Acórdão nº 462/08.8BECTB de Tribunal Central Administrativo Sul, 24 de Janeiro de 2020

Magistrado ResponsávelTÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Data da Resolução24 de Janeiro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acórdão I. RELATÓRIO A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio apresentar recurso da sentença proferida a 23.05.2016, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Castelo Branco, na qual foi julgada procedente a impugnação apresentada por T….., Lda (doravante Recorrida ou Impugnante), que teve por objeto as liquidações de imposto sobre o valor acrescentado (IVA), atinentes aos meses de janeiro a dezembro de 2005, de janeiro a dezembro de 2006, de maio e de setembro de 2007.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Nesse seguimento, a Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos: “

  1. Foram violados, pela douta sentença, o Plano Nacional de Actividades da Inspecção Tributária aprovado para o ano 2007 (PNAIT/2007), o artigo 27/1 alínea a) do RCPIT, o artigo 544° do CPC (actual artigo 444° do CPC), o artigo 76° da LGT.

  2. Foram violados, pela douta sentença, o principio do estado de direito fiscal no sentido do sistema fiscal ter em vista a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas nos termos do artigo 103° da CRP, o princípio da igualdade e o sub- princípio da capacidade contributiva manifestada pela impugnante patenteada no relatório de inspecção tributária ora em causa, o princípio da repartição justa dos rendimentos e da riqueza previsto no artigo 103° da CRP, o Plano Nacional de Actividades da Inspecção Tributária aprovado para o ano 2007 (PNAIT/2007), o artigo 27/1 alíneas a) e c) do RCPIT, o artigo 70° da LGT, o artigo 544° do CPC (actual artigo 444° do CPC), o artigo 76° da LGT, o artigo 58° da LGT.

  3. Consta da carta aviso, das ordens de serviço, da nota de diligência, do relatório de inspecção emitidos pela entidade competente, conforme chancela aposta a identificar a legislação e órgão competente, e a respectiva assinatura, como o impõe o RCPIT, como critério de selecção para inspecção da impugnante o “PNAIT 221.35, ano/exercício 2005, ano/exercício 2006”, um dos critérios previstos no Plano Nacional de Actividades da Inspecção Tributária (PNAIT) para o ano 2007 (ano em que teve lugar o procedimento inspectivo ora em causa): “221.35 - SP’s relativamente aos quais tenham sido apresentadas denúncias”.

  4. Critério em causa utilizado que se encontra previsto e abrangido pelo artigo 27/1 alínea a) do RCPIT nos termos do qual “a identificação dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários a inspeccionar no procedimento de inspecção tem por base a aplicação dos critérios objectivos definidos no PNAIT para a actividade de inspecção tributária”.

  5. Por outro lado, em relação à denúncia em apreço, a impugnante ora recorrida não impugna a genuinidade ou sequer invoca a falsidade do documento, limitando-se a colocar questões, sendo que, há muito, querendo fazê-lo, que o devia ter feito, desde logo nos termos e prazos do artigo 544° do CPC (actuais artigos 444° e 446° do CPC) ex vi artigo 2o do CPPT, nunca o tendo feito.

  6. Sendo ainda de evidenciar o artigo 76/1 da LGT, nos termos do qual “as informações prestadas pela inspecção tributária fazem fé, quando fundamentadas e se basearem em critérios objectivos, nos termos da lei”.

  7. Ora, são os ínspectores tributários intervenientes no procedimento de inspecção que juntam e fazem expressa menção ao “extracto de denúncia” como critério de selecção previsto no Plano Nacional de Actividades da Inspecção Tributária (PNAIT) para o ano 2007 (ano em que teve lugar o procedimento inspectivo ora em causa): “221.35 - SP’s relativamente aos quais tenham sido apresentadas denúncias”, cuja genuinidade não é impugnada pela impugnante recorrida, fazendo fé a informação prestada pela inspecção tributária. Não é, pois, “uma forma de «deixar entrar pela janela o que não se quis deixar entrar pela porta»”.

  8. Aliás, em anotação ao artigo 70° da LGT, na sua “Lei Geral Tributária anotada”, Lima Guerreiro refere que “...o número 1 impõe o início do procedimento com base em denúncia de autoria identificada e quando não seja manifesto o seu carácter infundado, mas não veda que os dados integrantes da denúncia não identificada sejam tidos em conta, se se revelarem fundamentados, por confronto como outro outros elementos já em poder da administração tributária, na decisão de instauração de procedimento, caso se verifiquem os requisitos legais que lhe podem dar início e são os previstos genericamente no artigo 27°, número 1, do RCPIT. Não resulta da expressão do número do presente artigo uma proibição absoluta do início do procedimento nos casos de denúncia de autoria não identificada (o que seria inequívoco se antes de «pode» tivesse incluído o advérbio «somente»)”.

  9. Por outro lado e sem conceder, em virtude da natureza fiscal do nosso estado de direito nenhum contribuinte está isento da fiscalização sendo que, mais tarde ou mais cedo, todos os contribuintes, independentemente da sua dimensão, localização ou sector de actividade, deviam ser objecto de fiscalização. Prevêem precisamente o RCPIT e a LGT que no âmbito do procedimento de inspecção tributária, regra geral, a iniciativa do procedimento [que visa também a confirmação dos factos tributários declarados pelos sujeitos passivos e demais obrigados tributários (artigo 2/2 alínea a) do RCPIT] é da inspecção tributária.

  10. Depois, o que o RCPIT e a LGT regulam no âmbito do procedimento de inspecção não são os fundamentos desta - ínsita na natureza fiscal do nosso estado de direito - mas sim os princípios e regras a esta aplicáveis, os critérios (no sentido de estabelecer uniformidade e de fazer face à escassez dos recursos inspectivos), as competências, o âmbito da inspecção, o iter procedimental, a forma de obtenção dos elementos probatórios.

  11. Assim, para além do critério de selecção em causa utilizado estar abrangido pelo artigo 27/1 alínea a) do RCPIT, está também abrangido pelo artigo 27/1 alínea c) do mesmo artigo.

  12. Assim, tendo em conta os princípios da prossecução do interesse público e do inquisitório, previstos nomeadamente no artigo 58° da LGT, ínsitos na natureza da inspecção tributária e nos objectivos para ela previstos nomeadamente no artigo 2º do RCPIT, quanto à selecção dos contribuintes a inspeccionar esta obedece também, necessariamente, a critérios aleatórios, uma vez que pelo simples facto de se ser contribuinte e da natureza fiscal do nosso estado de direito, pode-se ser objecto duma acção inspectiva.

  13. Quer-se com isto dizer que o poder de inspecção tributária é exercitado essencialmente mediante critérios de oportunidade. É claramente um poder de natureza discricionária e o seu exercício comporta os limites inerentes ao exercício de todo o poder discricionário da administração, por força da sua natureza e das próprias normas da Constituição da República Portuguesa. Assim, e desde logo, a inspecção tributária visa apurar a situação tributária dos contribuintes. A selecção destes obedece a critérios objectivos e subjectivos (embora estes últimos decorram já da consideração dos critérios objectivos). Os primeiros são constituídos também a partir de estudos comportamentais - denúncias, notícias de imprensa e outros - e cruzamentos automáticos. Os segundos partem da necessidade de ponderar quantas acções de inspecção deverá ter um determinado programa de inspecção e sobretudo ponderar o grau de importância de cada um dos critérios de selecção. Construído o universo de contribuintes que preenche um ou vários critérios de selecção, há que proceder à selecção nominal dos contribuintes a inspeccionar utilizando: critérios aleatórios, critérios de nível de materialidade, critérios mistos, universo total dos contribuintes a inspeccionar.

  14. Assim, e no que tange à presente situação, estando em causa o princípio da prossecução do interesse público, o princípio da indisponibilidade das obrigações tributárias e a existências de indícios, mesmo que ténues - fls. 26 do processo administrativo (extracto de denúncia) - de eventual não regularização da situação tributária da ora impugnante, acompanhada com elementos ao dispor da administração tributária - nomeadamente fls. 21 a 56 do processo administrativo - não podia esta deixar de fazer aquilo que lhe incumbe, apurar a situação tributária do contribuinte.

  15. Quer-se com isto dizer que mesmo tratando-se de denúncia de autoria não identificada, não pode decorrer do escopo da lei qualquer impedimento à realização de diligências, tendo em vista o início e o posterior desenvolvimento do procedimento inspectivo. Assim, e na perspectiva de enquadramento do critério no artigo 27/1 alínea c) do RCPIT, mesmo que não encontrado o denunciante ou não confirmada a denúncia, não deixa, por isso, de proceder-se às necessárias averiguações e de agir de harmonia com o seu resultado, “mas então há que proceder ao levantamento do auto de notícia pelo funcionário que verificou pessoalmente a infracção. Processualmente tudo se passa como não havendo denúncia” (Fernando Pinto Femandes e Cardoso dos Santos no seu Código de Processo Tributário anotado). A presente inspecção tem, pois, como critério de selecção a existência duma denúncia nos termos do PNAIT 2007 - fls. 12 a 15 do processo administrativo - que mesmo não encontrado o denunciante ou não confirmada a denúncia, não poderia, por isso, impedir a prossecução do procedimento e de agir de harmonia com o seu resultado.

  16. Depois ainda, as enormes correcções e irregularidades detectadas, quer em sede de IVA, quer em sede de IRC, demonstram por si o fundamento da denúncia.

  17. Finalmente, qualquer irregularidade que eventualmente tivesse existido nas ordens de serviço não implicariam nulidade do procedimento e muito menos das liquidações mas apenas irregularidades invocáveis no próprio procedimento de inspecção que teriam legitimado a oposição à prática de actos de inspecção. E se dúvidas a ora impugnante tivesse, poderia ter solicitado esclarecimento, quer no âmbito do direito de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT