Acórdão nº 66/17.4BCLSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 18 de Dezembro de 2019

Magistrado ResponsávelCRISTINA FLORA
Data da Resolução18 de Dezembro de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul l – RELATÓRIO A FAZENDA PÚBLICA vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por V.......

da liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) nº 003l9l99 e respectivos juros compensatórios, com o nº 0……, elaboradas na sequência de uma acção inspectiva de que foi objecto pelos serviços de Inspecção Tributária e ambas de 21 de Novembro de 2000 e com prazo de pagamento terminando a 31 de Janeiro de 2001.

A recorrente FAZENDA PÚBLICA apresentou as suas alegações e formulou as seguintes conclusões: «A. Vem o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a Impugnação Judicial intentada por V……, com o contribuinte n.º 1……., contra a liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) n.º 0……. e a dos conexos juros compensatórios n.º 0……., elaborada na sequência de uma ação inspetiva de que foi objeto o Impugnante, pelos serviços de Inspeção Tributária e que teve como base uma declaração de rendimentos apresentada pelo próprio Impugnante.

B. Com o devido respeito não pode a Fazenda Pública conformar-se com tal entendimento porquanto solicitou ao Impugnante para demonstrar em sede de inspeção tributária, qual das duas realidades apresentadas por ele, nas duas declarações de rendimentos, modelo 2, relativas ao IRS do ano de 1995, deveria ser considerada.

C. Ao que ele respondeu que a declaração com maiores rendimentos declarados apenas iria servir para ludibriar um Banco e no intuito do Impugnante obter um crédito junto da entidade bancária e portanto foi por desconhecimento que a "nova" mulher do Impugnante facultou tal documento à administração fiscal.

D. Ora perante tal situação fáctica deveria o Impugnante extrair da documentação contabilística a sua realidade sobre os rendimentos auferidos nesse ano e assim demonstrando à administração fiscal qual das duas declarações de rendimentos apresentadas estaria correta. O que não ocorreu, visto nada ter sido apresentado pelo Impugnante.

E. De acordo com as regras do ónus da prova, plasmadas no ordenamento jurídico no disposto 341.º e seguintes do Código Civil (CC) é ao Impugnante que cabe provar dentro das duas realidades distintas apresentadas, qual é a sua, através da documentação da sua contabilidade como empresário em nome individual, revelando assim os rendimentos efetivos.

F. Portanto digamos que a douta sentença faz uma errada interpretação da subsunção dos factos ao Direito, quando diz que por falta de fundamentação, por falta de averiguação da veracidade dos factos, por estar a considerar uma situação por demais bizarra como normal.

G. Ora a questão fundamental que se impõe é a de saber se as regras sobre o ónus da prova, estarão a ser bem aplicadas na douta sentença, que recai sobre a falha ser da administração fiscal, quando a nosso ver não cabe à administração fiscal demonstrar os rendimentos auferidos pelo Impugnante no ano de 1995.

H. Opera o preceituado no disposto no artigo 342.º do CCivil n.º 1: àquele que invoca um direito, cabe fazer a prova dos factos constitutivos do mesmo.

I. Na petição inicial (a causa de pedir) o Impugnante informa que o relatório sobre a reclamação graciosa apresentado padece de vício insanável, sem no entanto indicar o fundamento de tal conclusão, dizendo apenas que a declaração de modelo 2 do IRS de 1995 que teve como base a liquidação sindicada, não corresponde à realidade, atribuindo como fundamento a inexistência de facto tributável.

J. Ora na realidade conforme a factualidade que nos deparamos, existem duas declarações, uma processada no sistema informático da AT e outra por processar, mas com a informação de que foi entregue no SF da Lourinhã. e portanto igualmente válida apesar de ter valores díspares, pelo que sempre se dirá que cabe ao Impugnante explicar e apresentar quais os valores dos seus rendimentos.

K. E essa demonstração de rendimentos faz-se através da sua contabilidade que não foi apresentada.

L. Face ao exposto, com a devida vénia, entendemos que a douta sentença recorrida ao julgar procedente a presente impugnação judicial, enferma de erro de apreciação da prova na aplicação do Direito, sendo que no caso deve ser considerada que não existiu qualquer violação por parte da administração fiscal, de acordo com a seguinte factualidade: "tal como resulta dos autos, o recorrente apresentou duas declarações na Repartição de Finanças, embora não explique porque têm ambas a mesma data, a mesma enumeração e o mesmo carimbo da Repartição. A peritagem efectuada não conseguiu descobrir qual das declarações corresponderia à realidade tributária do recorrente, sendo certo que a que foi processada correspondia aos dados da contabilidade, mas esta não merecia credibilidade. Assim, não havendo provas de que a segunda declaração do contribuinte constitui uma falsificação de terceiros, bem andou a Administração Fiscal ao liquidar a que corresponde maior imposto" M. Como emana do art. 59.º n.º 1 e 2 CPPT (que quase decalca os termos dos mesmos n.ºs do art. 76.º CPT) o procedimento de liquidação tributária, por regra e na normalidade das situações, busca a sua génese no conteúdo das declarações dos contribuintes. Em jeito de definição, por "declaração" devemos, aqui e para este efeito, entender o "acto pelo qual o contribuinte leva ao conhecimento (da AT) a existência da matéria tributável que integra o facto tributário, indicando o seu montante e todos os elementos necessários para o cálculo do imposto (...)".

N. Considerando também já terem sido proferidas duas decisões jurisprudenciais no processo de impugnação n.0 ……/2001 que reveste a mesma matéria, relativamente à liquidação correctiva do IRS de 1995, juntamos os referidos documentos (documento 1 - decisão de primeira instancia e documento 2 - Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul} que caracterizam bem a posição que a Representação da Fazenda Pública pretende louvar.

TERMOS EM QUE, CONCEDENDO-SE PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, DEVE A DOUTA SENTENÇA, ORA RECORRIDA, SER REVOGADA, ASSIM SE FAZENDO A COSTUMADA JUSTIÇA!» * O recorrido, V……, devidamente notificado para o efeito, não apresentou contra-alegações.

* O Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

* Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.

**** As questões invocadas pelo Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir são as seguintes: _ Erro de julgamento de facto e de direito porquanto é sobre o impugnante que recai o ónus da prova, demonstrando quais das duas declarações de IRS é a que corresponde aos valores descritos na contabilidade, o que não o fez nos termos do art. 342.º, n.º 1 do Código Civil (conclusões A) a M) das alegações de recurso); _ Erro de julgamento porque já foram proferidas decisões jurisprudenciais no processo de impugnação n.º ……/2001 que reveste a mesma matéria relativamente à liquidação de IRS de 1995 (conclusão n) das alegações de recurso).

**** II – FUNDAMENTAÇÃO A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos: «1. O Impugnante, V……, iniciou atividade e 26 dejulho de 1994 como mecânico automóvel [CAE 28520 - atividades de mecânica geral], mas em 31 de dezembro de 1995 cessou-a e vendeu todo o imobilizado e existências à sociedade V……, L.dª, da qual é sócio e cuja atividade se iniciou imediatamente a seguir.

  1. Nessa sequência, o Impugnante formulou um pedido de reembolso de Imposto sobre o Valor Acrescentado por créditos acumulados no período da atividade em nome individua do terceiro trimestre de 1994 ao quarto de 1995, resultantes do Imposto sobre o Valor Acrescentado dedutível sobre o imobilizado.

  2. Em análise e apreciação desse pedido, a Administração Tributária procedeu a uma análise às declarações do Impugnante [e sua mulher de então], modelo 2, para efeitos de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares dos anos de 1994 e de 1995, que para o efeito lhe pediu.

  3. E assim, na referente ao ano de 1995, cuja cópia lhe foi fornecida pelo Impugnante, por intermédio da sua nova mulher, verificou que no quadro 04 do anexo A e no quadro 05 do anexo B l não eram coincidentes os valores inscritos com aqueles da declaração que constava no sistema informático da Administração Tributária.

  4. Assim, nos rendimentos brutos do Impugnante inscritos no anexo A quadro 04, constavam 676.000$00 (e dedução específica de 440.000$00) que no sistema informático não constavam.

  5. Do mesmo modo, no anexo Bl quadro 05, no apuramento de rendimento do Impugnante, constavam 1.000.000$00 em vendas de mercadorias que não constavam do sistema informático e em prestações de serviços constavam 4.000.000$00 que também não constavam do sistema.

  6. Solicitados esclarecimentos ao Impugnante, ele referiu que esta declaração fora elaborada (e recolhido o carimbo de apresentação no Serviço de Finanças) para conseguir que uma instituição bancária lhe concedesse crédito, o que com base na declaração real não obteria.

  7. Essa declaração, apesar de nela constar carimbo de receção, não fora do oportuno e efetivo conhecimento da Administração...

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