Acórdão nº 00022/09.6BEPNF de Tribunal Central Administrativo Norte, 17 de Janeiro de 2020

Magistrado ResponsávelHelena Ribeiro
Data da Resolução17 de Janeiro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I-RELATÓRIO O.M.P.T.C. e C.M.F.C., em representação da sua filha menor, M.L.T.C.

, instauraram contra Ministério da Saúde, Administração Regional de Saúde do Norte, Centro Hospitalar do (...), EPE, Centro de Saúde de (...) e Termas de (...) e Instituto de Genética Médica, ação administrativa comum pedindo a condenação dos Réus no pagamento da quantia de € 90.000,00, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros de mora, com fundamento em responsabilidade civil por factos ilícitos.

Como fundamento da sua pretensão, alegaram, em suma, que a menor M., nasceu no dia 21/12/2005 no Hospital (...), Centro Hospitalar do (...), EPE e que tendo realizado o “teste do pezinho” na área de extensão de saúde de (...) mas não tendo recebido qualquer comunicação nos 30 dias seguintes, entenderam que nenhum problema genético havia com a menor M.. Acontece que no dia 28/03/2006, a M. foi internada no Hospital de (...) do Porto, tendo-lhe sido diagnosticado hipotiroidismo congénito, que deveria ter sido detetado pelo IGM pela análise do teste do pezinho e, se assim tivesse ocorrido, o tratamento teria sido eficaz e não deixaria mazelas na menina.

Defendem que os Réus violaram os deveres a que estavam obrigados por lei, por omissão, pelo facto da não entrega ou não envio do teste do pezinho, situação que causou danos á M. e reflexamente aos seus pais.

Afirmam que se o teste tivesse seguido o seu percurso normal, ou seja, tivesse sido enviado e rececionado pelo IGM, teria sido detetada a existência da doença congénita e o tratamento teria sido feito atempadamente sem sofrimento para a M. e para os seus pais, sofrimento que deve ser compensado com a atribuição de uma indemnização à menor no valor de € 30.000,00 e aos pais no valor de € 10.000,00.

Sustentam que se a doença tivesse sido detetada logo após o nascimento praticamente não existiriam mazelas futuras e com a omissão, a M. ficará com mazelas físicas e psicológicas irreversíveis, pelo que deverá ser indemnizada em quantia não inferior a € 50.000,00.

Concluem que os Réus são responsáveis solidariamente pela omissão verificada quanto ao envio e receção do teste do pezinho, nos termos do art.º 7.º, n.º 1 e 3 da Lei n.º 67/2007 de 31/12, pois o 1.º, 2.º e 3.º Réus são as entidades que emanam as ordens e diretivas para o 4.º Réu e este tinha a obrigação funcional de enviar a recolha de sangue para o 5.º Réu. Por sua vez, este, se recebeu a recolha de sangue da M., deveria comunicar aos pais da menor os resultados do teste em 48 horas.

*O Réu, Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, IP (doravante INSA), que sucedeu nas atribuições do Instituto de Genética Médica Doutor Jacinto de Magalhães, contestou a ação defendendo que não tem de ser responsabilizado pela perda de correspondência pelos CTT, pois se não existe registo da entrada do “teste do pezinho” da menor M. no INSA é porque o ofício, caso tenha sido enviado pelo Réu Centro de Saúde, nunca chegou ao seu destino.

Afirma que não lhe pode ser assacada qualquer responsabilidade, ainda que por funcionamento anormal do serviço, nos termos do n.º 3 do art.º 7.º da Lei n.º 67/2007, e que o Centro de Saúde se contenta com o envio de uma carta simples, depositada em qualquer marco de correio, não tendo procedimentos internos para cuidar de saber se os testes são efetivamente recebidos pelo INSA.

Conclui que a haver diligência inferior àquela que era exigida para efeitos de funcionamento anormal do serviço, somente pode ser imputada ao Réu Centro de Saúde e por omissão do dever geral de cuidado, tendo sido por esse facto que o INSA não pôde realizar o diagnóstico precoce.

Estranha que os pais da M. nunca tivessem realizado diligências para saber os resultados do teste do pezinho, porquanto aquando da realização do mesmo, foi-lhes entregue uma ficha contendo um código de barras que permite a qualquer pai ter acesso, via internet, aos resultados do teste, ocorrendo uma concorrência de culpas entre o lesante e o lesado.

*O Réu “Centro Hospitalar do (...), EPE” contestou defendendo-se por exceção invocando a sua ilegitimidade passiva, por o Centro de Saúde de (...) e Termas de (...) estar integrado na estrutura da Administração Regional de Saúde do Norte, IP, nem lhe imputarem qualquer facto.

*O Réu “Administração Regional de Saúde do Norte, IP” contestou alegando que os pais da menor consultaram via internet o site do “diagnóstico precoce” tendo constatado que o mesmo aí não se encontrava e que o Centro de Saúde enviou o exame em causa para o INSA, concluindo que a ação assistencial do Centro de Saúde não foi ilícita, culposa, nem se verifica nexo de causalidade entre a ação assistencial realizada e os danos.

*O Réu “Ministério da Saúde” contestou defendendo-se por exceção invocando a sua ilegitimidade passiva, não havendo referência quanto a ele aos factos e aos danos geradores de responsabilidade.

*Foi apresentada réplica.

*Foi proferido despacho saneador que julgou procedentes as exceções dilatórias da ilegitimidade passiva dos Réus “Centro Hospitalar do (...), EPE” e “Ministério da Saúde”, fixando-se a matéria assente e base instrutória.

*Realizou-se instrução e audiência de discussão e julgamento.

*Os Autores requereram a ampliação do pedido para um montante global de € 955.639,92, porquanto à data da entrada da ação em Tribunal não era possível apurar com exatidão os danos causados na menor, mas com a prova adicional decorrente do relatório pericial resulta que o pedido inicial é demasiado baixo para ressarcir os autores de todos os prejuízos sofridos, computando a indemnização total em € 955.639,92, nos seguintes termos: a) € 40.000,00 respeitante ao quantum doloris da menor M.; b) € 905.639,92 a título de défice funcional permanente da integridade físico psíquica da M., tendo em conta o valor atribuído, o seu hipotético vencimento que aqui se calcula como consentâneo com um legítimo juízo de prognose positivo quanto à afirmação profissional da M., que provavelmente seria auferido ao longo da sua vida ativa, no mínimo o salário mínimo nacional de € 530,00 e aplicando o juro financeiro de 5%, sendo índice médio da vida humana de 70 anos; c) € 10.000,00 pelo sofrimento e ansiedade causados aos Autores pela omissão dos Réus.

*A ampliação do pedido foi deferida.

*O valor do processo é o indicado pelos Autores (€ 90.000,00 ), sem que ao mesmo tenha sido deduzida oposição pelo Réu correspondendo à quantia cujo pagamento se pretende obter: cfr. art.º 305.º, n.º 4 do NCPC ex vi art.º 1.º e 32.º, n.º 1 do CPTA.

*Em 02/02/2017 foi proferida decisão do seguinte teor: “Nestes termos, e pelas razões expostas, julga-se a presente ação procedente e, em consequência, condena-se os Réus Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, IP e a Administração Regional de Saúde do Norte, IP a pagar, solidariamente, à menor M.L.T.C., aqui representada pelos seus pais O.M.P.T.C. e C.M.F.T.C. C., a quantia de € 80.000,00, e aos pais da menor a quantia de € 10.000,00, acrescidas de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento.

Relega-se para execução de sentença a determinação da indemnização por danos patrimoniais, dano biológico e danos não patrimoniais futuros, nos termos expostos.

Custas a cargo dos Réus, nos termos do art.º 527.º, n.º 1 e 2 do NCPC e Regulamento das Custas Processuais.»*Inconformado com tal decisão, o Réu Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, I.P. (INSA) interpôs recurso de apelação, que motivou e concluiu nos seguintes termos: “1.º A menor M.L.T.C. nasceu no dia 21/12/2005 no Hospital (...), Centro Hospitalar do (...), EPE em (...), 2.ºEm 28 de dezembro de 2005 foi feito o “teste do pezinho” à menor, no Centro de Saúde de (...) e termas de (...) – Unidade de (...), Extensão de Saúde de (...), pela Enfermeira M.F.Q.M.; 3.º Conforme se afere do documento “portes de correio”, preenchido Sr.ª N.A.M.S.S., em 28/12/2005 saiu apenas uma missiva do Centro de Saúde para o IMG, através de correio simples normal, (cfr. fls 287 e ss dos autos); 4.º Resulta provado que não existe qualquer registo de entrada do “teste do pezinho” da menor no IGM, 5.ºQuando o teste é rececionado pelo IGM, é detetada a existência de doença congénita; 6.º A maioria dos Centros de Saúde dão conhecimento, via fax, ao IGM do envio dos testes pelo correio e solicitam confirmação da competente receção, 7.º Prática que não era levada a cabo pelo Centro de Saúde de (...) e termas de (...) – Unidade de (...), Extensão de Saúde de (...).

8.º O próprio Tribunal a quo, na motivação da Sentença ora recorrida afirma desconhecer se o teste chegou ao IGM e não foi registada a sua entrada ou se não chegou sequer ao IGM4 - cfr. ponto 30); 9.ºResulta claro da sentença ora recorrida o seguinte: “desconhece-se o destino do teste, apenas se sabendo que o teste foi depositado na estação de correios de Vila Meã, e que o mesmo não chegou ao seu destino (…)”, 10.º E bem assim “(…) bastando que o teste do “pezinho” fosse recepcionado pelo IGM, não existiriam mazelas presentes e futuras desde que os pais cumprissem o tratamento(…)”5 11.ºPara que haja atribuição de responsabilidade administrativa por facto ilícito é necessária a verificação cumulativa, no caso concreto, da i) ilicitude, ii) da culpa, iii) do dano e iv) do nexo de causalidade entre o facto e o dano.

12.ºComeçando pelo iii) dano, parece que o Tribunal a quo entendeu estarmos perante uma situação de danos causados pelo funcionamento anormal do serviço, 13.ºOu seja, situações em que os danos não resultam do comportamento concreto de determinado agente, ou em que não haja a possibilidade de prova de autoria pessoal da ação ou omissão ilícita, mas em que é possível confirmar que os danos foram causados ou são atribuíveis ao mau funcionamento do serviço.

14.º Não é o caso.

15.º Conforme resulta da sentença, situações existiram, de acordo com o...

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