Acórdão nº 111/18.6BCLSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 13 de Dezembro de 2019

Magistrado ResponsávelANA PINHOL
Data da Resolução13 de Dezembro de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

ACÓRDÃO I.

RELATÓRIO V.........., S.A.

, inconformada com a decisão do Tribunal Arbitral proferida no processo nº 229/2018-T, que julgou procedente a excepção dilatória de incompetência daquele Tribunal em razão da matéria, e em consequência, absolveu a Autoridade Tributária da instância, dela vem apresentar impugnação ao abrigo do preceituado nos artigos 26º e 27º, do Decreto-Lei nº10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Voluntária, doravante apenas designado por RJAT).

Nas suas alegações, a Impugnante, V.........., S.A, formulou as conclusões seguintes: «

  1. No acórdão do TCAS de 27 de Abril de 2017, proferido no processo n.º 08599/15 (Doc. n.º 3), recordou-se justamente a conclusão do Tribunal Constitucional de que “haverá de reconhecer-se que as decisões de um tribunal arbitral tributário sobre a própria competência não podem deixar de estar submetidas a reapreciação por um tribunal do Estado”.

  2. E no citado acórdão, n.º 177/2016, do Tribunal Constitucional (Doc. n.º 4), julgou-se inconstitucional a alínea c) do n.º 1 do artigo 28.º do RJAT, se interpretada no sentido de que não autorizaria a impugnação de decisão arbitral sobre a questão da própria competência do Tribunal Arbitral.

  3. Se o conceito de pronúncia indevida constante da citada alínea c) do n.º 1 do artigo 28.º do RJAT é e tem sido interpretado (incluindo pela AT) como abrangendo as decisões em que o Tribunal Arbitral se declara competente, simétrica e coerentemente o conceito de omissão de pronúncia (constante da mesmíssima alínea) é de interpretar como abrangendo as decisões em que o Tribunal Arbitral se declare incompetente.

  4. Se assim não se entender, no que não se concede, será então de concluir mutatis mutandis, na esteira do Tribunal Constitucional e do TCAS, no sentido da inconstitucionalidade da alínea c) do n.º 1 do artigo 28.º do RJAT, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na interpretação normativa de que o conceito de «omissão de pronúncia» não abrangeria a possibilidade de impugnação de decisão arbitral que declare a incompetência material do próprio tribunal arbitral, por violação concomitante dos artigos 20.º e 209.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.

    ii) Da ilegalidade da declaração de incompetência fundada no facto de o procedimento administrativo prévio ter sido o da revisão oficiosa E) Sobre a incompetência suscitada pela AT nos casos em que a autoliquidação seja previamente submetida ao procedimento de revisão oficiosa, pronunciou-se já o TCAS, no processo n.º 08599/15 (Doc. n.º 3): “Considerando aqueles preceitos legais a decisão arbitral [proferida no processo n.º 630/2014-T] concluiu pela viabilidade de apresentação de pedidos de pronúncia arbitral relativamente a actos de autoliquidação que tenham sido precedidos de pedido de revisão oficiosa, julgando não verificada a excepção de incompetência suscitada. Concordamos na íntegra com todo o discurso fundamentador da decisão arbitral, cuja a fundamentação aqui transcrevermos apenas em parte [pág 28] (...) Pelo exposto, não se verifica o fundamento "pronúncia indevida", previsto na 1.ª parte da alínea c) do art. 28.°, n.° 1 do RJAT, porquanto o tribunal arbitral" tem competência em razão da matéria para conhecer da legalidade de acto de autoliquidação que tenham sido precedido de pedido de revisão oficiosa [pág. 33] (...) não é pelo facto de estarmos perante um normativo de uma portaria de vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que não se poderá proceder à interpretação das normas dele constantes, por outras palavras, não ofende o princípio da legalidade tributária a interpretação de normativo da portaria de vinculação.

    É que ao contrário do que alega a Impugnante não se trata de ampliar a vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais, mas antes de interpretar uma norma da portaria que exclui essa vinculação [pág.36]”.

  5. E o Tribunal Constitucional, no seu acórdão n.º 244/2018 (Doc. n.º 5), confirmou já que nenhuma inconstitucionalidade existe na interpretação, neste sentido, da norma do artigo 2.º, alínea a), da Portaria (n.º 112-A/2011) de vinculação. A interpretação generalizada da mesma, que foi também a do TCAS.

  6. E mais acrescentou o Tribunal Constitucional, citando e subscrevendo o referido acórdão do TCAS: “Ora, como é referido na decisão a quo, «ao contrário do que alega a Impugnante não se trata de ampliar a vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais, mas antes de interpretar uma norma da portaria que exclui essa vinculação», pelo que «não se verificando uma exclusão expressa, não se poderá dizer que estamos perante uma ampliação da vinculação, mas tão-somente perante interpretação de norma de exclusão de vinculação (...)» (cfr. p. 36 do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 27 de Abril de 2017, fls. 136).”.

  7. Desenvolvendo o tema, a norma na alínea a) do artigo 2.º da Portaria de vinculação nenhuma inovação pretendeu consagrar. Limita-se a acolher a solução praticada em sede de processo judicial tributário/impugnação judicial, vertida no artigo 131.º do CPPT, através de expressa remissão para aí: sempre que se esteja perante uma autoliquidação, antes de ir para tribunal, tem de se dar oportunidade à AT para apreciar essa autoliquidação e ilegalidades que lhe sejam apontadas.

  8. Este objectivo (de apreciação prévia pela AT) é aliás textualmente assumido na alínea a) do artigo 2.º da Portaria de vinculação: não se pode recorrer a Tribunal Arbitral com respeito a pretensões contra autoliquidações “que não tenham sido precedidas de recurso à via administrativa”.

  9. O facto de o artigo 131.º do CPPT dizer que no caso da autoliquidação a impugnação será obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa, jamais, em décadas de aplicação desta norma, levou os Tribunais tributários a entenderem ser de excluir a apreciação de impugnações de autoliquidações precedidas de procedimento administrativo de revisão oficiosa. E a AT aceita pacificamente esta interpretação deste quadro legal para o qual remete a Portaria de vinculação.

  10. Aceita, pois, a AT e toda a comunidade jurídica que lida com esta norma, o entendimento equilibrado dos Tribunais tributários de que o objectivo perseguido por esta norma é, quando se está perante autoliquidações, dar oportunidade à AT para se pronunciar previamente à impugnação judicial.

  11. Donde que, para efeito da satisfação deste, e único, objectivo da norma, seja indiferente (espírito da norma) se essa pronúncia prévia da AT se dá em sede de procedimento administrativo de revisão oficiosa ou de procedimento administrativo de reclamação graciosa stricto sensu.

  12. Sendo este o entendimento, velho de anos, em sede de impugnação judicial, e sendo este entendimento de há muito respeitado pela AT, não se percebe por que razão defende a AT o contrário (com a adesão da decisão arbitral que se impugna) em sede do meio alternativo da impugnação de actos de liquidação (substituto desta) que é a arbitragem tributária.

  13. A arbitragem tributária é do tipo institucional. É um substituto, organizado e permanentemente disponível, do recurso aos tribunais tributários. É, pois, um regime legal de resolução alternativa de conflitos no campo dos impostos, paralelo ao processo judicial tributário. E como regime legal que é está sujeito às mesmíssimas regras interpretativas a que estão sujeitas todas as leis e normas jurídicas.

  14. E uma Portaria, como um qualquer outro diploma legal, é certamente um acto de vontade e informado pela vontade do órgão competente para o emitir; mas a voluntariedade acaba aí; mal conclui a sua formação, o diploma atinge automaticamente e de imediato a maioridade plena libertando-se da tutela do seu criador e ficando sujeito às normais regras de interpretação de normas jurídicas; acresce, se por absurdo assim não se entendesse, que num sistema jurídico como o nosso, mesmo em sede de direito privado o significado dos contratos ou de negócios jurídicos unilaterais está longe de ser uma função do império da letra e dos dicionários, concorrendo aí também considerações sobre o equilíbrio dos resultados, boa-fé, abuso de direito, perspectiva sistemática, finalidade discernível das disposições, etc.

  15. Não se pode, pois, tratar a Portaria n.º 112-A/2011 como propriedade da AT, imune às regras gerais de interpretação das normas jurídicas. Não o é, nem o que ali está é menos normativo do que o que se pode encontrar no CPPT ou no RJAT.

  16. Mais ainda, a Portaria de adesão à arbitragem tributária é ela própria um acto normativo, formal e substancialmente (as suas disposições são gerais e abstractas, compostas de previsão e estatuição), e no ponto que interessa aqui faz sua o que é, inquestionavelmente, mais uma norma jurídica, a constante do artigo 131.º, n.º 1, do CPPT. Pelo que são as regras de interpretação das normas jurídicas que se lhe hão-de aplicar.

  17. Acresce que, como já se referiu, a questão da interpretação do artigo 2.º, alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, não é privativa desta norma. Ela é muito mais antiga, e data, pelo menos, da aprovação do CPPT, onde consta o artigo 131.º do CPPT, para o qual remete o preceito da Portaria aqui em causa.

  18. Donde que se tenha dificuldade em compreender como, em face do meio paralelo à impugnação judicial que é a arbitragem tributária, e perante remissão pela Portaria de vinculação à arbitragem tributária para o artigo 131.º do CPPT, se pretenda, como não podia deixar de ser, receber esta norma na arbitragem, mas rejeitar o acquis jurisprudencial que a seu propósito se formou, e que nos diz que não obstante a sua formulação não é inimpugnável o acto de liquidação precedido do procedimento administrativo de revisão oficiosa.

  19. Ou seja, tendo a Portaria em causa remetido para a solução do artigo 131.º do CPPT, trazendo para a arbitragem essa norma, a AT (com a adesão da decisão arbitral que se impugna) pretende que, não obstante, não seria de acolher o acquis...

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