Acórdão nº 703/15.5BELLE de Tribunal Central Administrativo Sul, 13 de Fevereiro de 2020
Magistrado Responsável | PEDRO MARCHÃO MARQUES |
Data da Resolução | 13 de Fevereiro de 2020 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. Relatório A....., R....., L....., J.....
e F.....
intentaram a presente acção contra a P….– S….., SA, pedindo a anulação das deliberações de 8 de Maio e de 19 de Maio, ambas de 2015, que determinaram a demolição da casa de cada um dos Autores, bem como a condenação para que fosse reconhecida a legalidade urbanísticas das mesmas casas.
Por sentença do TAF de Loulé foi decidido julgar “procedente o pedido quanto aos Autores, A....., L....., J.....e F....., pelo que se determina: - o indeferimento da pedido no que concerne à Autora, R..... ; e o deferimento do pedido de anulação das deliberações de 8 de Maio e de 19 de Maio, ambas de 2015 quanto aos Autores, A....., L....., J.....e F.....
”.
E foi julgada prejudicada a análise do pedido de condenação da Entidade Demandada em legalizar as casas que os AA. detêm no Núcleo dos Hangares.
Com aquela não se conformando, a P.... — S........., S. A., interpôs recurso para este Tribunal Central Administrativo, culminando a sua alegação com as seguintes conclusões:
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A sentença recorrida não conheceu da questão da violação do caso decidido administrativo invocada pela entidade Demandada nos artigos 59º a 64º da Contestação, pois que que a decisão sobre a qualificação das edificações aqui em apreço como primeira ou segunda habitação, para efeitos do artigo 37º do Regulamento do POOC (RCM nº103/2005, de 27/06) que as edificações em apreço não são de considerar primeira habitação B) Pelo que a sentença recorrida sofre de nulidade por omissão de pronúncia nos termos do disposto no artigo 615º, nº1, al.ª d) do CPC, ex vi do artigo 140º do CPTA sobre a questão da violação do caso decidido administrativo invocada nos artigos 59º a 64º da contestação e identificada no relatório da sentença (a pag. 3-4), considerada questão expressamente invocada e determinante da boa solução a dar ao litígio.
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Caso por hipótese assim não se entenda, a sentença recorrida sofre pelo menos de erro de julgamento, uma vez que sobre os AA recaia o ónus de impugnar as deliberações do CA da Polis de 31/12/2014, que antes já haviam decidido definitivamente para efeitos do artigo 37º do Regulamento do POOC (RCM nº103/2005, de 27/06) que as edificações em apreço não são de considerar primeira habitação.
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Não tendo os AA impugnado tal acto administrativo, no prazo legal de três meses (art. 58º, nº2, al.ª b) do CPTA), apesar de terem sido devidamente notificados, e sendo certo que o mesmo acto intercalar era lesivo e visava produzir efeitos externos na situação individual e concreta de cada um dos AA (por isso imediatamente impugnável nos termos do artigo 51º, nº1 do CPTA), formou-se o “caso decidido administrativo”.
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Ao contrário daquilo que parece resultar da sentença, é sobre os AA que recaia o ónus da prova de que as construções no Núcleo dos Hangares constituíam a sua primeira e única habitação, de acordo com a regra sobre a repartição do ónus da prova do artigo 342º, nº1 do Código Civil.
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Ao contrário daquilo que parece resultar da sentença, o momento temporal relevante para prova daquele facto é a data da entrada em vigor do Regulamento do POOC Vilamoura-Vila Real de Sto. António, ocorrida no dia 28/06/2005 (por força do art. 100º da RCM nº103/2005), pois é esta a data relevante para salvaguarda dos direitos adquiridos anteriormente por parte dos moradores merecedores da tutela prevista no artigo 37º, nº2, al.ª b): “A indicação das alternativas de realojamento dos residentes que [àquela data] se confirmarem ser a habitação no aglomerado da ilha barreira a sua única residência”.
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A sentença recorrida também violou o artigo 37º, nº2, al.ª b), do POOC, onde se lê que só podem beneficiar da indicação de alternativas de realojamento aqueles que se confirmarem ser a habitação no aglomerado da ilha barreira a sua única residência, o que se apurou não ser o caso, como resulta dos artigos 70º a 104º da contestação e do processo administrativo instrutor.
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Salvo o devido respeito, é particularmente merecedor de censura o erro grosseiro no julgamento da matéria de facto e análise da prova do requisito de primeira e única habitação, que a sentença julgou provado somente com base no depoimento testemunhal de dois vizinhos (com interesse directo na causa) – fazendo tábua rasa dos artigos 70º a 104º da contestação e de toda a abundante prova documental em sentido diverso constante do processo instrutor, inclusivamente, os documentos comprovativos da verdadeira morada dos AA, assim como também ignorou arbitrariamente o teor do depoimento testemunhal de H....., técnico da P......
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O desacerto da decisão da matéria de facto resulta patente da absoluta falta de fundamentação da decisão da matéria de facto e da falta de análise crítica das provas – que é assim totalmente arbitrária – e contrária a um processo justo e equitativo.
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No caso dos autos, é manifesta e clamorosa a desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos.
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Salvo o devido respeito, a Recorrente considera incorrectamente seleccionada e julgada a matéria de facto, por omissão de selecção e decisão sobre os factos alegados nos artigos 23º, 32º, 33º, 34º, 35º, 36º, 37º, 38º, 60º, 61º, 62º, 70º a 104º da Contestação, manifestamente relevantes e plenamente provados por documentos ou acordo, que devem ser aditados e dados como “provados”.
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A Recorrente também considera incorrectamente julgada a matéria de facto, por erro grosseiro da decisão constante das alíneas L), N), O), P), Q) do probatório, devendo as respostas dadas serem alteradas para “não provados”.
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Além disso, a Recorrente considera incorrectamente julgada a matéria de facto, por erro da decisão constante das alíneas J) [viola o art. 364º, nº4 do CPC ex vi do artigo 1º do CPTA] e R) do probatório, devendo considerar-se “não escritos”, porque manifestamente irrelevantes para a decisão da causa.
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Quanto à alínea I) do probatório – para tornar útil à decisão deve ser reproduzido o artigo 115º da Contestação e provado (a fls. 619 e ss Sitaf) com o conteúdo do referido Relatório Ambiental Final de Janeiro de 2010, que identificou, entre outros, os riscos de grau elevado, associados a um cenário em que hipoteticamente não se concretizasse a intervenção.
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Os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida estão identificados acima no corpo das presentes alegações (págs. 9 a 14 supra), que por economia processual se dão aqui por reproduzidos.
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Conforme resulta da análise concatenada dos concretos meios de prova acima indicados, o AA não lograram provar que a casa nos Hangares é a sua primeira e única habitação, tendo sido identificadas pela P..... as verdadeiras moradas dos AA (arts. 70º a 104º da Contestação), na residência onde foram notificados e assinaram os A/R postais, sem que tenham vindo ao processo administrativa e nem junto um único meio de prova documental.
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A sentença recorrida sofre de erro de julgamento (a págs 16 e 23) ao ter anulado os actos impugnados com fundamento em que “não pode, assim, ser escamoteado o teor do Edital 56/2012, de 2012.03.01, emitido pelo Senhor Presidente da Câmara Municipal de Faro” (alínea H) do probatório), pois como é evidente, as Câmaras Municipais não são competentes para licenciar obras na área do domínio público marítimo, R) O regime de licenciamento e utilização dos recursos hídricos encontra-se previsto no DL nº226-A/2007, de 31 de Maio e depende do cumprimento da Lei n.º 58/2005, de 29 de Dezembro (Lei da Água), na esfera do Estado (Agência Portuguesa do Ambiente), que se consideram violados pela sentença recorrida.
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A sentença recorrida operou uma errada interpretação e aplicação dos artigos 37º, nº2, al.ª d) do Regulamento do POOC Vilamoura – VRSA (aprovado pelo RCM nº103/2005), e do artigo 2º, nºs 1 e 2 do DL nº226-A/2007, de 31/5, que são normas vinculativas à demolição das construções em causa, relativamente às quais a Câmara Municipal de Faro é completamente alheia, devendo ser a sentença revogada e substituída por douto acórdão que mantenha o actos impugnados na ordem jurídica.
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Relativamente à segunda razão que serve de fundamento à sentença (falta de fundamentação, por violação dos artigos 151º, 152º, 153º e 155º do CPA/2015, a primeira coisa que se deve dizer é que o CPA/2015 não se aplica ao tempo da prática dos actos impugnados, sendo aplicável ao tempo o CPA/91.
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A sentença recorrida sofre de erro de julgamento por confundir as fichas CERTA que são um mero relatório equiparado a “auto de vistoria” porventura irregular (por falta de data, nome e assinatura de quem os preencheu) com a falta de fundamentação dos actos impugnados, nos termos dos artigos 151º, 152º, 153º e 155º do CPA/2015.
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Basta ler os actos impugnados (alíneas A) a E) do probatório) para verificar que o mesmo está perfeitamente fundamentado, por remissão para a proposta que lhe serviu de base, e que, por isso, passa a fazer parte integrante da deliberação – arts. 124º e 125º do CPA/91, vigente à data dos actos impugnados.
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A fundamentação dos actos impugnados é clara, completa e congruente, contendo todas as razões de facto e de direito que suportam a decisão, em termos de permitir perfeitamente a qualquer destinatário compreender o itinerário cognoscitivo e valorativo constante do acto em causa, e saber o motivo por que se decidiu num sentido e não noutro.
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A sentença recorrida cometeu um erro grosseiro de julgamento, ao ter anulado os actos impugnados com base em falta de fundamentação e na violação dos artigos 151º, 152º, 153º e 155º do CPA/2015.
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No que respeita à terceira e última razão em que se fundamenta a sentença recorrida para anular os actos impugnados, ao contrário da resposta dada nas alíneas N) e O) do probatório, o certo é que as construções sub juditio, sitas no Núcleo dos Hangares, não constituem a primeira habitação dos Autores.
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