Acórdão nº 02557/17.8BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 17 de Janeiro de 2020

Magistrado ResponsávelRicardo de Oliveira e Sousa
Data da Resolução17 de Janeiro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:* *I – RELATÓRIO S.M.A.P., devidamente identificada nos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 11.06.2019, proferida no âmbito da Ação Administrativa que a Recorrente intentou contra a CÂMARA MUNICIPAL DO (...), rectius, MUNICÍPIO DO (...), que julgou a mesma improcedente, e, em consequência, absolveu o Réu do pedido.

Em alegações, a Recorrente formula as conclusões que ora se reproduzem, que delimitam o objeto do recurso: “(…) I.

A decisão a quo está errada e, por isso, deve ser revogada.

II.

A verdade é que no caso concreto estamos perante vários inocentes que serão irremediavelmente prejudicados por uma decisão com eficácia externa e lesivo de um dos direitos mais basilares.

III.

Existe, pois, por parte do Tribunal a quo uma falta de sentido de proporcionalidade e uma ponderação indevida na análise da situação vertente que coloca em causa o direito à habitação constitucionalmente consagrado no artigo 65° da C.R.P., da recorrente e do filho menor desta que nada têm a ver com a presente situação.

IV.

Pelo que a situação da recorrente impõe a busca de equilíbrio e harmonia, na ponderação de direitos e interesses à luz do caso concreto, na prossecução da melhor forma de aplicação e efetivação dos direitos fundamentais.

V.

Por isso mesmo, estabelece o artigo 266.°, n.° 2 da Constituição da República Portuguesa que “Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem atuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé”.

VI.

O ato do Município do (...) é, em nosso entender, nulo por ofender o conteúdo essencial de um direito fundamental nos termos abrigados do artigo 161° n° 2 d) do C.P.T.A. em conjugação com o disposto no artigo 32° n°2 da C.R.P..

VII.

Viola igualmente a decisão ora em crise o princípio da legalidade, do princípio da prossecução do interesse público e da proteção dos direitos e interesses dos cidadãos, do princípio da proporcionalidade, dos princípios da justiça e da razoabilidade, do princípio da imparcialidade e do princípio da boa-fé previstos nos artigos 3°, 4°, 7°, 8°, 9° e 10° do C.P.T.A. e C.P.A. (…)”.

*Notificado que foi para o efeito, o Recorrido contra-alegou nos seguintes termos: “(…) A apelante insurge-se contra a decisão do Tribunal a quo que decidiu pela improcedência da ação por si intentada e, como tal, pela absolvição do aqui Réu do pedido.

Todavia, salvo o devido respeito, não lhe assiste qualquer razão.

Apesar dos esforços argumentativos que a apelante faz nas suas alegações de recurso, é manifesto que os vícios assacados ao ato administrativo, caso se viessem a dar como verificados - o que não aconteceu - apenas gerariam anulabilidade.

De facto, a apelante fundamenta a tese de que o ato administrativo padece de diversos vícios nomeadamente, a violação do direito constitucional à habitação (artigo 65° da CRP), visto que o artigo 161° do CPA menciona que são nulos os atos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental.

Ora, como refere MARCELO REBELO DE SOUSA E ANDRÉ SALGADO DE MATOS, “A formulação legal é excessivamente ampla: por direitos fundamentais, para estes efeitos, devem entender-se apenas os direitos, liberdades e garantias (quer os direitos do Título II da Parte I CRP, quer os direitos análogos a estes, nos termos do art.17° CRP) e não os direitos económicos, sociais e culturais na sua dimensão de direitos de prestações (...) Acrescentam ainda os mesmos autores que “a utilização da expressão conteúdo essencial está deslocada, na medida em que é utilizada pelo art. 18°, 3 da CRP para delimitar um âmbito dos direitos fundamentais intocável pela atividade legislativa, não se afigurando como operativa para a proteção dos direitos fundamentais perante a administração" ( Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, Direito Administrativo Geral, Atividade Administrativa, Tomo III, 1- Edição).

Assim, constituindo o direito constitucional à habitação, não um direito, liberdade e garantia, mas um direito com dimensão social, os vícios assacados nunca gerariam nulidade, apenas mera anulabilidade.

Tal situação reforçada por diversa jurisprudência, nomeadamente o Tribunal Central Administrativo do Norte, no acórdão datado de 06 de março de 2015, “Como se salienta, entre outros, no Acórdão do Tribunal Constitucional n .° 374/2002, o direito à habitação, enquanto direito a ter uma morada decente ou condigna (65.° da CRP), assume essencialmente uma dimensão social de “um direito a prestações, de conteúdo não determinável ao nível das opções constitucionais, a pressupor, antes, uma tarefa de concretização e de mediação do legislador ordinário, cuja efetividade está dependente da reserva do possível, em termos políticos, económicos e sociais”. Ou seja, o direito à habitação, enquanto direito fundamental de natureza social, “pressupõe a mediação do legislador ordinário destinada a concretizar o respetivo conteúdo” (Acórdão do TC n.° 829/96), dele não se retirando um “direito imediato a uma prestação efetiva” (Acórdão do TC n.° 280/93.”.” [Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 06 de março de 2015, processo 01064/13.2BEPRT] Acrescenta ainda o Supremo Tribunal de Justiça no acórdão datado de 02 de outubro de 2014, que “A título de fumus boni iuris, os Recorrentes imputam à decisão em causa várias nulidades resultantes, designadamente por violação dos arts. 36°, n° 5 e 6; 65°; 67°, e 68 e 69° da CRP, uma vez que se traduzem na ofensa ao conteúdo essencial de direitos fundamentais, nos termos do disposto no art. 133°, n° 2, do CPA). Na verdade, segundo o mencionado na alínea d) do art° 133°, n° 2, conjugada com o n° 1 do mesmo preceito, são nulos os “atos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental”. No que diz respeito ao sentido e alcance da expressão direito fundamental a doutrina defende tratar-se de uma formulação legal excessivamente ampla: “por direitos fundamentais, para estes efeitos, devem considerar-se apenas os direitos, liberdades e garantias (quer os do Título II da Parte I da CRP, quer os direitos análogos a estes, nos termos do art.17° CRP) e não os direitos económicos, sociais e culturais na sua dimensão de direitos a prestações” (cfr. MARCELO REBELO DE SOUSA/ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Direito Administrativo Geral, 2* ed., 2009, p. 171). Por aplicação desta doutrina, no caso dos autos, com exceção do direito consignado no art. 36°, n° 5, da CRP, os demais integram-se, precisamente, na categoria de direitos económicos, sociais e culturais." [Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 02 de outubro de 2014, proferido no processo 0628/14].

Desta forma, a nulidade é uma exceção cada vez mais apertada como consequência de um ato administrativo inválido e os argumentos concretos imputados pela Apelante ao ato consubstanciam todos eles pelo menos teoricamente numa anulabilidade do ato administrativo e não a sanção mais pesada que é a nulidade.

De qualquer dos modos, e não desfazendo do supra dito, mesmo a anulação do ato administrativo de resolução do contrato de arrendamento apoiado é totalmente descabida, na medida em que o fundamento em que se baseou é perfeitamente válido.

O que é certo é que o companheiro da aqui Autora residia com ela à data dos factos por que foi condenado a 6 anos de prisão, pelo que a dedicação do mesmo ao tráfico de droga e utilização do fogo para esse efeito era do total conhecimento da mesma.

E só podia ser, desde logo, tendo em conta as regras de experiência comum, e até porque como consta do auto de busca constante da Acusação, no fogo foram apreendidos dinheiros e vários tipos e quantidades de estupefacientes.

Portanto, o ato administrativo que resolveu o contrato de arrendamento apoiado é perfeitamente válido.

Assim, não restam dúvidas de que bem andou o Tribunal a quo, ao julgar improcedente a ação e, consequentemente, absolver o Réu do pedido (…)”.

*O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida.

*O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior emitiu parecer no sentido da improcedência do presente recurso.

*Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.

* *II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.

Neste pressuposto, a questão suscitada pela Recorrente consiste em saber se o Tribunal a quo, ao determinar a improcedência da presente ação nos termos em que decidiu, incorreu em erro de julgamento de direito.

* *III – FUNDAMENTAÇÃO III.1 – DE FACTO Na decisão recorrida deram-se como provados os seguintes factos, sem reparos...

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