Acórdão nº 00228/13.3BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 31 de Janeiro de 2020

Magistrado ResponsávelFrederico Macedo Branco
Data da Resolução31 de Janeiro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

A presente decisão resulta do Acórdão do STA de 5 de dezembro de 2019 que declarou nulo o precedentemente proferido Acórdão deste TCAN de 12 de outubro de 2018, por ter entendido julgar procedente “invocada nulidade por omissão de pronuncia (...) devendo os autos baixar ao TCAN para ai ser conhecida ...”.

Por uma questão sistemática e por forma otimizar o manuseamento e visualização de tudo quanto se expenderá e decidirá, integrar-se-á tudo quanto se disse e ora inovatoriamente se dirá, num único e novel Acórdão, ao invés de nos limitarmos a apreciar as questões entendidas como omitidas no precedente aresto.

Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I Relatório M.I.E.S.S., devidamente identificada nos autos, no âmbito da ação administrativa especial intentada contra o Município da (...), tendente à impugnação de despacho municipal que determinou a demolição de obras executadas na morada indicada, sem licença municipal, inconformada com o Sentença proferida em 23 de março de 2018, no TAF de Coimbra (Cfr. fls. 263 a 279 Procº físico), que julgou improcedente a Ação, veio em 23 de março de 2018 Recorrer Jurisdicionalmente da referida decisão (Cfr. fls. 283 a 305 Procº físico).

Formula a aqui Recorrente nas suas alegações de recurso as seguintes conclusões (Cfr. fls. 300 a 305 Procº físico).

“1 Na presente ação Impugna-se o ato que ordenou a demolição de uma construção por alegadamente ter sido feita sem licença municipal e em parte comum do edifício, tendo sido Imputados a tal ato um conjunto de ilegalidades e vícios. Ora, 2º O aresto em recurso enferma de nulidade por omissão de pronúncia prevista na alínea d) do na 1 do art° 615º do CPC uma vez que deixou de se pronunciar sobre duas questões jurídicas suscitadas pela A. na p.l .• a saber: - violação do princípio da imparcialidade (v. art° 51° da p-i); - erro nos pressupostos por a Câmara ter emitido a licença de utilização (v. art°s 88° a 96° da p.i.), Por outro fado, 3º Ao dar por provados os factos constantes dos nas 6. 7. 8 e 10 da factologia assente sem antes ter permitido à Autora provar a factologia por si alegada na p.l, - designadamente nos art°s 14°, 15°, 16°,21°, 24°,25°,26°,27°,28°,29°,30°, n°, 74°, 83° a 91° da p-i), cuja prova poderia levar o Tribunal a quo a dar por provados factos claramente contrários aos que deu por provados e a alcançar uma solução de direito completamente diferente -, O aresto em recurso incorreu em flagrante e grave erro de julgamento. procedendo à fixação da matéria de facto em clara violação e desrespeito do princípio da igualdade das partes - consagrado no art° 6° do CPTA - e do direito fundamental à tutela judiciai efetiva - consagrado no artº 268º/4 da Constituição -, dos quais resulta que a cada parte há-de ser permitido provar, por todos os meios legalmente admissíveis, a factologia em que alicerça a sua posição e que o Tribunal deve ser Isento e equidistante em relação a ambas as partes, só podendo formar a sua livre convicção depois de assistir à prova que cada uma delas produza sobre os factos que alegou. Na verdade, 4° Os referidos factos alegados na p.l, eram não só controvertidos (v., neste sentido, o art.º 3º da contestação) como essenciais para a boa decisão da causa à luz das várias soluções plausíveis da questão de direito, pelo que não poderia o Tribunal a quo proceder à fixação da matéria de facto dada por provada apenas tendo em conta a versão factual apresentada pela entidade demandada e sem antes ter procedido à abertura de um período de prova destinado a permitir à A. provar a factologia por si alegada para fundamentar os vícios imputados, só podendo formar a sua livre convicção e fixar a factologia provada depois de realizada tal prova.

  1. Consequentemente, ao fixar a matéria de facto constante dos nºs 6, 7,8, e 10 sem antes permitir à A. provar, através de um qualquer dos meios de prova legalmente admissíveis, os factos por si alegados em sustentação das Ilegalidades assacadas ao ato impugnado, o aresto em recurso violou o disposto no art.º 87° do CPTA e os direitos à igualdade das partes e à tutela judicial efetiva, consagrados nos artes 6° do mesmo diploma e 268°/4 da Constituição, Interpretando aquele primeiro preceito em sentido materialmente inconstitucional por violação do âmbito de proteção destes dois direitos.

  2. Neste mesmo sentido, recorde-se que este douto Tribunal Central Administrativo Norte vem entendendo que do princípio da igualdade das partes decorre que se “... deva conceder às partes a possibilidade de nele fazer valer as suas razões (de facto e de direito) perante o tribunal, em regra antes que este tome a sua decisão ...” (v. Ac do TCANORTE, de 28/3/2014, Proc. nº 316/10.8BECBR), no que é acompanhado pela nossa mais autorizada doutrina ao defender que a decisão judicial que denegar a uma das partes a possibilidade de provar os factos por si alegados e que são controvertidos e essenciais para o apuramento da causa viola frontalmente o princípio da tutela judiciai efetivo (v. CARLOS CADILHA, A prova em contencioso administrativo, CJA n" 690 pág. 49, e, no mesmo sentido, CARLOS CARVALHO, O juiz administrativo e o controlo jurisdicional da prova procedimental do processo disciplinar, CJA nº 101, pág. 23). Para além disso.

  3. Ao dar por provados os factos constantes dos nºs 6, 7, 8,10, 11, 12, 13, 15, 16,17, 18, 19, 20, 21, 22 e 24 da factologia assente, o aresto em recurso incorreu em erro de julgamento de facto por violação dos princípios do dispositivo e do contraditório, uma vez que tais factos não haviam sido alegados pelos partes nos articulados, não eram instrumentais nem notórios e nem sequer foram submetidos a prova e ao contraditório da Autora.

  4. Refira-se, aliás, que, a circunstância de tais factos constarem eventualmente do processo Instrutor - o que se desconhece, pois nunca o Tribunal a quo notificou a Autora para se pronunciar sobre a junção do instrutor - jamais permitira que o Tribunal a quo os desse por provados sem que, previamente, tivesse submetido os mesmos a prova ou, no mínimo, ao contraditório da Autora, tanto mais que o instrutor não faz prova plena dos factos nele narrados e a factologia em causa era do completo desconhecimento da Autora, razão peta qual o seu surgimento como factos provados constitui uma verdadeira decisão- surpresa e uma denegação dos princípios do dispositivo e contraditório. Acresce, ainda, que, 9º Não só o Tribunal a quo não deu, ao arrepio do disposto no nº 4 do artº 607º do CPC, como provados ou não provados factos que eram absolutamente essenciais para a boa decisão da causa nada se sabendo sobre se a Câmara licenciou a utilização da construção recuada, se o projeto de arquitetura licenciado pela Câmara compreendia tal construção, da mesma forma que nada se decidiu sobre se tal construção recuada sempre estivera no uso exclusivo da fração da A. e se sempre teve o saneamento, luz e água dessa mesma fração", como a verdade é que a matéria de facto dada por assente é claramente insuficiente e obscura, uma vez que o Tribunal a quo considera legal uma ordem de demolição quando nem sequer sabe quais as áreas que estão afetas à fração V " da A. ", à fração X e às demais frações (v., neste sentido, o nº 10 da factologia dada por provada) e quando nem sequer deu por provado que obras foram efetuadas, quem as efetuou e onde as efetuou.

  5. Semelhante comportamento do Tribunal a quo é, passe a expressão, a "prova provada" da desigualdade com que esse mesmo Tribunal tratou as partes em litígio, pois enquanto para a entidade demandada se dá por provado mesmo aquilo que ela não alegou" como supra se verificou -, já o que a A. alegou para sustentar os vícios imputados é considerado como matéria factual irrelevante, ao ponto de nem sequer valer a pena ao Tribunal a quo submete-la a prova e dá-la como provada ou não provada.

  6. Para além disso, é verdadeiramente arrojado e revelador de imprudência que o Tribunal a quo tenha considerado legal a ordem de demolição com o argumento de o espaço ser comum e não privativo da fração da A. quando nem sequer se deslocou ao local, quando não ordenou qualquer perícia nem ouviu qualquer testemunha e quando é o primeiro a reconhecer que desde há muito existe uma dúvida sobre a natureza privativa ou comum do espaço em causa - ao ponto de o próprio Município ter dito em 2004 que o título constitutivo integrava o espaço em causa das frações da A.- e X - da Srª: C.M. (v. nº 20 da factologia dada por provada, podendo-se dizer que a Meritíssima Juiz a quo viu sem sequer sair do seu gabinete aquilo que nunca ninguém conseguira ver ao longo destes anos.

  7. Consequentemente, seja por ter dado por provados factos em clara violação dos princípios da Igualdade, tutela judicial efetiva, contraditório e dispositivo, seja por incumprimento do nº 4 do artº 607º do CPC ou por insuficiência e obscuridade da matéria de facto, impõe-se anular a decisão de facto proferida pelo Tribunal a quo em cumprimento do disposto no art.º 662º do CPC. Acresce que.

  8. O aresto em recurso Incorreu igualmente em erro de julgamento de direito ao julgar Improcedente o vício de prescrição do direito de ordenar o demolição com o argumento de que tal direito é imprescritível, pois não só estão sujeitos a prescrição todos os direitos que não sejam Indisponíveis e não sejam Isentos por lei (v., neste sentido, o art,º 298° do CCivil e PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, in Código Civil Anotado, Volume I, Artigos 1° a 761°, 48 Edição Revista e Atualizada, pp. 272 e 273) como a jurisdição administrativa já teve oportunidade de deixar bem claro que também os direitos reconhecidos por lei a pessoas coletivas públicas estão sujeitos aos prazos de prescrição constantes do Código Civil (v., neste sentido, o Ac. do TCASUL, de 07/1112013, Proc, nº 08867/12).

  9. Consequentemente, estando provado que, pelo menos, desde 1988 a construção recuada alegadamente Ilegal tem existência e é do conhecimento do...

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