Acórdão nº 1182/15.2BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 16 de Janeiro de 2020

Magistrado ResponsávelPEDRO MARCHÃO MARQUES
Data da Resolução16 de Janeiro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. Relatório O Ministério Público (Recorrente) veio interpor recurso jurisdicional da sentença do TAC de Lisboa que julgou improcedente a acção especial de oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa por si intentada contra Patricía ..........

(Recorrida), de nacionalidade brasileira e casada com um cidadão português.

As alegações de recurso que apresentou culminam com as seguintes conclusões: I. O disposto no artigo 567º do CPC aplica-se na ação administrativa de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa e essa aplicação não é incompatível com o disposto no artº 83º/4 do CPTA, na redação em vigor à data da propositura da ação.

  1. Consequentemente, se o cidadão estrangeiro, regularmente citado, não contestar, como aconteceu no caso dos autos, consideram-se confessados os factos alegados pelo MP na petição inicial, nos termos do artº 567º/1 do Código de Processo Civil.

  2. Devia, por isso, a sentença recorrida ter considerado provados todos os factos articulados pelo MP, designadamente os descritos nos arts. 2º, 11º e 12º da PI, cuja omissão do probatório implicou um erro no julgamento de facto da sentença recorrida.

  3. O julgamento da matéria de facto efetuado pela sentença recorrida deve ser alterado, nos termos dos arts. 149º do CPTA e 662º/1 do CPC e, consequentemente, devem ser dados como provados e aditados os seguintes factos, nos termos do artº 567º/1 do CPC, mantendo-se os demais considerados provados: 1. A R. é filha de pais de nacionalidade brasileira (artigo 2º da PI).

    1. A R. não demonstra ter qualquer identificação cultural e sociológica com a comunidade nacional. (artigo 11º da PI).

    2. A R. nunca residiu em Portugal nem o seu trajeto de vida abrangeu, de forma relevante, a realidade portuguesa. (artigo 11º da PI).

    3. Todo o seu processo de crescimento e de maturação, com a consequente absorção de costumes, referências e valores, desenvolveu-se no Brasil, país onde nasceu e no qual tem todas as suas referências sociais e culturais (artigo 12º da PI).

  4. Ao contrário do sustentado na sentença recorrida, a atual redação do artº 9º/2 da LN, decorrente da alteração introduzida pela Lei Orgânica 2/2018, de 5/07, não é aplicável aos autos, sequer indiretamente, por via de uma suposta “interpretação atualista”.

  5. No momento em que foi formulado o pedido de atribuição da nacionalidade na Conservatória dos Registos Centrais, tal como naquele em que foi interposta a presente ação, estava em vigor a Lei 37/81, de 3/10 na redação decorrente da Lei Orgânica 1/2013, de 29/07, cujo artº 9º se limitava a três alíneas.

  6. Só quatro anos mais tarde, na pendencia da presente ação, é que a Lei Orgânica nº 2/2018, de 5/07, alterou a redação do artº 9º da LN, introduzindo-lhe o número 2 (além do 3), que passou a prever a impossibilidade de oposição à aquisição da nacionalidade com fundamento na inexistência de ligação efetiva à comunidade portuguesa, quando, como no presente caso, existam filhos comuns do casal, que tenham nacionalidade portuguesa.

  7. O artº 5º da Lei Orgânica 2/2018, sob a epígrafe “aplicação a processos pendentes”, prevê expressamente, no seu nº 2, que apenas o nº 3 do artº 9º da LN, na redação dada pela Lei Orgânica nº 2/2018, é aplicável aos processos pendentes à data da entrada em vigor, concluindo-se, a contrario, que as demais alterações ao artº 9º, designadamente o seu nº 2, não são aplicáveis aos processos pendentes.

  8. Idêntica solução foi consagrada pelo artº 4º do Dec. Lei nº 71/2017, de 21/06, que alterou o RNP, do qual resulta, expressamente, que a atual redação do artº 56º não é aplicável aos processos pendentes à data da entrada em vigor da alteração, desde que o conservador ainda não tenha participado os factos ao MP, o que implica que também não seja aplicável aos presentes autos.

  9. Tendo o legislador, no artº 5º/2 da Lei Orgânica nº 2/2018, regulado a aplicabilidade do diploma aos processos pendentes, excluindo a aplicação da redação introduzida ao artº 9º/2 da LN, não pode o Mmo. Juiz, como o fez na sentença recorrida, vir a considerar o contrário, fazendo uma interpretação totalmente contrária à lei, que apelidou de atualista – cfr. artº 9º do Código Civil.

  10. A sentença recorrida padece, por isso, de erro na interpretação e aplicação do direito, ao considerar, contra o disposto no artº 5º/2 da Lei Orgânica 2/2018, que a alteração por esta introduzida à redação do artº 9º/2 da LN é aplicável à situação dos autos e que, porque a Ré tem um filho de nacionalidade portuguesa, a presente ação de oposição à nacionalidade tinha que ser julgada improcedente.

  11. Alterada e aditada a matéria de facto provada, nos termos supra descritos, conclui-se que a sentença recorrida, ao julgar a ação improcedente por falta de prova da inexistência de ligação efetiva da Ré à comunidade nacional, padece de mais um erro de julgamento de direito – artº 9º/1, a) da LN.

  12. De acordo com a jurisprudência uniformizada decorrente do Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, de 16/06/2016, proferido no processo nº 0201/16, cabe ao Ministério Público o ónus de prova dos fundamentos da inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional, e essa prova, no caso dos autos, foi feita.

  13. O conceito de “ligação efetiva à comunidade nacional”, a que aludem os arts. 9º, a) da LN e 56º/1 e 2, a) do RNP, não foi definido pelo legislador, mas tem vindo a ser densificado pela jurisprudência e implica a existência de uma relação estreita do indivíduo com os valores, cultura, língua, hábitos e costumes portugueses; de um efetivo sentimento de pertença e comunhão com a história e a cultura portuguesa, com os elementos que conferem união e identidade como povo e nação.

  14. Essa ligação revela-se por fatores como o conhecimento da língua portuguesa, oral e escrita, o domicílio, a integração social e cultural, o conhecimento da história e da cultura, os quais, todos conjugados, conferem o sentimento de pertença à comunidade.

  15. Analisando a matéria provada pela sentença recorrida e aqueles que devem a ela ser aditados, supra descritos em IV., verificamos que se provou nos autos que: - a Ré nasceu no Brasil, filha de pai natural do Líbano e de mãe natural do Brasil ; - é filha de pais de nacionalidade brasileira; - casou com cidadão português mas nascido no Brasil; - tem um filho de nacionalidade portuguesa, nascido no Brasil; - até ao momento em que prestou declarações para a aquisição da nacionalidade portuguesa, viveu sempre no Estado de São Paulo, no Brasil; - a Ré nunca residiu em Portugal nem o seu trajeto de vida abrangeu, de forma relevante, a realidade portuguesa; - todo o seu processo de crescimento e de maturação, com a consequente absorção de costumes, referências e valores, desenvolveu-se no Brasil, país onde nasceu e no qual tem todas as suas referências sociais e culturais; - não demonstra ter qualquer identificação cultural e sociológica com a comunidade nacional; XVII. Ante estes factos provados, é manifesto que, ao contrário do sustentado pelo Mmo. Juiz na fundamentação da sentença recorrida, o MP alegou e provou factos demonstrativos de que a Ré não tem ligação efetiva à comunidade portuguesa.

  16. A Ré nasceu no Brasil, filha de pais brasileiros, nascidos no Líbano e no Brasil.

  17. A Ré nunca residiu em Portugal; vive e viveu sempre no Brasil, onde se desenvolveu todo o seu processo de crescimento e de maturação, com a consequente absorção de costumes, referências e valores, e onde estão todas as suas referências sociais e culturais.

  18. A única ligação da Ré com a comunidade portuguesa é a circunstância de ser casada com um português e ser mãe de um português, mas mesmo estes apenas conferem uma ligação formal, porquanto nasceram e sempre viveram no Brasil, não lhe permitindo qualquer ligação com a realidade, os costumes e a cultura nacionais nem qualquer identificação cultural e sociológica com a comunidade nacional.

  19. E, como a jurisprudência tem reconhecido, o casamento não basta para se concluir pela existência de ligação efetiva à comunidade nacional, como o domínio da língua também não é suficiente nos casos de cidadãos de países de língua oficial portuguesa, como é o Brasil.

  20. O mesmo acontece com a circunstância de se ter um filho de nacionalidade portuguesa, à luz da lei aplicável ao caso – o artº 9º na redação anterior à Lei Orgânica nº 2/2018 -, sobretudo quando, como acontece, esse filho também nasceu no Brasil e nunca viveu em Portugal, não consubstanciando qualquer fator de ligação aos valores, costumes e identidade portugueses.

  21. Da factualidade provada apenas se pode extrair a conclusão de que a Ré não tem nem nunca teve qualquer sentimento de pertença ou ligação especial à comunidade portuguesa, designadamente não está a ela ligado pelo domicílio, aspetos de ordem cultural, social, de amizade, económico-profissional ou outros que, de acordo com a jurisprudência, permitem preencher o conceito de “ligação efetiva”.

  22. Pelo exposto, ao contrário do decidido na sentença recorrida, provou-se a inexistência de ligação efetiva à comunidade portuguesa por parte da Ré, o que constitui fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade, nos termos dos arts. 9º, a) da LN e artº. 56º/1 e 2, a) do RNP, tendo a decisão em crise feito uma errada interpretação e aplicação destas normas, nas redações aplicáveis ao caso, e do conceito de ligação efetiva.

  23. Nestes termos, deveria o Mmo. Juiz ter considerado provados todos os factos alegados pelo MP na petição inicial e deveria ter considerado verificado o requisito previsto nos arts. 9º, a) da LN e 56º/2, a) do RNP, julgando a ação procedente, por provada.

  24. Não o tendo feito, a decisão recorrida incorreu em manifesto erro na fixação da matéria de facto e erro na interpretação e aplicação do direito, violando o disposto, por um lado, nos arts. 83º/4 do CPTA e 567º/1 do CPC e, por outro, nos arts. 9º...

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