de utilização, por outro lado.
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Assim, em primeiro lugar, não podemos deixar de dar nota, com o devido respeito, que é muito, que a decisão recorrida conclui que a infracção se consumou em 1988, partindo do pressuposto que tal seria assim por as instalações serem utilizadas desde essa data.
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Todavia, tal conclusão não tem suporte na matéria de facto dada como provada (constituindo uma situação de insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada - art.° 410°, n.° 2, al. a) do Código de Processo Penal, ex vi do artigo 74.°, n.° 4, do RGCOC).
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Com efeito, tal não consta na matéria de facto dada como provada na decisão judicial em apreço, pois aí apenas se dá como provado que o arguido, no exercício do seu direito de defesa no âmbito do processo contra-ordenacional alegou tal situação (o que é substancialmente diferente de se dar como provado que tal efectivamente aconteceu).
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Para além disso, discordamos do entendimento da decisão recorrida de que contra-ordenação em causa é um ilícito de consumação instantânea, porquanto perfilhamos o entendimento que a contra-ordenação em causa é uma contra-ordenação de natureza permanente, que se prolonga no tempo, renovando-se constantemente em todos os seus elementos constitutivos enquanto durar a respectiva utilização.
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Em matéria de urbanismo, nomeadamente no que concerne ao licenciamento e autorização, não se pode confundir a situação em apreço nos pressentes autos - de ocupação de edifícios sem a respectiva autorização de utilização - com a situação decorrente de realização de quaisquer operações urbanísticas sujeitas a prévio licenciamento sem o respectivo alvará de licenciamento.
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Nestas últimas - de realização de quaisquer operações urbanísticas sujeitas a prévio licenciamento sem o respectivo alvará de licenciamento - é que, isso sim, estamos perante infracção de consumação instantânea, embora com efeitos duradouros (por subsistirem os efeitos da infracção), desde logo porque a acção antijurídica se esgota com o facto, uma vez que a manutenção da obra ilícita não constitui elemento do tipo.
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Ao invés, na contra-ordenação em causa nos presentes autos - de ocupação de edifícios sem a respectiva autorização de utilização - estamos claramente perante uma infracção permanente em que a sua consumação material inicia-se com a efectiva ocupação de edifício sem autorização e só termina com o fim dessa ocupação não autorizada, pelo que enquanto a mesma se mantiver subsiste a consumação do ilícito.
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Os ilícitos permanentes são assim designados por contraposição aos ilícitos instantâneos, ainda que estes possam ter efeitos duradouros.
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A diferença entre os dois tipos de ilícito reside na relação entre os efeitos do ilícito e a sua consumação.
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Tendo por referência a modalidade de acção normativamente densificada no tipo legal da contra-ordenação em apreço (ocupação de edifício sem autorização), a manutenção do estado antijurídico criado pela acção punível depende da vontade do seu autor, de maneira que, numa determinada perspectiva, pode afirmar-se que o facto se renova continuamente.
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É este o sentido pacífico da doutrina e jurisprudência dominantes, nomeadamente no que concerne à prática da contra-ordenação em causa nos presentes autos (vide, entre outros, Ac. TR Porto, de 04-12-1996, Processo n.° 9610680, Ac. TR Porto, de 27-05-1998, Processo n.° 9640601, Ac. TR Porto, de 11-01-2001, Processo n.° 0110385, Ac. TR Porto, de 16-10-2001, Processo n.° 0111600).
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Assim, sendo de qualificar a contra-ordenação em causa nos presentes autos como infracção de natureza permanente, subsiste a consumação do ilícito enquanto se mantiver a ocupação do edifício sem autorização, o que pelo menos à data do auto de notícia ainda sucedia.
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Desta forma, mal andou o tribunal a quo quando - utilizando o referido pressuposto de consumação instantânea da infracção. Relativamente à prescrição, sendo o RGCO omisso quanto à determinação do início da contagem do prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional, nos termos do art.° 32° desse diploma legal aplica-se, no que a tal respeita, o disposto no...
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