Acórdão nº 01414/19.8BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 20 de Dezembro de 2019

Magistrado ResponsávelHelena Ribeiro
Data da Resolução20 de Dezembro de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I-RELATÓRIO 1.J. J. C. M., vereador da Câmara Municipal de (...), veio, em causa própria, nos termos dos artigos 109.º e seguintes do CPTA, intentar uma INTIMAÇÃO PARA PROTEÇÃO DE DIREITOS LIBERDADES E GARANTIAS contra o Município de (...), pedindo a sua intimação a entregar-lhe os registos de áudio das reuniões de 29 de outubro e 5 de novembro de 2018 e, de 18 de março e de 20 de maio de 2019 e demais que se realizem do seu órgão executivo; 2.Como fundamento para a sua pretensão, alegou, em síntese, que o seu direito a se informar e ser informado consagrado no artigo 37.º, n.º 1, da CRP se encontra em risco de lesão iminente, uma vez que no próximo dia 1 de junho de 2019 irá realizar-se a reunião da Câmara para aprovação da minuta da ata da reunião da Câmara de 20 de maio de 2019 no âmbito da qual se determinou, com o seu voto contra, a eliminação das gravações, por iniciativa do Presidente, após a elaboração das atas.

Mais alegou que a reiterada recusa do Réu em ceder as aludidas gravações viola o n.º 1 do artigo 5.º da LADA e, bem assim, as alíneas c) e e) do artigo 6.º do RGPD.

3.Foi proferido despacho liminar de fls. 35 a 39 do SITAF, que deu por verificado o erro na forma de processo, determinando a convolação deste meio processual para a intimação para a prestação de informações (artigos 104.º e seguintes do CPTA).

4.Citado, o Réu apresentou a resposta a fls. 53-62 do SITAF, na qual se defendeu por exceção, invocando a caducidade do direito de ação (parcial) relativo ao pedido de acesso às gravações das reuniões de 29 de outubro e 5 de novembro de 2018 e, por impugnação, peticionando, a final, a total improcedência da intimação.

5. Efetuada a notificação da contestação, o autor exerceu o seu direito ao contraditório relativamente à invocada caducidade do direito de ação, conforme fls. 124-130 do SITAF; 6.Notificado, o Réu procedeu à junção dos documentos que constam de fls. 142-243 do SITAF.

7. Fixou-se o valor da causa, de acordo com os artigos 34.º, n.ºs 1 e 2 do CPTA, 6.º, n.º 4, do ETAF, 296.º, n.º 2 e 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, em EUR 30.000,01 e, para efeitos tributários, em EUR 2.000,00, em conformidade com a alínea b), do n.º 1 do artigo 12.º do RCP 8. Proferiu-se despacho saneador, no qual, além do mais, se relegou o conhecimento da exceção da caducidade para momento posterior ao julgamento da matéria de facto.

9. Proferiu-se decisão que julgou a intimação parcialmente procedente, constando essa decisão da seguinte parte dispositiva: «Com os fundamentos supra expostos e de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, julgo a presente intimação parcialmente procedente e, em consequência, intimo o Réu a entregar ao Autor, no prazo de 10 [dez] dias, o registo áudio das reuniões de 29 de Outubro e 5 de Novembro de 2018 e de 18 de Março e de 20 de Maio de 2019 da Câmara Municipal de (...).

* *Fixo o valor da presente intimação em EUR 30.000,01, devendo, contudo, atender-se, para efeitos de custas processuais, ao valor de EUR 2.000,01.

* *Condeno o Autor e Réu no pagamento da totalidade das custas processuais, na proporção que ora se fixa em 10 % e 90 % para cada um, respectivamente.

* *Registe-se e notifique-se. » 13. Inconformado com o assim decidido, o Recorrente Município de (...) interpôs recurso jurisdicional em que formula as seguintes conclusões: «I. DA CADUCIDADE DO DIREITO DE AÇÃO i. Pelo presente recurso, o Recorrente impugna a matéria de facto, pois a conjugação da prova documental com a confissão do Recorrido conduzem, a uma única e gritante conclusão: a existência de um clamoroso erro de julgamento da matéria de facto, dando origem a uma decisão que urge ser revogada na medida em que andou mal o Tribunal a quo ao julgar improcedente, por não provada, a exceção de caducidade do direito de ação.

ii. Há um clamoroso erro de julgamento na matéria de facto na douta sentença, pois deveria ter sido dado como provado que “No dia 22 de fevereiro de 2019, foi indeferido o pedido das gravações áudio das reuniões da Câmara Municipal de 29 de outubro e de 5 de novembro de 2018”.

iii. O Recorrido confessou que a entrega das gravações das reuniões de Câmara de 29 de outubro de 2018 e 5 de novembro de 2018 foi recusada no dia 22/2/2019. – conforme decorre do artigo 15º do requerimento inicial e do documento nº5 junto com o mesmo.

iv.

DEVE SER JULGADO PROVADO que “No dia 22 de fevereiro de 2019, foi indeferido o pedido das gravações áudio das reuniões da Câmara Municipal de 29 de outubro e de 5 de novembro de 2018.

v. O prazo de 20 dias para requerer a intimação conta-se desde a primeira decisão que não deu satisfação integral ao pedido de acesso.

vi. A presente intimação é intempestiva, pelo menos, quanto ás gravações áudio das reuniões da Câmara Municipal de 29 de outubro e de 5 de novembro de 2018, pois deveria ter sido instaurada até dia 14 de março de 2019.

vii. Ao julgar improcedente a exceção de caducidade do direito de ação, o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 105º nº2 do CPTA.

  1. DO ACESSO ÀS GRAVAÇÕES viii. A decisão em crise viola o artigo 105º do CPTA e o artigo 3º da Lei nº 26/2016, de 22 de agosto.

ix. As gravações áudio das reuniões de Câmara são um mero suporte instrumental auxiliar de trabalho, equivalentes às notas pessoais do secretário para que este possa, em cumprimento do disposto no artigo 34º do CPTA, redigir a ata. – cfr. Informação do Ministério Público no PA nº 45/2019 junta como documento nº1 x. Se o legislador considerasse a gravação áudio essencial para aferir a veracidade e exatidão a ata, teria imposto a gravação das reuniões dos órgãos colegais, que até à data, são facultativas.

xi. Se as gravações áudio das reuniões de Câmara fossem documentos administrativos, o legislador teria previsto um prazo de conservação específico para as mesmas.

xii. As gravações áudio das reuniões de Câmara não são documentos administrativos, pelo que falece o pressuposto processual para a intimação para prestação de informações (artigo 105º do CPTA): a insatisfação de pedidos formulados no exercício do direito de acesso aos arquivos e registos administrativos.

Nestes termos e nos mais e melhores de Direito que Vossas Excelências tão douta quanto proficientemente suprirão, deve o presente recurso ser provido, sendo revogada a douta Sentença de fls., e consequentemente, ser o Recorrente totalmente absolvido do pedido, nos termos e com todas as consequências legais.» 14.Não foram apresentadas contra-alegações.

* 15.O Magistrado do Ministério Público junto deste TCA Norte notificado nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 146.º,n.º1 e 147.º, 2 do CPTA , não se pronunciou.

*16. Sem vistos, por deles estar legalmente dispensado.

* II.DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO.

16.Conforme é jurisprudência consolidada, o objeto de recurso é delimitado em função do teor das conclusões do recorrente, cifrando-se as questões suscitadas que cumpre decidir, em saber se a decisão recorrida enferma: (i) de erro de julgamento sobre a matéria de facto, por não ter dado como provado que “No dia 22 de fevereiro de 2019, foi indeferido o pedido das gravações áudio das reuniões da Câmara Municipal de 29 de outubro e de 5 de novembro de 2018”.

(ii) erro de direito por ter julgado improcedente a exceção da caducidade do direito de intentar a intimação para a prestação de informações.

(iii) erro de direito por afrontar o disposto no “artigo 105º do CPTA e o artigo 3º da Lei nº 26/2016, de 22 de agosto”**III. FUNDAMENTAÇÃO III.A. DE FACTO 17.Sem prejuízo da posterior apreciação das questões colocadas em sede de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, importa desde já elencar os factos dados como assentes pela sentença recorrida: «A) Em 8 de Fevereiro de 2019, o Autor, na qualidade de vereador da Câmara Municipal de (...), peticionou, através de correio electrónico dirigido à Directora Municipal de Administração e Finanças do Réu, as gravações áudio das reuniões daquele órgão executivo realizadas em 29 de Outubro de 5 de Novembro de 2018 [cf. cópia em documento n.º 5 da PI]; B) Em 22 de Fevereiro de 2019, a Directora Municipal de Administração e Finanças do Réu enviou, através de correio electrónico dirigido ao Autor, a seguinte mensagem [cf. cópia em documento n.º 5 da PI, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido]: “(…) Incumbe-me o Senhor Presidente da Câmara de o informar de que lhe deverão ser fornecidas as atas das reuniões de Câmara de 29 de Outubro de 2018 e de 5 de Novembro de 2018.

As gravações são instrumentos de trabalho, não documentos administrativos, tratando-se o registo áudio de um suporte auxiliar para a elaboração das atas das reuniões de câmara (…)” C) Por ofício datado de 11 de Abril de 2019, emitido pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) e dirigido ao Presidente da Câmara Municipal de (...) sob o assunto “Gravação áudio das reuniões” foi-lhe transmitido o conteúdo do parecer proferido por aqueles, do qual consta, além do mais, o seguinte [cf. cópia fls. 142-161 do SITAF, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido]: Solicita o Senhor Presidente da Câmara Municipal consulente o seguinte esclarecimento jurídico: “O Município (…) tem como prática a gravação áudio das reuniões da Câmara Municipal que visa, apenas e tão só, a sua utilização como instrumento de apoio à elaboração das atas das respectivas sessões, para cumprimento do disposto no art. 57.º da Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro (que aprovou em anexo o Regime Jurídico das Autarquias Locais) e artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de Janeiro.

É que, na verdade, só a deliberação do órgão colegial reduzida a acta goza de eficácia jurídica, na medida que o seu conteúdo faz prova legal plena das deliberações tomadas, assumindo este documento administrativo uma importância jurídica tal que a sua falha se...

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