Acórdão nº 00557/19.2BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 17 de Janeiro de 2020
Magistrado Responsável | Ricardo de Oliveira e Sousa |
Data da Resolução | 17 de Janeiro de 2020 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:* * I – RELATÓRIO T.T., LDA, com os sinais dos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, datada de 04.11.2019, promanada no âmbito da presente Providência Cautelar de Suspensão de Eficácia de Ato Administrativo por si intentada contra o INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL - CENTRO DISTRITAL DE COIMBRA, também com os sinais dos autos, que indeferiu a presente providência cautelar.
Alegando, a Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…) 1.
Por sentença datada de 04 de novembro de 2019, o Tribunal a quo julgou improcedente a ação cautelar intentada pela Autora e, em consequência, indeferiu a providência cautelar de suspensão de eficácia da decisão final, de 11 de julho de 2019, do Conselho Diretivo do Instituo da Segurança Social, IP, que ordenou à Requerente que procedesse ao encerramento do estabelecimento de apoio social, não lhe concedendo o decretamento provisório da autorização de funcionamento do referido estabelecimento.
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Contudo, a ora Recorrente não pode concordar com tal decisão. Vejamos: 3.
Desde logo deparamo-nos com o vício de violação do princípio da participação e de preterição da audiência prévia.
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Com efeito, notificada para o exercício de audiência prévia, a Requerente, aqui recorrente, alegou os fundamentos de facto e de direito que entendeu pertinentes e, para prova daqueles, arrolou várias testemunhas, as quais a Requerida entendeu não ouvir por não constar os factos a que as mesmas iriam ser inquiridas.
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Tal decisão não tem arrimo na lei e, ainda que se considerasse que, algures, se preceitua que quem arrola prova tem que, desde logo, comunicar que factos visa a mesma, sempre caberia a notificação da Requerente para esse efeito.
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Ao não proceder desse jeito, quer ouvindo desde logo as testemunhas arroladas quer notificando a Requerente para indicar os pontos a que as mesmas, a Requerida e, bem assim o Tribunal a quo que lhe deu guarida, violou os princípios da participação ínsito no art. 12° CPA e da imparcialidade (art. 3° CPA), tornando o ato nulo nos termos do disposto no art. 161°-1 e 2, al. d) CPA.
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Acresce que, e sem prescindir, a omissão do exercício do direito de audiência prévia inça de nulidade o procedimento administrativo conforme o abrigo do disposto no art. 163° CPA, arguida tempestivamente.
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Mas, o ato administrativo padece outrossim do vício de falta de fundamentação, pois existe uma contradição na informação do relatório que serviu de base à audiência prévia e à sua decisão, que torna ininteligível, para o seu destinatário, o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato.
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Compulsado o ato, verifica-se que a Requerida ordenou o encerramento definitivo do estabelecimento em causa com base em “situações de perigo”. A ora recorrente não consegue descortinar, a fim de cabalmente se defender e tomar as resoluções pertinentes, qual a efetiva e real situação do estabelecimento.
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Ora, a fundamentação do ato não consubstancia apenas um dever da administração, é também um direito subjetivo do administrador a conhecer os fundamentos factuais e as razões legais que permitem à autoridade administrativa conformar-lhe negativamente a sua esfera jurídica.
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Ora, a Requerida, na deliberação que impunha o encerramento do estabelecimento da ora Recorrente, justificou tal decisão por se verificar uma situação de potencial perigo, mas, a bem da verdade, não se verifica - nem foi feita prova nos autos nesse sentido - de notar que a Requerente alegou a realização de obras posteriores à ação inspetiva levada a cabo pela Requerida - nenhuma situação de perigo atual para a saúde, segurança e bem-estar dos utentes.
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Pelo que, pretendendo a decisão de encerramento em crise, fundamentar-se em tal relatório, como parece, tal fundamentação é ininteligível, por contraditória, o que conduz à nulidade do ato, artigo 161° n.° 2 al. c) do CPA.
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Dessarte, a decisão administrativa padece de nulidade em virtude de falta de fundamentação pelo que, ao assim não decidir, a sentença ora em crise violou o disposto nos art.°s 151°, 152° e 153°, todos do CPA.
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Mais: a Requerida deveria ter aplicado o disposto no artigo 19° n.° 1 do DL 334/2004 de 4 de março ou então deveria ter fundamentado o porquê da não aplicação do disposto no referido artigo.
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Essa falta de fundamentação, constitui um vício formal que prejudica a discussão das alegações, pois, não se sabe quais os factos concretos e juízos de que foi denegado o recurso ao artigo 19° DL 334/2004 de 4 de março para evitar o encerramento imediato do estabelecimento.
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Tanto que, a fundamentação da Deliberação omite também quais as condições exigidas e inexistentes são insuscetíveis de serem cumpridas, ou, sendo suscetíveis de serem satisfeitas, tal não poderá ocorrer, verosimilmente, no período em que alega durar, inicial ou renovadamente, a autorização provisória.
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Por fim, a decisão de encerramento do estabelecimento da Requerente é o meio mais gravoso e que causa maiores danos aos particulares.
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No caso em concreto, não está só em questão as consequências do encerramento para a Requerente, mas também para os trabalhadores e utentes que ali se encontram, porquanto há um prejuízo maior para os particulares do que o prejuízo para os objetivos a realizar.
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Ao ter decidido pelo encerramento do estabelecimento de apoio social, optou a Requerida por uma solução manifestamente desrazoável.
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Ora, a douta sentença de que se recorre não acautela os princípios da proporcionalidade e o princípio da justiça, previstos nos arts. 7° e 8°, ambos do CPA, violando-os de forma clara, ao decretar o encerramento do estabelecimento, pois, apesar de terem sido detetadas algumas irregularidades, meramente formais, as mesmas não constituem um perigo imediato e urgente.
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E desse modo, a decisão a quo deveria ter considerado, na sua fundamentação, os princípios acima enunciados, pois com o decretamento do encerramento do estabelecimento, o mesmo irá causar inúmeros transtornos aos trabalhadores, e, por conseguinte, desalojar os utentes comprovadamente satisfeitos.
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Ambas as decisões sob escrutínio - a do ISS, IP e a do Tribunal a quo, ao decidir pelo encerramento do estabelecimento, violam de igual forma, o princípio da boa fé.
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Há um desvio de poder por parte da Administração ao decidir encerrar definitivamente o estabelecimento de apoio social, por força das contradições demonstradas no relatório, e sendo certo, que o estabelecimento não apresenta condições suscetíveis de comprometer a saúde, segurança e bem-estar dos utentes.
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Pese ainda, o erro de facto, que se coaduna com o erro relativo às circunstâncias relevantes para a decisão, pois as “falhas graves de funcionamento” (que não o são), são meramente formais e não substanciais.
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Assim, sempre por esta via é ilegal o ato administrativo, tendo o tribunal de 1ª instância agido contra os princípios da proporcionalidade, da justiça e razoabilidade, da cooperação e da boa-fé ao julgar improcedente a ação cautelar.
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Nestes termos, deve a decisão recorrida ser revogada, com as legais consequências.
(…)”.
* Notificado que foi para o efeito, o Recorrido apresentou contra-alegações que rematou da seguinte forma: “(…) 1- No presente recurso a Recorrente vem sindicar a bondade da Sentença proferida pelo Tribunal a quo, datada de 04.11.2019, a qual julgou improcedente a ação cautelar por si intentada e, em consequência indeferiu a providência cautelar de suspensão de eficácia da decisão final, do Conselho Diretivo do Recorrido, por discordar dá mesma; 2- Em defesa da sua tese, argumenta que notificada para exercer o direito à audiência prévia, “alegou os fundamentos de facto è de direito que entendeu pertinentes e, para prova daqueles, arrolou testemunhas, as quais a Requerida entendeu não ouvir por não constar os factos a que as mesmas iriam ser inquiridas”, ao assim proceder o Recorrido e, bem assim o Tribunal a que lhe deu guarida, violaram os princípios da participação e da imparcialidade, eivando de nulidade o ato impugnado, nos termos do disposto nos n.°s 1 e 2, do artigo 161.° do CPA; 3- Acrescentando que, a omissão do exercício do direito de audiência prévia inça de nulidade o procedimento administrativo. Vejamos, então, se assim é; 4- A título prévio, chama-se à colação o artigo 121º do CPA, que com a epígrafe “princípio da participação”, prevê que “os órgãos da Administração Pública devem assegurar a participação dos particulares, bem como das associações que tenham por Objeto a defesa das seus interesses, na formação das decisões que lhes digam respeito, designadamente através da respetiva audiência nos termos do presente Código”-, 5 - Sobre o direito à audiência prévia, estabelece o artigo 121º do mesmo diploma legal que “ ...os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta (n° 1) e em cujo exercício os interessados podem pronunciar-se sobre todas, as questões com interesse para a decisão, em matéria de facto e de direito, bem como requerer diligências complementares e juntar documentos" (n.° 2); 6 - Por seu turno, dispõe o artigo 125.° do CPA, que o órgão administrativo, após a audiência, pode efetuar, oficiosamente ou a pedido dos interessados, diligências complementares; 7- Pelo que, considerando o teor dos sobreditos preceitos legais, afigura-se, salvo melhor e douto entendimento, que a realização de diligências complementares, em sede de audiência prévia, não é vinculativa para o órgão administrativo, o qual apenas levará a efeito aquelas que se mostrem convenientes para a decisão administrativa a proferir; 8 - De onde se infere que ó responsável pelo procedimento, não tem que levar a cabo todas as diligências de prova que lhe sejam requeridas pelos interessados aquando do seu...
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