Acórdão nº 1419/19.9BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 30 de Janeiro de 2020

Magistrado ResponsávelANA CELESTE CARVALHO
Data da Resolução30 de Janeiro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I – RELATÓRIO O Ministério da Administração Interna, devidamente identificado nos autos de ação administrativa urgente instaurada por A..........

, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida em 27/09/2019, pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que julgou a ação procedente, anulando a decisão da Diretora Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, de 17/07/2019 e condenando à reconstituição do procedimento relativo ao pedido de proteção internacional formulado pelo Autor em 21/05/2019.

* Formula o Recorrente, nas respetivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem: “A. Resulta evidente que o Tribunal ad quo na sua ponderação e julgamento do caso sub judice não teve em atenção o quadro legal atinente aos critérios e mecanismos de determinação do EstadoMembro responsável pela análise do pedido de proteção internacional apresentado por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida. Vejamos então, B. O recorrido formulou pedido de proteção internacional no Gabinete de Asilo e Refugiados do ora recorrente, o qual foi seguido de uma entrevista pessoal realizada em 03 de Julho de 20 l9 nas instalações do SEF.

  1. A entrevista supra referida foi realizada ao abrigo do art.º 16º da Lei de Estrangeiros a qual no seu nº 1 expressa o seguinte: “Antes de proferida qualquer decisão sobre o pedido de proteção internacional, é assegurado ao requerente o direito de prestar declarações na língua da sua preferência ou noutro idioma que possa compreender e através do qual comunique claramente, em condições que garantam a devida confidencialidade e que lhe permitam expor as circunstâncias que fundamentam a respetiva pretensão”.

  2. Na pendência da entrevista, que se encontra documentada e como taJ provada a fls. 17 e ss do procedimento administrativo, e após consulta do Sistema EURODAC, foi constatada a existência de um Hit positivo com o "Cases ID IT..................", inserido pela Itália, e confirmado pela ora recorrida a existência do pedido de proteção internacional que o recorrido efetuou aquando da sua chegada à Itália, em 20l4.

  3. Ora perante esta informação, o SEF, nos termos do artigo 37º, nº 1, e com sustento no mencionado registo EURODAC, solicitou às autoridades congéneres Italianas a retoma a cargo, ao abrigo do art.º 18º nº 1 d) do Regulamento (UE) 60412013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho (Regulamento Dublin), as quais tacitamente aceitaram em conformidade com o disposto no art.º 25º nº 1 e 2 do Regulamento Dublin.

  4. Obedecendo aos trâmites legais impostos quer pelo Regulamento, quer pela Lei de Asilo em vigor, a entidade Recorrente (SEF), em conformidade, proferiu Decisão considerando o pedido inadmissível nos termos da alínea a) do nº 1 do art.º 19º-A da Lei 27/2008, de 30 de junho (Lei de asilo), determinando a transferência do ora recorrido para a Suíça, conforme plasmado no art.º 37º, nº 3 da Lei de Asilo, decisão que o visado (o ora recorrido) viria a impugnar junto do TAC de Lisboa, o qual por sentença datada de 27 de Setembro de 2019 entendeu julgar procedente a ação impugnatória.

  5. Com a devida Vénia, afigura-se ao recorrente que a Sentença, ora objecto de recurso, carece de fundamentação legal, porquanto não logrou fazer a melhor interpretação do regime que regula os critérios de determinação do estado membro responsável, em conformidade com o Regulamento (EU) que o hospeda.

  6. Na verdade, não pode o ora recorrente aceitar o veredicto plasmado na Sentença que considerou boa a tese do recorrido (Autor).

  7. Estatui a alínea a) do nº l do art.º 19º-A da Lei 2712008, de 30 de junho, que "O pedido é considerado inadmissível , quando se verifique que está sujeito ao procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional, previsto no capítulo IV".

  8. Sob a epígrafe «Procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional», o capítulo IV estabelece no art.º 36º que "quando haja lugar à determinação do Estado responsável pela análise de um pedido de proteção internacional é organizado um procedimento especial regulado 110 presente capítulo" K. Quer isto dizer que, recebido o pedido de Proteção Internacional e verificando que, nos termos do nº 1 do art.º 37º, "a responsabilidade pela análise do pedido de proteção internacional pertence a outro Estado membro" as autoridades portuguesas, em conformidade com o legalmente estabelecido, iniciam um procedimento especial "de acordo com o previsto no Regulamento (EU) nº 60412013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho" L. As diligências reclamadas pelo Tribunal "ad quo", reportam-se à tramitação do Procedimento estabelecido no capítulo III, e tem por escopo salvaguardar determinadas garantias e, em particular, assegurar "ao requerente o direito de prestar declarações (...) que lhe permitam expor as circunstâncias que fundamentam a respetiva pretensão", conforme se estabelece no art.º 16º.

  9. Ora, a tramitação do procedimento de determinação do Estado-Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional obedece a regras de procedimento diferentes, que são as estabelecidas pelo Regulamento (EU) nº 604/2013, do parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho (Regulamento de Dublin).

  10. Nesse sentido e em sede de garantias dos requerentes, o regulamento Dublin vem estabelecer no art.º 4º o Direito à informação e, no art.º 5º, a realização de uma Entrevista pessoal "A fim de facilitar o processo de determinação do Estado-membro responsável (...)". A entrevista deve permitir, além disso, que o requerente compreenda devidamente as informações que lhe são facultadas nos termos do art.º 4º.

  11. As normas prescritas nos arts. 16º e 17º da lei 27/2008 (Lei de Asilo), que estabelecem a obrigatoriedade de o requerente prestar declarações, com base nas quais se realiza um relatório escrito que deve ser notificado ao requerente para sobre ele se pronunciar, aplicam-se integralmente nos procedimentos comuns, ou seja, aqueles, cuja competência para análise do pedido de proteção internacional pertence ao Estado Português.

  12. Situação diferente impende sobre os procedimentos especiais, mormente nos casos em que é necessário determinar qual o Estado que vai analisar o pedido de proteção internacional, pelo que ficando determinado que é outro o Estado responsável pela análise, não se aplicam as normas vertidas no procedimento previsto no capítulo III do referido diploma legal.

  13. Ora, nestes casos, não é aplicável o disposto no art.º 17º nº 2 da lei do Asilo, afastada pela certeza "especial" do procedimento plasmado no art.º 36º e ss. da referida Lei, tal como se comprova no nº 7 do art.º 37º, que estipula que: "em caso de resposta negativa do Estado requerido ao pedido formulado pelo SEF, nos termos do nº 1 observar-se-á o disposto no capítulo III".

  14. Explicitando - e afigura-se à entidade Recorrente que é justamente aqui que se encontra o busílis da questão e que o tribunal ad quo não alcançou -, a norma supra vem dizer claramente que só no caso da Itália expressamente declinar a sua responsabilidade na retoma ou tomada a cargo é que haverá lugar à aplicação do Capítulo III, o que como se sabe não foi o caso, uma vez que a Suíça expressamente aceitou, afastando assim e decisivamente a aplicabilidade do capítulo III.

  15. No âmbito do procedimento especial previsto no capítulo IV da Lei de asilo (arts. 36º a 40º) relativo à determinação do Estado-membro responsável pela análise do pedido, tal garantia seria absolutamente inútil e desprovida de sentido, na medida em que não se vai analisar o mérito do pedido nem os fundamentos em que se baseiam a pretensão do requerente, uma vez que a determinação do Estado-membro responsável pela análise do pedido constitui causa de inadmissibilidade do pedido de proteção internacional apresentado em território nacional, nos termos do art.º 19º-A, nº 1, alínea a) da Lei de Asilo.

  16. Sublinhe-se que, o nº 2 do mesmo art.º 19º-A da lei de Asilo, de forma categórica estipula que nos casos em que o pedido é considerado inadmissível, "prescinde-se da análise das condições a preencher para beneficiar do estatuto de proteção internacional".

  17. Ora prescindida a análise das condições a preencher para beneficiar do estatuto de proteção internacional, questiona-se o recorrente, afinal qual a utilidade da audiência de interessados, a qual não se encontra prevista, nem na Lei de Asilo, nem no regulamento de Dublin, quer estejamos perante uma situação de retoma ou tomada a cargo.

    V. Qual o efeito útil de um acto administrativo que além de não ser legalmente exigido na situação particular, não interfere nem altera a mecânica do procedimento de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional.

  18. Salvo melhor opinião, afigura-se ao recorrente que a audiência de interessados, tal como vem reclamada pela Sentença em crise teria como função dar ao requerente de proteção internacional a oportunidade de se pronunciar sobre os elementos constantes do relatório enunciado no art.º 17º da lei do asilo, ou seja pronunciar-se sobre o mérito do seu pedido.

    X. Ora a análise do mérito do pedido foi imediatamente suspensa aquando do início do procedimento de determinação do Estado responsável pela sua analise, cfr. art.º 39º da Lei de Asilo, em articulação com o nº 7 do art.º 37º.

  19. Explicitando, estando a decorrer o procedimento de determinação do estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional iniciado nos termos do art.º 36º da Lei de Asilo, suspende-se o procedimento de análise do pedido de proteção propriamente dito, o qual só será retomado no caso de Estado que vier a ser considerado responsável declinar essa responsabilidade não a aceitando expressamente.

  20. Assim, apenas se o Estado considerado responsável...

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