Acórdão nº 1027/08.0BEALM de Tribunal Central Administrativo Sul, 14 de Janeiro de 2020

Magistrado ResponsávelCATARINA ALMEIDA E SOUSA
Data da Resolução14 de Janeiro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul I. RELATÓRIO A Fazenda Pública vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Almada que julgou procedente a impugnação apresentada por A........, deduzida contra do acto de indeferimento do recurso hierárquico por si interposto da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra a liquidação n.º 2006 4…….., referente a Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares (IRS), do ano de 2002, no valor de € 1.985,88.

A Recorrente apresentou as suas alegações e formulou as seguintes conclusões: 1.

Não concorda a Representação da Fazenda Pública com a, aliás, Douta Sentença, na qual se decidiu pela procedência da presente Impugnação, ordenando a anulação do ato de liquidação de IRS, referente ao ano de 2002, na parte impugnada, referente às ajudas de custo, por ter considerado que, “in casu, não só a AT não logrou provar, em sede de ação inspetiva, como lhe competia, o caráter remuneratório dos valores recebidos pela Impugnante, como a própria logrou provar, na presente sede, que de facto se deslocava frequentemente em serviço, por força das suas funções (…) recebendo por esse motivo o valor cuja descaracterização esteve na base da liquidação impugnada”; 2.

Quanto ao ónus da prova, suporta-se o tribunal no disposto no n.º 1 do art.º 75.º da LGT, afirmando que só passa a competir ao contribuinte a prova de que declarou todos as situações a que estava legalmente vinculado quando, efetivamente, a AT tenha carreado elementos de facto que sejam suscetíveis de abalar a dita presunção da escrita. E como entende que a AT não reuniu os indícios suficientes não terá cumprido com aquele ónus; 3.

Do n.º 1 do art.º 2.º do CIRS, na redação à data dos factos, resulta considerarem-se rendimentos de trabalho dependente as remunerações pagas ou postas à disposição do seu titular, provenientes de trabalho por conta de outrem. E o n.º 2 do mesmo preceito vem elencar de forma abrangente qual a configuração que poderão ter aquelas remunerações, nomeadamente, ordenados, salários, vencimentos, gratificações, etc, etc. Ou seja, os pagamentos realizados pela entidade patronal ao seu trabalhador, independentemente da forma que revestirem são, à partida, por lei, enquadrados na categoria de rendimentos de trabalho dependente, ou seja, entendeu o legislador que terão desde logo um caráter remuneratório; 4.

O disposto na alínea d) do n.º 3 do art.º 2.º do CIRS aplica-se apenas às ajudas de custo, ou seja, aos valores pagos não a título remuneratório, mas a título compensatório. E o que aquela alínea nos diz é que, aqueles pagamentos realizados a título compensatório pela entidade patronal, ainda assim serão tributados como se fossem pagos a título remuneratório, desde que ultrapassados determinados limites; 5.

A questão decidenda, in casu, está precisamente na qualificação prévia dos pagamentos realizados como ajudas de custo, para se poder proceder à aplicação da alínea d) do n.º 3 do art.º 2.º do CIRS, ou seja, para aferir se excedem ou não os limites legalmente impostos. Caso se conclua que os pagamentos realizados não têm carater compensatório, mas meramente remuneratório, não há sequer que ir para aquela alínea d) do n.º 3 do artigo, pois trata-se apenas de aplicar a regra geral prevista nos n.ºs 1 e 2; 6.

Caberá, então, salvo melhor opinião, ao Impugnante, fazer prova de que os pagamentos realizados revestem a natureza de ajuda de custo, ou seja, possuem natureza compensatória, eximindo-os à subsunção no s n.ºs 1 e 2 do art.º 2.º do CIRS. Passaria então a pertencer à Autoridade Tributária demonstrar que os pagamentos que revestem tal natureza ultrapassam os montantes a partir dos quais a lei prevê a sua tributação. O que a Impugnante não fez; 7.

Afirma o Tribunal “a quo” que “só passa a competir ao contribuinte a prova de que declarou todas as situações a que estava legalmente vinculado quando, efetivamente, a AT tenha carreado elementos de facto que sejam suscetíveis de abalar a dita presunção da escrita”. Ainda que acedendo, sem conceder, não se concorda, no entanto, pois ainda assim se entende que, no caso, reuniu a Autoridade Tributária prova indiciária suficiente a fazer abalar a presunção prevista no n.º 1 do art.º 75.º da LGT; 8.

Competindo, então, ao Impugnante, vir fazer prova de que, de facto, aqueles pagamentos visaram suportar as despesas que teve com deslocações e outras, ao serviço da sua entidade patronal; 9.

É mesmo o Tribunal “a quo” que reconhece: “É certo que, dizem-nos as regras da experiência comum, muitas vezes as entidades patronais atribuem verbas aos seus empregados que não são mais do que complementos da retribuição, verdadeiros rendimentos do trabalho, ao abrigo de um alegado caráter compensatório, com o intuito de os eximirem à respetiva tributação. É certo também que nesses casos a AT terá, as mais das vezes, que recorrer a provas indirectas, isto é, como salienta Alberto Xavier, a “factos indiciantes, dos quais procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova” (Conceito e natureza do Acto Tributário, pág. 154). (…) No entanto, como bem adverte o mesmo autor, “Tais juízos devem ser, contudo, suficientemente sólidos para criar no órgão de aplicação do direito a convicção da verdade”. Assim é. E, entende a AT, assim foi feito; 10.

Entende a Autoridade Tributária ter feito devida prova de estarmos perante pagamentos/recebimentos que, anda que qualificados pelas partes como ajudas de custo, ou seja, tendo natureza compensatória, revestiram, na verdade, natureza remuneratória; 11.

A AT apurou, no decorrer de uma ação inspetiva, que o impugnante não declarou fiscalmente importâncias auferidas como Ajudas de Custo. A AT apurou também que não se verificavam os pressupostos para a atribuição ao impugnante de quaisquer quantias a título de Ajudas de Custo e que a entidade patronal do Impugnante suportou, porque contabilizou, as despesas com refeições, estadias em hotéis e viagens, pelo que não se vislumbra que outros encargos foram suportados pelo Impugnante, no exercício das suas funções, que pudessem justificar a atribuição de qualquer quantia pela sua entidade patronal, a título de Ajudas de Custo; 12.

A AT concluiu, assim, que nada justificava o pagamento de Ajudas de Custo para compensar eventuais custos acrescidos que o ora impugnante suportasse, pois todos esses custos eram suportados pela sua entidade patronal e, em face de todos os indícios apurados, a AT concluiu que de facto não se tratavam de verdadeiras Ajudas de Custo, mas sim de remuneração, pelo que sendo as respetivas importâncias, de facto, rendimento de trabalho dependente, estão as mesmas sujeitas a tributação nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do art.º 2.º do CIRS; 13.

Entendeu o Tribunal “a quo” que a AT considerou os valores pagos, como ajudas de custo e, como tal, devia determinar se os montantes recebidos pelo impugnante como ajudas de custo ultrapassavam os correspondentes valores atribuídos aos servidores do Estado. Padece a douta sentença de erro de julgamento, porquanto a AT recolheu indícios bastantes, que demostram o caráter remuneratório das quantias pagas ao impugnante como Ajudas de Custo e, em face disso, desconsiderou a qualificação dada pela entidade patronal relativamente às Ajudas de Custo; 14.

Encontra-se também provado que não se justificava o pagamento ao impugnante de quaisquer importâncias a título de Ajudas de Custo, pois não se verificavam os pressupostos da sua atribuição; 15.

Na situação em apreço, não se coloca a questão de saber se as importâncias auferidas com a designação de Ajudas de Custo excedem ou não os limites legalmente estabelecidos; 16.

Encontra-se provado que nada justificava o pagamento de Ajudas de Custo para compensar eventuais custos acrescidos que o ora impugnante suportasse, pois todos esses custos foram suportados pela sua entidade patronal, constituindo tais pagamentos, sem sombra de qualquer...

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