Acórdão nº 02581/09.4BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 31 de Janeiro de 2020

Magistrado ResponsávelHelena Ribeiro
Data da Resolução31 de Janeiro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I-RELATÓRIO 1.1. C.S.C.S., residente na Rua (...), freguesia de (...), concelho de (...), intentou a presente a ação administrativa comum contra o ESTADO PORTUGUÊS, e N.F.A.C.

, soldado da GNR nº. XXX/2030809, com domicílio profissional na GNR dos (...), freguesia de (...), concelho e comarca de (...), e MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA, com sede institucional na Praça do Comércio pedindo a condenação dos Réus a “ pagar à Autora a quantia global de €45.791,48 (quarenta e cinco mil setecentos e noventa e um euros e quarenta e oito cêntimos), a título de danos patrimoniais e não patrimoniais já liquidados, acrescida de juros desde a citação, à taxa legal, até efetivo e integral pagamento, e, serem, ainda, condenados a pagar a título de indemnização a liquidar em execução de sentença os danos patrimoniais e não patrimoniais que venham a ser apurados e tudo o mais que legal for (…)”.

Alega, para tanto, em síntese, que no dia 08 de outubro de 2006, quando seguia como ocupante no veículo conduzido por H.A.G.R., em consequência da perseguição policial ao veículo conduzido por aquele, no âmbito da qual foram efetuados disparos pelo agente da Guarda Nacional Republicana, o aqui 2º R, que se encontrava destacado e ao serviço do posto territorial dos (...), sob a tutela do 3º R, foi atingida por tais disparos, na sequência do que deu entrada no Hospital de Santo António, vítima de traumatismo perfurante na região axilar esquerda com hemorragia ativa por lesão da artéria axilar esquerda, com lesão do tronco posterior do plexo braquial, sem orifício de saída de bala visível, de que lhe resultaram danos não patrimoniais e patrimoniais pelos quais pretende ser indemnizada.

1.1.

Os Réus foram regularmente citados, tendo todos apresentado contestação.

1.1.2.1.

O Réu Ministério da Administração Interna defendeu-se por exceção, arguindo a sua ilegitimidade passiva e requereu a sua absolvição da instância.

1.1.2.2.

O Réu N.F.A.C. defendeu-se por exceção e por impugnação.

Na defesa por exceção invocou a incompetência em razão da matéria do TAF, a caducidade e a prescrição do direito da Autora, requerendo a sua absolvição da instância.

Na sua defesa por impugnação alegou, em síntese, que sempre respeitou escrupulosamente a vida do seu semelhante, tendo atuado em legitima defesa, ao ver a sua vida e a do seu camarada perigar, tendo sido o condutor do veículo, H.R quem, com a sua atuação, não só de resistência e desobediência à ação fiscalizadora do R., mas de coação, atentando contra a sua vida, ao avançar com toda a força com o Toyota Hiace, contra o mesmo, com o objetivo de o atropelar, esmagar ou até de causar-lhe a morte, o causador e responsável pelos danos sofridos pela Autora, requerendo a improcedência da ação.

1.1.2.3.

O Réu estado Português, representado pelo Ministério Publico, defendeu-se por impugnação, sustentando que nenhuma responsabilidade cabe ao Estado na produção dos danos sofridos pela autora, cabendo essa responsabilidade por inteiro aos ocupantes da viatura Toyota Hiace, sobretudo ao condutor H.R, cuja conduta foi determinante do desencadear e desenrolar de todo o processo que culminou nas ofensas corporais sofridas pela autora, requerendo que a presente ação seja julgada improcedente.

1.1.3.

Foi realizada a audiência prévia das partes e proferido despacho saneador, no qual se julgaram improcedentes as exceções da incompetência material do tribunal, da caducidade e da prescrição e procedente a exceção da ilegitimidade passiva do 2.º e do 3.º Réu (esta, suscitada oficiosamente), absolvendo-os da instância, fixado o objeto do litígio e enunciados os temas de prova.

1.1.4.

Realizou-se audiência de discussão e julgamento com observância do formalismo legal.

1.1.5.

Em 30.09.2015 foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente, lendo-se na mesma: «Nesta conformidade, pelas razões aduzidas, julga-se a presente ação administrativa comum parcialmente procedente, e, em consequência, condena-se o Estado Português a pagar à Autora a quantia de € 20,121,48, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até efetivo e integral pagamento, absolvendo-o do demais peticionado.

Custas a cargos da A. e R., na proporção do decaimento.

Registe e notifique-se.» 1.1.6.

Inconformado com esta decisão, o Réu (Estado Português) interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que a decisão recorrida seja revogada e substituída por outra que julgue a ação improcedente.

Concluiu as suas alegações da seguinte forma: « 1 - A Autora intentou a presente Ação Administrativa Comum contra o Réu – Estado português pedindo que este seja condenado a pagar-lhe a quantia de €45.791,48 (quarenta e cinco mil setecentos e noventa e um euros e quarenta e oito cêntimos) a título de danos patrimoniais e não patrimoniais já liquidados, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento e ainda indeminização a liquidar em execução de sentença referente aos danos patrimoniais que venham a ser apurados.

2 - A ora Autora fundamentou a sua pretensão na responsabilidade civil extracontratual, emergente do facto ilícito, por parte do Réu - Estado português consistente nos disparas efetuados contra si, porquanto no dia 08 de outubro de 2006, de madrugada, por várias artérias do concelho de (...), o Soldado da Guarda Nacional Republicana (GNR), N.F.A.C. que se encontrava ao serviço no Posto Territorial dos (...), (...) - e demais colegas da GNR - encetou uma perseguição ao veículo automóvel suspeito de furto, conduzido pelo terceiro H.A.G.R. [e depois de várias tentativas frustradas de fazer cessar a marcha do veículo o qual se dirigia em direção ao seu corpo] disparou vários tiros contra o sobredito veículo, os quais por infortúnio vieram a atingir a ora Autora, enquanto ocupante do sobredito veículo.

3 - Em 30 de setembro de 2015, foi proferida sentença parcialmente condenatória, a qual foi notificada ao Réu - Estado português em 12 de outubro de 2015, em que obrigou este último a pagar àquela, a quantia global de € 20.121,48 (vinte mil, cento e vinte um euros e quarenta e oito cêntimos), a título de indemnização por danos patrimoniais (€ 121,48) e danos não patrimoniais (€ 20.000,00), respetivamente.

4 - A sentença a quo fundamentou a sua pretensão condenatória na motivação em responsabilidade civil extracontratual, pelo risco e já na parte dispositiva na responsabilidade civil extracontratual por facto lícito, o que consubstancia, só por si, uma contradição insanável entre os fundamentos e a decisão, o que gera nulidade de sentença, nos termos do artigo 614º, nº 1, al. c) do CPC.

5 - Por outro lado, o Meritíssimo Juiz de Direito a quo não apreciou juridicamente os factos integrativos da culpa de terceiro (referente ao condutor do veículo furtado H.A.G.R.), excludentes da responsabilidade civil extracontratual por facto lícito do Estado, o que igualmente gera nulidade de sentença, nos termos do artigo 614º, nº 1, al. d) do CPC.

6 - Destarte, na nossa modesta opinião, o Meritíssimo juiz de Direito a quo apreciou e decidiu sobre matéria inerente à responsabilidade civil extracontratual por facto lícito (pelo menos na parte dispositiva da sentença), que não estava alegada na PI e consequentemente não foi objeto de contraditório por parte do Réu - Estado português, o que constitui nulidade de sentença, nos termos do artigo 614°, n° 1, al. d) in fine e e) do CPC.

7 - Por último, a sentença a quo não deu como provado que o Soldado da GNR N.C. ao disparar a arma de fogo que lhe estava distribuída, sabia ou previu como tal e conformou-se com tal resultado que - para além do condutor - existiam outros ocupantes no veículo furtado em fuga, de modo que teria que concluir juridicamente o afastamento de qualquer responsabilidade civil por parte do Réu - Estado português, o que constitui erro na apreciação de direito.

O que, 8 - Constitui erro de direito, que deve ser declarado, revogada a sentença e alterada por outra em sentido contrário, ou seja, absolutória, de acordo com o acima exposto.

Ademais, 9 - Os danos não patrimoniais devem ser fixados no seu quantum em montante próximo dos € 10.000,00, de acordo com os critérios legais fixados no artigo 494° aplicável ex vi artigo 496°, n.° 3, 1ª parte ambos do CC.

Assim e em conclusão, 10 - Nos segmentos acima mencionados, o Réu - Estado português discorda da interpretação jurídica feita na sentença a quo e não se conforma com a opção condenatória da decisão judicial, pelo que dela interpõe o presente recurso, circunscrito às questões de direito acima indicadas.

11 - De modo que, não obstante a sentença a quo considerar que não existiu culpa da própria lesada, mas sim do condutor do veículo, acabou por não concluir - como devia que a culpa do terceiro H.R in casu é excludente da responsabilidade civil por facto lícito imputada ao Réu - Estado português.

Pelo que, 12 - Violou, desta maneira, a parte final do artigo 8° do Decreto-Lei nº 48 051, de 21 de novembro de 1967.

Por outro lado, 13 - Acresce referir que a ora Autora ao ter entrado no veículo conduzido pelo terceiro condutor assumiu o risco inerente a qualquer ocupante de um veículo automóvel em caso de acidente, não podendo agora querer responsabilizar o Réu - Estado português pelo infortúnio que lhe veio a suceder, em consequência duma conduta culposa do próprio condutor do veículo automóvel onde se encontrava aboletada.

Mais, 14 - No âmbito da matéria de facto dada por assente, não foi dado como provado que o agente policial soubesse que o veículo conduzido pelo H.R transportasse outros ocupantes, designadamente a ora Autora, pelo que não se pode assacar qualquer responsabilidade civil ao Réu - Estado português, quando o seu agente policial nem sequer previu como possível que no veículo estivessem outros ocupantes para além do próprio condutor [terceiro].

15 - Sendo certo...

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